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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 27/04/2024

27 de Abril de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (7): Interpretação e tradução da Bíblia

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A Palavra de Deus na Bíblia (7): Interpretação e tradução da Bíblia

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31/07/2015 18:30 - Atualizado em 31/07/2015 18:30

A Palavra de Deus na Bíblia (7): Interpretação e tradução da Bíblia 0

31/07/2015 18:30 - Atualizado em 31/07/2015 18:30

4. A controvérsia de Marcião

Marcião apresenta a solução para a problemática dos escritos judaicos e a fé cristã a partir da eliminação dos textos das antigas Escrituras do uso cristão. Através da exegese literal dos textos ‘vétero-testamentários’, ele demonstrava sua inadequação aos novos princípios do cristianismo nascente.

Sua crítica é relevante, sobretudo porque parece pautar-se na exegese bíblica neotestamentária de Paulo.

Marcião (c. AD 140), com toda a devoção unilateral a Paulo como o único discípulo fiel de Jesus, demonstrou algum apreço pelo método interpretativo na abordagem das Epístolas de Paulo. Mas ele tinha uma compreensão firme da primazia da exegese literal. De fato, foi isso que o fez jogar fora tão resolutamente o Antigo Testamento como algo irrelevante ao Evangelho (Metzger, 1992, p. 98).

No entanto, com argúcia, o mártir Justino1.Ele refutou a noção de que a revelação cristã pudesse ser confrontada com outras manifestações de Deus, que podem ser encontradas também entre filósofos gregos e não só no AT.

Marcião (140 d. C), um dos primeiros apologetas, foi quem tornou possível aos cristãos continuarem usando o AT. Justino desenvolveu argumentos para justificar isso, embora o veio para consegui-lo supusesse a interpretação tipológica, que não deixava de oferecer um pouco de violência ao AT (Metzger, 1992, p. 98)2.

5. A Leitura dos Gnósticos

Outra fonte de tensão entre os dois ‘testamentos’ surgiu por causa da hermenêutica dos gnósticos3:

S. m., sistema filosófico e teológico cujos sectários pretendiam ter um conhecimento completo e transcendente da natureza e dos atributos de Deus. Gnosticismo designa o movimento histórico e religioso cristão que floresceu durante os séculos 2 e 3, cujas bases filosóficas eram as da antiga Gnose (palavra grega que significa conhecimento), com influências do neoplatonismo e dos pitagóricos. Este movimento revindicava a posse de conhecimentos secretos (a “gnose apócrifa”, em grego) que, segundo eles, os tornava diferentes dos cristãos alheios a este conhecimento. Originou-se provavelmente na Ásia menor, e tem como base as filosofias pagãs, que floresciam na Babilônia, Egito, Síria e Grécia. O gnosticismo combinava alguns elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas, como os mistérios de Elêusis, com as doutrinas do Cristianismo. Em seu sentido mais abrangente, o gnosticismo significa “a crença na salvação pelo conhecimento” (Joan O’Grady)4.

Através dos quais temos inclusive testemunhos literários anteriores à conclusão do Cânon neotestamentário, sobretudo através do nome de Valentino5, que explorando o quarto Evangelho com sua particular hermenêutica, rechaçava o uso cristão do AT.

Diante disso, a Igreja cristã desenvolveu uma teoria das relações entre AT e NT, e encontramos em Irineu de Lion aquele que:

Estabelece já o princípio da ‘exegese na Igreja’, que encontrará grande desenvolvimento em oposição à que se pode denominar ‘exegese da cátedra’. A exegese há de concordar com a compreensão que a tradição da Igreja tem da Escritura (regula fidei). A interpretação não pode basear-se unicamente em critérios racionais, mas levar em conta a doutrina e a autoridade da Tradição, transmitida pela Igreja desde os tempos apostólicos (Trebolle, 1993, p. 620).

Uma vez obtida a unidade dos Testamentos num mesmo Cânon, restavam duas linhas de interpretação do AT: A alegórica e a literal.

6. As escolas de Alexandria e Antioquia

Com Clemente e Orígenes pode-se falar da fundamentação da hermenêutica baseada no método alegórico.

Trata-se de um dos métodos de interpretação mais antigos. Fortemente influenciado pelo platonismo e pelo alegorismo judaico, os defensores desse método de interpretação atribuíam diversos sentidos ao texto das Escrituras, enfatizando o sentido chamado de alegórico. Clemente de Alexandria (215) e Orígenes (254) são os dois principais nomes da escola alegórica de Alexandria, no Egito. Clemente identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: 1) histórico, 2) doutrinário, 3) profético, 4) filosófico e 5) místico. Orígenes distinguia três níveis de sentidos: 1) o literal, ao nível do corpo, 2) o moral, ao nível da alma, e 3) o alegórico, ao nível do espírito. A hermenêutica alegórica prevaleceu durante toda a Idade Média, especialmente em sua forma quádrupla. Sua origem é provavelmente o sistema hermenêutico de Agostinho. Segundo este método, as passagens das Escrituras teriam quatro sentidos: um sentido literal, e três sentidos espirituais: moral, alegórico e anagógico6.

Referências:

1Trebolle, A Hermenêutica Cristã, p. 628.

2B. M. Metzger, Influences Bearing on the Development of the Canon. In: ___________. The Canon of the New Testament. 2a ed. Oxford: Clarendon, 1992, p. 75-112, espec. Marcion, p. 90-98.

3DOS SANTOS, P. P. A. O Contexto Religioso do Cristianismo Antigo e Gnosticismo: Identidade e âmbito da Mentalidade Helênica na Literatura Judaico-cristã tardo antiga. Um estudo sobre a obra de Hans-Josef Klaus (2000). Revista Jesus Histórico, v. 1, p. 1-9, 2010.

4http://www.dicionarioinformal.com.br/gnosticismo/ Acesso 19/06/2015.

5DOS SANTOS, P.P A. Jo 14, 15-17: As Promessas do Espírito da Verdade. Exegese e Hermenêutica na Tradição Teológica do Quarto Evangelho. Um exercício teológico-literário, DOS SANTOS, P. P. (ed.). Mundo. Cultura e Pessoa Humana. Communio 22/2-3 (2005), Rio de Janeiro, p. 519-551

6http://doutorhermeneutica.blogspot.com.br/2011/03/principais-correntes-de-interpretacao.html Acesso 19/06/2015

 

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A Palavra de Deus na Bíblia (7): Interpretação e tradução da Bíblia

31/07/2015 18:30 - Atualizado em 31/07/2015 18:30

4. A controvérsia de Marcião

Marcião apresenta a solução para a problemática dos escritos judaicos e a fé cristã a partir da eliminação dos textos das antigas Escrituras do uso cristão. Através da exegese literal dos textos ‘vétero-testamentários’, ele demonstrava sua inadequação aos novos princípios do cristianismo nascente.

Sua crítica é relevante, sobretudo porque parece pautar-se na exegese bíblica neotestamentária de Paulo.

Marcião (c. AD 140), com toda a devoção unilateral a Paulo como o único discípulo fiel de Jesus, demonstrou algum apreço pelo método interpretativo na abordagem das Epístolas de Paulo. Mas ele tinha uma compreensão firme da primazia da exegese literal. De fato, foi isso que o fez jogar fora tão resolutamente o Antigo Testamento como algo irrelevante ao Evangelho (Metzger, 1992, p. 98).

No entanto, com argúcia, o mártir Justino1.Ele refutou a noção de que a revelação cristã pudesse ser confrontada com outras manifestações de Deus, que podem ser encontradas também entre filósofos gregos e não só no AT.

Marcião (140 d. C), um dos primeiros apologetas, foi quem tornou possível aos cristãos continuarem usando o AT. Justino desenvolveu argumentos para justificar isso, embora o veio para consegui-lo supusesse a interpretação tipológica, que não deixava de oferecer um pouco de violência ao AT (Metzger, 1992, p. 98)2.

5. A Leitura dos Gnósticos

Outra fonte de tensão entre os dois ‘testamentos’ surgiu por causa da hermenêutica dos gnósticos3:

S. m., sistema filosófico e teológico cujos sectários pretendiam ter um conhecimento completo e transcendente da natureza e dos atributos de Deus. Gnosticismo designa o movimento histórico e religioso cristão que floresceu durante os séculos 2 e 3, cujas bases filosóficas eram as da antiga Gnose (palavra grega que significa conhecimento), com influências do neoplatonismo e dos pitagóricos. Este movimento revindicava a posse de conhecimentos secretos (a “gnose apócrifa”, em grego) que, segundo eles, os tornava diferentes dos cristãos alheios a este conhecimento. Originou-se provavelmente na Ásia menor, e tem como base as filosofias pagãs, que floresciam na Babilônia, Egito, Síria e Grécia. O gnosticismo combinava alguns elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas, como os mistérios de Elêusis, com as doutrinas do Cristianismo. Em seu sentido mais abrangente, o gnosticismo significa “a crença na salvação pelo conhecimento” (Joan O’Grady)4.

Através dos quais temos inclusive testemunhos literários anteriores à conclusão do Cânon neotestamentário, sobretudo através do nome de Valentino5, que explorando o quarto Evangelho com sua particular hermenêutica, rechaçava o uso cristão do AT.

Diante disso, a Igreja cristã desenvolveu uma teoria das relações entre AT e NT, e encontramos em Irineu de Lion aquele que:

Estabelece já o princípio da ‘exegese na Igreja’, que encontrará grande desenvolvimento em oposição à que se pode denominar ‘exegese da cátedra’. A exegese há de concordar com a compreensão que a tradição da Igreja tem da Escritura (regula fidei). A interpretação não pode basear-se unicamente em critérios racionais, mas levar em conta a doutrina e a autoridade da Tradição, transmitida pela Igreja desde os tempos apostólicos (Trebolle, 1993, p. 620).

Uma vez obtida a unidade dos Testamentos num mesmo Cânon, restavam duas linhas de interpretação do AT: A alegórica e a literal.

6. As escolas de Alexandria e Antioquia

Com Clemente e Orígenes pode-se falar da fundamentação da hermenêutica baseada no método alegórico.

Trata-se de um dos métodos de interpretação mais antigos. Fortemente influenciado pelo platonismo e pelo alegorismo judaico, os defensores desse método de interpretação atribuíam diversos sentidos ao texto das Escrituras, enfatizando o sentido chamado de alegórico. Clemente de Alexandria (215) e Orígenes (254) são os dois principais nomes da escola alegórica de Alexandria, no Egito. Clemente identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: 1) histórico, 2) doutrinário, 3) profético, 4) filosófico e 5) místico. Orígenes distinguia três níveis de sentidos: 1) o literal, ao nível do corpo, 2) o moral, ao nível da alma, e 3) o alegórico, ao nível do espírito. A hermenêutica alegórica prevaleceu durante toda a Idade Média, especialmente em sua forma quádrupla. Sua origem é provavelmente o sistema hermenêutico de Agostinho. Segundo este método, as passagens das Escrituras teriam quatro sentidos: um sentido literal, e três sentidos espirituais: moral, alegórico e anagógico6.

Referências:

1Trebolle, A Hermenêutica Cristã, p. 628.

2B. M. Metzger, Influences Bearing on the Development of the Canon. In: ___________. The Canon of the New Testament. 2a ed. Oxford: Clarendon, 1992, p. 75-112, espec. Marcion, p. 90-98.

3DOS SANTOS, P. P. A. O Contexto Religioso do Cristianismo Antigo e Gnosticismo: Identidade e âmbito da Mentalidade Helênica na Literatura Judaico-cristã tardo antiga. Um estudo sobre a obra de Hans-Josef Klaus (2000). Revista Jesus Histórico, v. 1, p. 1-9, 2010.

4http://www.dicionarioinformal.com.br/gnosticismo/ Acesso 19/06/2015.

5DOS SANTOS, P.P A. Jo 14, 15-17: As Promessas do Espírito da Verdade. Exegese e Hermenêutica na Tradição Teológica do Quarto Evangelho. Um exercício teológico-literário, DOS SANTOS, P. P. (ed.). Mundo. Cultura e Pessoa Humana. Communio 22/2-3 (2005), Rio de Janeiro, p. 519-551

6http://doutorhermeneutica.blogspot.com.br/2011/03/principais-correntes-de-interpretacao.html Acesso 19/06/2015

 

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica