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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 14/05/2024

14 de Maio de 2024

Livros do Antigo Testamento (98)

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Livros do Antigo Testamento (98)

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22/03/2019 11:32 - Atualizado em 22/03/2019 11:33

Livros do Antigo Testamento (98) 0

22/03/2019 11:32 - Atualizado em 22/03/2019 11:33

Neste artigo prosseguimos nos estudos sobre os Livros Sapienciais, isto é, a coleção bíblica de sete livros dedicados à poesia e à arte da sabedoria e do conhecimento resultantes da Revelação Divina e das consequências de sua recepção obediente na vida concreta. Aqui, teremos uma visão do Livro do Eclesiastes ou Qohélet.

TÍTULO

O livro começa com a expressão “Palavras de Qohélet, filho de David, rei de Jerusalém”, geralmente considerada como título da obra.

No contexto da literatura sapiencial do Médio Oriente, encontram-se obras semelhantes a este livro, tanto no Egito (o “Diálogo do Desesperado com a sua Alma” e os “Cantos do Harpista”)1 como na Mesopotâmia (especialmente o diálogo acróstico chamado “Teodiceia Babilônica”).

Etimologicamente, ‘Qohélet’, parece ter conexão com o termo ‘Qahal’, isto é, ‘assembleia’. ‘Qohélet’ designa um substantivo comum, aparecendo, por vezes, acompanhado de artigo. É alguém que tem a função de pregador ou de presidente da assembleia cultual. O texto grego traduziu o termo hebraico ‘Qohélet’ por ‘Eclesiastes’, que se transferiu para o latim e, depois, para as outras línguas.

Daí o título do livro aparecer como ‘Eclesiastes’, por influência grega e latina, ou como ‘Qohélet’, que é a tendência das traduções modernas, transliterando o hebraico.

Qohélet é identificado em 1,1 com o filho de David, rei de Jerusalém:

Palavras do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém

Tal filho de David só poderia ser Salomão. Porém, um estudo aprofundado, tanto no plano da linguagem como no plano da doutrina, situa o livro num período posterior ao regresso do exílio e anterior à época dos Macabeus. O que isto significa? Que a evocação de Salomão, o Rei Sábio, séculos após o seu desaparecimento, tem como intuito revestir a obra da esfera sapiencial e crível do antigo rei.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Devido a variados fluxos e refluxos, o Eclesiastes apresenta um caráter compósito que torna difícil a sua compreensão. Mas nem por isso pode pôr-se em causa a unidade da sua autoria. Podemos dividir assim o livro:

Prólogo (1,2-11): fala do retorno cíclico das coisas.

1,12-2,26: O autor faz a sua autocrítica, constatando a inutilidade dos esforços do homem para se libertar da condição humana. A conclusão a que chega é: ‘também isto é ilusão’ (2,26), princípio, aliás, solenemente afirmado logo em 1,2 e que dá o tom de fundo ao livro.

3,1-6,12: demonstra o aspecto negativo e os limites de toda a realidade humana, ao mesmo tempo em que toma consciência de que tudo é dom de Deus.

7,1-12,7: apresenta algumas reflexões sobre a sabedoria e a sua relação com a justiça, a mulher, o exercício do poder, o problema da justiça imanente e as anomalias que existem no mundo.

TEOLOGIA

Em forma tipicamente sapiencial de reflexão, de confissão, de máximas e de considerações várias de cariz autobiográfico, o autor chama a atenção para a finalidade da existência humana. Este não é pessimista, nem otimista, nem oportunista; mas sim realista, lúcido, inconformista e franco, atento ao próprio ritmo da vida e consciente da radical insuficiência do homem, face à realidade da morte, para resolver o mistério da existência.

Refletindo sobre a própria experiência, o autor não orienta o seu pensamento segundo um plano bem definido; vai seguindo a mesma dinâmica da vida, marcada por antinomias, paradoxos, enigmas, dramas, repetições, correções, mistérios e por clareiras de felicidade.

E chega à célebre conclusão de que tudo é ilusão, isto é, inconsistente e incompreensível à razão humana. Esta expressão aparece no princípio e no fim do livro (1,2 e 12,8), formando uma inclusão literária, sinal da importância que o autor lhe quer conferir:

Fugacidade das fugacidades!, diz o Eclesiastes. Fugacidade das fugacidades! Tudo é fugaz! (1, 2)

Fugacidade das fugacidades, diz o Eclesiastes, tudo é fugaz (12,8).

O livro é uma obra desconcertante, ao questionar valores que, na perspectiva da sabedoria tradicional, gozavam de um estatuto especial. O próprio autor procura identificar-se com Salomão (1,1), que tivera tudo o que um hebreu podia idealizar para uma vida feliz: sabedoria, poder, glória, riqueza, amor, fama e prestígio. Tal identificação realça melhor a ilusão de tudo o que existe sobre a Terra.

A morte é apresentada como o absurdo de toda a existência, atingindo a todos igualmente, ricos e pobres, sábios e insensatos, homens e animais (3,19-22).

Seguindo o exemplo de Job, Eclesiastes também apresenta o problema da retribuição do bem e do mal, contradizendo as posições tradicionais (8,9-15). O mistério do além o atormenta, mas ele não vislumbra nenhuma saída (3,21; 9,10; 12,7).

A realidade encontra-se cheia de coisas incompreensíveis: a natureza não faz mais do que repetir-se ciclicamente; a História não traz nada de novo porque, na verdade, cada geração apenas repete o que outras precedentes fizeram; a incongruência e o acaso dominam a vida; falta uma lei de retribuição inequívoca, de modo a convencer o homem acerca do valor do seu comportamento moral.

No entanto, Eclesiastes é um homem de fé. Perante situações absolutamente incompreensíveis para a razão humana, acaba reconhecendo que a Deus não se pode pedir contas (7,13); que o homem deve aceitar na vida tanto as provações como as alegrias (7,14); e que é preciso observar os mandamentos e temer a Deus.

Diante da incompreensibilidade da vida e o absurdo da morte, o homem, por um dom especial que Deus colocou no seu coração, acaba por intuir uma certa visão de conjunto da realidade (3,11.14), percebendo que deve existir um sentido global das coisas (8,17).

Para Eclesiastes, a sabedoria vale mais do que a insensatez, mas apenas na ordem prática, para um melhor adestramento nas tarefas da vida cotidiana; por vezes, a riqueza faz viver melhor do que a pobreza.

Neste caso, deve-se viver intensamente as alegrias que a vida possa oferecer. Estas são dom de Deus, no verdadeiro sentido da palavra (3,13; 5,17; 8,15; 9,9).

Tudo isso depende unicamente de uma intervenção imperscrutável de Deus na vida da Humanidade, sem que esta possa fazer algo para merecê-lo. Por isso, cada homem e cada mulher devem viver no temor de Deus, conscientes de estarem totalmente em suas mãos.

O temor de Deus parece ser a atitude religiosa fundamental de Eclesiastes que, não rejeitando a prática religiosa hebraica (4,17-5,6), não a considera uma garantia para a prosperidade e a felicidade humanas.

Na linha do livro de Job, Eclesiastes põe em causa as certezas da sabedoria tradicional, mas ainda não tem soluções para substituí-las. É uma obra de transição, situando-se na encruzilhada do pensamento hebraico; e cria expectativa para uma nova luz que, sendo dom de Deus, ilumina todo o homem que vem a este mundo (Jo 1,9). Representa ainda uma etapa do progresso religioso que, superando as concepções antigas, prepara os espíritos para uma revelação mais perfeita.

 

1 Disputa entre um Homem e sua Alma, também conhecido como Debate entre um Homem e sua Alma ou Diálogo entre um homem e seu Ba, é um texto egípcio antigo que data do Império Médio sobre um homem profundamente infeliz com sua vida. Faz parte da chamada literatura da sabedoria e toma a forma de um diálogo entre um homem e sua ba. O início do texto está faltando, há uma série de lacunas, e a tradução do restante é difícil. A única cópia a sobreviver, composta de 155 colunas de escrita hierática, está no recto do Papyrus Berlin 3024. Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Disputa_entre_um_Homem_e_sua_Alma

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22/03/2019 11:32 - Atualizado em 22/03/2019 11:33

Neste artigo prosseguimos nos estudos sobre os Livros Sapienciais, isto é, a coleção bíblica de sete livros dedicados à poesia e à arte da sabedoria e do conhecimento resultantes da Revelação Divina e das consequências de sua recepção obediente na vida concreta. Aqui, teremos uma visão do Livro do Eclesiastes ou Qohélet.

TÍTULO

O livro começa com a expressão “Palavras de Qohélet, filho de David, rei de Jerusalém”, geralmente considerada como título da obra.

No contexto da literatura sapiencial do Médio Oriente, encontram-se obras semelhantes a este livro, tanto no Egito (o “Diálogo do Desesperado com a sua Alma” e os “Cantos do Harpista”)1 como na Mesopotâmia (especialmente o diálogo acróstico chamado “Teodiceia Babilônica”).

Etimologicamente, ‘Qohélet’, parece ter conexão com o termo ‘Qahal’, isto é, ‘assembleia’. ‘Qohélet’ designa um substantivo comum, aparecendo, por vezes, acompanhado de artigo. É alguém que tem a função de pregador ou de presidente da assembleia cultual. O texto grego traduziu o termo hebraico ‘Qohélet’ por ‘Eclesiastes’, que se transferiu para o latim e, depois, para as outras línguas.

Daí o título do livro aparecer como ‘Eclesiastes’, por influência grega e latina, ou como ‘Qohélet’, que é a tendência das traduções modernas, transliterando o hebraico.

Qohélet é identificado em 1,1 com o filho de David, rei de Jerusalém:

Palavras do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém

Tal filho de David só poderia ser Salomão. Porém, um estudo aprofundado, tanto no plano da linguagem como no plano da doutrina, situa o livro num período posterior ao regresso do exílio e anterior à época dos Macabeus. O que isto significa? Que a evocação de Salomão, o Rei Sábio, séculos após o seu desaparecimento, tem como intuito revestir a obra da esfera sapiencial e crível do antigo rei.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Devido a variados fluxos e refluxos, o Eclesiastes apresenta um caráter compósito que torna difícil a sua compreensão. Mas nem por isso pode pôr-se em causa a unidade da sua autoria. Podemos dividir assim o livro:

Prólogo (1,2-11): fala do retorno cíclico das coisas.

1,12-2,26: O autor faz a sua autocrítica, constatando a inutilidade dos esforços do homem para se libertar da condição humana. A conclusão a que chega é: ‘também isto é ilusão’ (2,26), princípio, aliás, solenemente afirmado logo em 1,2 e que dá o tom de fundo ao livro.

3,1-6,12: demonstra o aspecto negativo e os limites de toda a realidade humana, ao mesmo tempo em que toma consciência de que tudo é dom de Deus.

7,1-12,7: apresenta algumas reflexões sobre a sabedoria e a sua relação com a justiça, a mulher, o exercício do poder, o problema da justiça imanente e as anomalias que existem no mundo.

TEOLOGIA

Em forma tipicamente sapiencial de reflexão, de confissão, de máximas e de considerações várias de cariz autobiográfico, o autor chama a atenção para a finalidade da existência humana. Este não é pessimista, nem otimista, nem oportunista; mas sim realista, lúcido, inconformista e franco, atento ao próprio ritmo da vida e consciente da radical insuficiência do homem, face à realidade da morte, para resolver o mistério da existência.

Refletindo sobre a própria experiência, o autor não orienta o seu pensamento segundo um plano bem definido; vai seguindo a mesma dinâmica da vida, marcada por antinomias, paradoxos, enigmas, dramas, repetições, correções, mistérios e por clareiras de felicidade.

E chega à célebre conclusão de que tudo é ilusão, isto é, inconsistente e incompreensível à razão humana. Esta expressão aparece no princípio e no fim do livro (1,2 e 12,8), formando uma inclusão literária, sinal da importância que o autor lhe quer conferir:

Fugacidade das fugacidades!, diz o Eclesiastes. Fugacidade das fugacidades! Tudo é fugaz! (1, 2)

Fugacidade das fugacidades, diz o Eclesiastes, tudo é fugaz (12,8).

O livro é uma obra desconcertante, ao questionar valores que, na perspectiva da sabedoria tradicional, gozavam de um estatuto especial. O próprio autor procura identificar-se com Salomão (1,1), que tivera tudo o que um hebreu podia idealizar para uma vida feliz: sabedoria, poder, glória, riqueza, amor, fama e prestígio. Tal identificação realça melhor a ilusão de tudo o que existe sobre a Terra.

A morte é apresentada como o absurdo de toda a existência, atingindo a todos igualmente, ricos e pobres, sábios e insensatos, homens e animais (3,19-22).

Seguindo o exemplo de Job, Eclesiastes também apresenta o problema da retribuição do bem e do mal, contradizendo as posições tradicionais (8,9-15). O mistério do além o atormenta, mas ele não vislumbra nenhuma saída (3,21; 9,10; 12,7).

A realidade encontra-se cheia de coisas incompreensíveis: a natureza não faz mais do que repetir-se ciclicamente; a História não traz nada de novo porque, na verdade, cada geração apenas repete o que outras precedentes fizeram; a incongruência e o acaso dominam a vida; falta uma lei de retribuição inequívoca, de modo a convencer o homem acerca do valor do seu comportamento moral.

No entanto, Eclesiastes é um homem de fé. Perante situações absolutamente incompreensíveis para a razão humana, acaba reconhecendo que a Deus não se pode pedir contas (7,13); que o homem deve aceitar na vida tanto as provações como as alegrias (7,14); e que é preciso observar os mandamentos e temer a Deus.

Diante da incompreensibilidade da vida e o absurdo da morte, o homem, por um dom especial que Deus colocou no seu coração, acaba por intuir uma certa visão de conjunto da realidade (3,11.14), percebendo que deve existir um sentido global das coisas (8,17).

Para Eclesiastes, a sabedoria vale mais do que a insensatez, mas apenas na ordem prática, para um melhor adestramento nas tarefas da vida cotidiana; por vezes, a riqueza faz viver melhor do que a pobreza.

Neste caso, deve-se viver intensamente as alegrias que a vida possa oferecer. Estas são dom de Deus, no verdadeiro sentido da palavra (3,13; 5,17; 8,15; 9,9).

Tudo isso depende unicamente de uma intervenção imperscrutável de Deus na vida da Humanidade, sem que esta possa fazer algo para merecê-lo. Por isso, cada homem e cada mulher devem viver no temor de Deus, conscientes de estarem totalmente em suas mãos.

O temor de Deus parece ser a atitude religiosa fundamental de Eclesiastes que, não rejeitando a prática religiosa hebraica (4,17-5,6), não a considera uma garantia para a prosperidade e a felicidade humanas.

Na linha do livro de Job, Eclesiastes põe em causa as certezas da sabedoria tradicional, mas ainda não tem soluções para substituí-las. É uma obra de transição, situando-se na encruzilhada do pensamento hebraico; e cria expectativa para uma nova luz que, sendo dom de Deus, ilumina todo o homem que vem a este mundo (Jo 1,9). Representa ainda uma etapa do progresso religioso que, superando as concepções antigas, prepara os espíritos para uma revelação mais perfeita.

 

1 Disputa entre um Homem e sua Alma, também conhecido como Debate entre um Homem e sua Alma ou Diálogo entre um homem e seu Ba, é um texto egípcio antigo que data do Império Médio sobre um homem profundamente infeliz com sua vida. Faz parte da chamada literatura da sabedoria e toma a forma de um diálogo entre um homem e sua ba. O início do texto está faltando, há uma série de lacunas, e a tradução do restante é difícil. A única cópia a sobreviver, composta de 155 colunas de escrita hierática, está no recto do Papyrus Berlin 3024. Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Disputa_entre_um_Homem_e_sua_Alma

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica