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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 14/05/2024

14 de Maio de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (20): Interpretação e tradução da Bíblia

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14 de Maio de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (20): Interpretação e tradução da Bíblia

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06/11/2015 18:36 - Atualizado em 06/11/2015 18:37

A Palavra de Deus na Bíblia (20): Interpretação e tradução da Bíblia 0

06/11/2015 18:36 - Atualizado em 06/11/2015 18:37

22. A interpretação bíblica na Idade Média1

Continuamos a sequência dos artigos sobre a Idade Média, que preparam nossa exposição sobre a interpretação bíblica do grande teólogo medieval, Santo Tomás de Aquino.

Neste artigo finalizamos a exposição sobre De Lubac, sobre os sentidos da Escritura para a exegese bíblica medieval.

Como já vimos, não faltava razão à operação interpretativa de textos bíblicos, mas não se vivia uma sociedade tão dependente do uso exclusivo da razão experimental, como começará a ocorrer a partir do século 17.

23. Os quatro sentidos da Escritura e a exegese na Idade Média

A ordem dos três sentidos espirituais não é constante, ainda que o sentido literal venha sempre em primeiro lugar. Com efeito, o sentido dogmático às vezes é desenvolvido após o sentido moral, de modo a poder ser identificado com o sentido anagógico. Nesse caso, a ética, que se origina em uma antropologia natural, deveria conduzir à verdade escatológica e eterna.

Essa perspectiva segue a ascensão platônica para as ideias, cuja contemplação torna a alma plena de felicidade. Contudo, tal sequência traz o risco de fazer pensar que o conhecimento da fé é a realização do destino cristão, que a salvação pode ser identificada com o mero conhecimento dogmático.

Isso seria uma gnose, a salvação mediante o saber. Se, ao contrário, o dogma precede a moral, a ação faz aparecer na história a verdade que a precede. Esta última sucessão segue uma ordem teológica, que está ligada sobretudo ao ritmo da Revelação, enquanto o agir cristão responde ao apelo do Verbo. Ainda assim corre-se o risco de explicar o dogma recorrendo unicamente à inteligibilidade abstrata, se nem sequer o sentido alegórico nasce da res significada pelo sentido literal e já acolhida mediante a oração e a anagogia.

As diversas estruturas dos quatro sentidos da Escritura revelam várias orientações possíveis da investigação intelectual ou do sentido da razão. Os tempos modernos fizeram uma escolha que, eliminando algumas possibilidades, talvez tenham enfraquecido o poder total da razão, tornando-a formal e fazendo esperar a salvação apenas do saber filosófico.

A Idade Média foi ‘média’ no sentido de intermediária? Para sustentar isso, seria necessário que os tempos modernos, pondo o período medieval entre parênteses, pudessem justificar seu vínculo direto com a Antiguidade, o que seria o resultado de uma grave cegueira ou de um profundo sono amnésico.

Esse período tem, de qualquer modo, uma especificidade que o distingue do que o precede e do que vem depois dele. A cultura erudita é, nesse período, em larga medida eclesiástica. Foi desenvolvida primeiramente em uma perspectiva de edificação espiritual. No entanto, seus meios lógicos, por exemplo, tornaram-se pouco a pouco sempre mais autônomos.

A Idade Média não é um período de irracionalidade, mas um tempo durante o qual, com dificuldades e hesitações, a razão europeia procurou seu caminho. O fato de a racionalidade moderna ser de origem teológica não poderá ser negado nem esquecido por seus descendentes, exceto por razões de ordem ideológica que ignorem a realidade dos fatos.

A leitura bíblica veio a desempenhar um novo papel relevante na história da leitura desde a Idade Média, estabelecendo a leitura silenciosa como uma prática comum. Ainda que os textos continuassem sendo conhecidos pelos leigos através da mediação de leitores nos cerimoniais litúrgicos, sermões e proclamações públicas, no interior das igrejas, na vida monástica, a Bíblia e outros textos religiosos eram lidos silenciosamente, murmurados e meditados cuidadosa e repetidamente2.

A leitura e a cópia dos textos sagrados se transformam em exercícios religiosos como a oração ou o jejum, mas o uso da Bíblia nesses séculos de devoção religiosa vai além das práticas de leitura, pelo que os livros em sua materialidade ganham novo status. O livro religioso passa a valer por si, como objeto sagrado, amuleto cuja posse é desejável mesmo entre aqueles que não a podiam ler por inaptidão com o latim ou com a escrita em si. Essa estima em relação à própria materialidade dos textos bíblicos é um fenômeno que ainda testemunhamos no mundo contemporâneo, e que possui grande relevância como forma de mediação religiosa da leitura.

Quero dizer que, desde o momento que um leitor toma uma Bíblia em suas mãos, a presença de instituições religiosas se faz notar e busca condicionar a leitura. Voltaremos a essa questão outras vezes, mas pensemos provisoriamente no impacto que capas de couro com belas letras douradas, que anunciam a sacralidade do texto, e a legitimação dada pelo nome de alguma autoridade desempenham previamente sobre um leitor iniciante

1 www.apologeticacatolica.com.br/agnusdei/livr94.htm

2 http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br/2013/03/historia-da-leitura-biblia-idade-media.html

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A Palavra de Deus na Bíblia (20): Interpretação e tradução da Bíblia

06/11/2015 18:36 - Atualizado em 06/11/2015 18:37

22. A interpretação bíblica na Idade Média1

Continuamos a sequência dos artigos sobre a Idade Média, que preparam nossa exposição sobre a interpretação bíblica do grande teólogo medieval, Santo Tomás de Aquino.

Neste artigo finalizamos a exposição sobre De Lubac, sobre os sentidos da Escritura para a exegese bíblica medieval.

Como já vimos, não faltava razão à operação interpretativa de textos bíblicos, mas não se vivia uma sociedade tão dependente do uso exclusivo da razão experimental, como começará a ocorrer a partir do século 17.

23. Os quatro sentidos da Escritura e a exegese na Idade Média

A ordem dos três sentidos espirituais não é constante, ainda que o sentido literal venha sempre em primeiro lugar. Com efeito, o sentido dogmático às vezes é desenvolvido após o sentido moral, de modo a poder ser identificado com o sentido anagógico. Nesse caso, a ética, que se origina em uma antropologia natural, deveria conduzir à verdade escatológica e eterna.

Essa perspectiva segue a ascensão platônica para as ideias, cuja contemplação torna a alma plena de felicidade. Contudo, tal sequência traz o risco de fazer pensar que o conhecimento da fé é a realização do destino cristão, que a salvação pode ser identificada com o mero conhecimento dogmático.

Isso seria uma gnose, a salvação mediante o saber. Se, ao contrário, o dogma precede a moral, a ação faz aparecer na história a verdade que a precede. Esta última sucessão segue uma ordem teológica, que está ligada sobretudo ao ritmo da Revelação, enquanto o agir cristão responde ao apelo do Verbo. Ainda assim corre-se o risco de explicar o dogma recorrendo unicamente à inteligibilidade abstrata, se nem sequer o sentido alegórico nasce da res significada pelo sentido literal e já acolhida mediante a oração e a anagogia.

As diversas estruturas dos quatro sentidos da Escritura revelam várias orientações possíveis da investigação intelectual ou do sentido da razão. Os tempos modernos fizeram uma escolha que, eliminando algumas possibilidades, talvez tenham enfraquecido o poder total da razão, tornando-a formal e fazendo esperar a salvação apenas do saber filosófico.

A Idade Média foi ‘média’ no sentido de intermediária? Para sustentar isso, seria necessário que os tempos modernos, pondo o período medieval entre parênteses, pudessem justificar seu vínculo direto com a Antiguidade, o que seria o resultado de uma grave cegueira ou de um profundo sono amnésico.

Esse período tem, de qualquer modo, uma especificidade que o distingue do que o precede e do que vem depois dele. A cultura erudita é, nesse período, em larga medida eclesiástica. Foi desenvolvida primeiramente em uma perspectiva de edificação espiritual. No entanto, seus meios lógicos, por exemplo, tornaram-se pouco a pouco sempre mais autônomos.

A Idade Média não é um período de irracionalidade, mas um tempo durante o qual, com dificuldades e hesitações, a razão europeia procurou seu caminho. O fato de a racionalidade moderna ser de origem teológica não poderá ser negado nem esquecido por seus descendentes, exceto por razões de ordem ideológica que ignorem a realidade dos fatos.

A leitura bíblica veio a desempenhar um novo papel relevante na história da leitura desde a Idade Média, estabelecendo a leitura silenciosa como uma prática comum. Ainda que os textos continuassem sendo conhecidos pelos leigos através da mediação de leitores nos cerimoniais litúrgicos, sermões e proclamações públicas, no interior das igrejas, na vida monástica, a Bíblia e outros textos religiosos eram lidos silenciosamente, murmurados e meditados cuidadosa e repetidamente2.

A leitura e a cópia dos textos sagrados se transformam em exercícios religiosos como a oração ou o jejum, mas o uso da Bíblia nesses séculos de devoção religiosa vai além das práticas de leitura, pelo que os livros em sua materialidade ganham novo status. O livro religioso passa a valer por si, como objeto sagrado, amuleto cuja posse é desejável mesmo entre aqueles que não a podiam ler por inaptidão com o latim ou com a escrita em si. Essa estima em relação à própria materialidade dos textos bíblicos é um fenômeno que ainda testemunhamos no mundo contemporâneo, e que possui grande relevância como forma de mediação religiosa da leitura.

Quero dizer que, desde o momento que um leitor toma uma Bíblia em suas mãos, a presença de instituições religiosas se faz notar e busca condicionar a leitura. Voltaremos a essa questão outras vezes, mas pensemos provisoriamente no impacto que capas de couro com belas letras douradas, que anunciam a sacralidade do texto, e a legitimação dada pelo nome de alguma autoridade desempenham previamente sobre um leitor iniciante

1 www.apologeticacatolica.com.br/agnusdei/livr94.htm

2 http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br/2013/03/historia-da-leitura-biblia-idade-media.html

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica