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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 14/05/2024

14 de Maio de 2024

Livros do Antigo Testamento (17)

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Livros do Antigo Testamento (17)

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25/08/2017 10:58 - Atualizado em 25/08/2017 10:58

Livros do Antigo Testamento (17) 0

25/08/2017 10:58 - Atualizado em 25/08/2017 10:58

Iniciamos a segunda parte do livro do Gênesis. Aquela dedicada à outra criação, a do povo eleito. Se na primeira parte estávamos nas origens da Humanidade, criada pelo Dom Divino, e desfigurada pelo pecado, agora, com Abraão Deus põe em ação a recriação do mundo, pela história da obediência em Israel.

‘E apareceu o Senhor a Abrão, e disse: À tua descendência darei esta terra. E edificou ali um altar ao Senhor, que lhe aparecera’ (Gênesis 12,7).

Historiografia da fidelidade divina: Berith1

Como lemos no Capítulo 12, 3: ‘E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra’. Este princípio da fidelidade divina à Aliança estabelecida com Abraão e sua descendência mostra-se como ‘esquema literário’ de toda a legenda biográfica de Abraão.

Tudo o que lemos das relações entre Abraão e sua família com os outros personagens, seja do Egito, como de Canaã, terão graça ou desgraça de acordo com seu relacionamento com o eleito de Deus através de Abraão.

1) O faraó e Sara (Gn 12, 10-20):

Abraão e Sara, por causa da fome na terra de Canaã, se dirigem para o Egito. A beleza de Sara é vista como um elemento de perigo à incolumidade de Abraão, e ele a adverte a mentir sobre seu estado civil; ela se apresentará como irmã dele.

Neste caso, percebe-se como a estória abraâmica não é apresentada à maneira de um ‘mito’. Mentiras, costumes antigos, atos estranhos, como veremos ainda no caso de Agar, são elementos do realismo bíblico da narrativa dos patriarcas. O objetivo principal é fixar-nos na centralidade da bondade divina, que apesar da humanidade e de suas mazelas desenvolve o Plano de Salvação.

Mas, no fundo, o que interessa é o reconhecimento da parte do Faraó acerca da ‘verdadeira’ identidade de Abraão, pois pragas ferirão o Faraó por causa daquele engano, enquanto Abraão enriquecera: ‘Feriu, porém, o Senhor a Faraó e a sua casa, com grandes pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão’ (Gênesis 12,17). E o Faraó a entrega de novo a Abraão e os fazem partir com gado, prata e ouro.

Uma ética distante daquela cristã. Mas o objetivo era demonstrar como os costumes antigos deverão ser purificados paulatinamente ao longo da história do povo de Deus.

2) Atritos familiares (Gn 13):

A riqueza, outro sinal da fidelidade de Deus aparece na vida Abraão como causa de litígio com seu sobrinho, Lot. Entre os servos destes dois senhores há desentendimento e lutas, que se aprofundavam. Aqui, outra característica de ‘novos tempos’ em relação ao passado: Abraão resolve tudo com civilidade e amor à família: ‘E disse Abrão a Ló: Ora, não haja contenda entre mim e ti, e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos’ (Gn 13,8). E eles se separam dentro do vasto território. Tudo oposto ao quadro que vimos entre Caim e Abel.

Mas Deus aproveita a atitude centrada do patriarca para reafirmar a aliança e a terra prometida, fio da meada da grande história de Israel, como se verá no Êxodo:

‘E disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se apartou dele: Levanta agora os teus olhos, e olha desde o lugar onde estás, para o lado do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendência, para sempre. E farei a tua descendência como o pó da terra; de maneira que se alguém puder contar o pó da terra, também a tua descendência será contada. Levanta-te, percorre essa terra, no seu comprimento e na sua largura; porque a ti a darei’ (Gênesis 13,14-17).

Na verdade, todo o processo da história abraâmica expressa uma linearidade de acordo com um Plano preestabelecido por Deus: História da Salvação a ser colmada com a Encarnação do Verbo.

Melquisedeque: Sacerdote e Rei de Salém (Gn 14)

Neste episódio Abraão se envolve numa guerra, como chefe de um clã. Trata-se de um conflito de fim de vassalagem2 entre pequenos reis. Mas a necessidade da participação de Abraão neste conflito entre reis estrangeiros foi a captura de Lot que habitava nas terras de Sodoma e Gomorra, cidade pecadora, já advertira o narrador, no capítulo anterior (Gn 13,13: ‘Ora, eram maus os homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor’).

Abraão se envolve vitoriosamente. E então surge a figura misteriosa deste Rei-Sacerdote: ‘E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo’ (Gênesis 14,18). Suas palavras de ‘bênção’ surgem a partir do leitmotiv, já dado na bênção de Abraão:

‘E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos’ (Gênesis 14, 19s).

Trata-se do reconhecimento do ‘Deus Altíssimo’, fator e causa de vitória de Abraão, reconhecidamente, aos olhos dos pagãos.

Referências:

1Berit, ou Aliança é em suma um pacto divino entre Deus com os homens, e um pacto só pode ser feito de maneira pessoal, isto é, entre duas partes, por mais desiguais que sejam estas partes, uma finita e a outra infinita, uma imanente e outra Transcendente, ambas assumem seus compromissos no pacto, Deus então se mostra como um Deus que cumpre suas promessas, no antigo testamento, em muitos momentos, como se verá adiante, Deus faz aliança com seu povo, e o caráter decisivo destas alianças está ligado à fé, vejamos o que promete Deus aos homens por meio do livro profético de Jeremias. Deus diz a Israel: “Escutai a minha voz, e eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo”. (Jer 7, 23): cf. http://leandronazareth.blogspot.com.br/2011/05/sobre-o-conceito-de-alianca-berit-no.html

2Vassalo é aquele que oferece ao senhor ou suserano fidelidade e trabalho em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem estendiam-se para várias regiões, sendo o rei o suserano mais poderoso. Dessa maneira, afirmam-se as relações de dependência pessoal, de vassalagem, garantindo aos senhores aumentarem continuamente sua força militar, através do apoio armado que recebiam de seus vassalos (nobres hierarquicamente inferiores). Estes, em troca de fidelidade e lealdade a seu senhor, recebiam benefícios, como o feudo. A cerimônia da homenagem, através da qual o vassalo colocava suas mãos entre as do senhor, sacramentava, solenemente, os laços de dependência pessoal. Ao longo da Alta Idade Média, esse quadro político se consolida, afirmando-se o poder local, monopolizado pelo senhor feudal. Vale lembrar que a relação de suserania e vassalagem é exclusiva da classe nobre, ficando esta a cargo da força militar. Abaixo existiam os servos, os quais os vassalos (senhores feudais subenfeudados) tinham direito de alta e baixa justiça, aqueles lavravam a terra para o senhor feudal e não tinham participação na força bélica devido ao forte temor de sublevação. Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Vassalagem

 

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Livros do Antigo Testamento (17)

25/08/2017 10:58 - Atualizado em 25/08/2017 10:58

Iniciamos a segunda parte do livro do Gênesis. Aquela dedicada à outra criação, a do povo eleito. Se na primeira parte estávamos nas origens da Humanidade, criada pelo Dom Divino, e desfigurada pelo pecado, agora, com Abraão Deus põe em ação a recriação do mundo, pela história da obediência em Israel.

‘E apareceu o Senhor a Abrão, e disse: À tua descendência darei esta terra. E edificou ali um altar ao Senhor, que lhe aparecera’ (Gênesis 12,7).

Historiografia da fidelidade divina: Berith1

Como lemos no Capítulo 12, 3: ‘E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra’. Este princípio da fidelidade divina à Aliança estabelecida com Abraão e sua descendência mostra-se como ‘esquema literário’ de toda a legenda biográfica de Abraão.

Tudo o que lemos das relações entre Abraão e sua família com os outros personagens, seja do Egito, como de Canaã, terão graça ou desgraça de acordo com seu relacionamento com o eleito de Deus através de Abraão.

1) O faraó e Sara (Gn 12, 10-20):

Abraão e Sara, por causa da fome na terra de Canaã, se dirigem para o Egito. A beleza de Sara é vista como um elemento de perigo à incolumidade de Abraão, e ele a adverte a mentir sobre seu estado civil; ela se apresentará como irmã dele.

Neste caso, percebe-se como a estória abraâmica não é apresentada à maneira de um ‘mito’. Mentiras, costumes antigos, atos estranhos, como veremos ainda no caso de Agar, são elementos do realismo bíblico da narrativa dos patriarcas. O objetivo principal é fixar-nos na centralidade da bondade divina, que apesar da humanidade e de suas mazelas desenvolve o Plano de Salvação.

Mas, no fundo, o que interessa é o reconhecimento da parte do Faraó acerca da ‘verdadeira’ identidade de Abraão, pois pragas ferirão o Faraó por causa daquele engano, enquanto Abraão enriquecera: ‘Feriu, porém, o Senhor a Faraó e a sua casa, com grandes pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão’ (Gênesis 12,17). E o Faraó a entrega de novo a Abraão e os fazem partir com gado, prata e ouro.

Uma ética distante daquela cristã. Mas o objetivo era demonstrar como os costumes antigos deverão ser purificados paulatinamente ao longo da história do povo de Deus.

2) Atritos familiares (Gn 13):

A riqueza, outro sinal da fidelidade de Deus aparece na vida Abraão como causa de litígio com seu sobrinho, Lot. Entre os servos destes dois senhores há desentendimento e lutas, que se aprofundavam. Aqui, outra característica de ‘novos tempos’ em relação ao passado: Abraão resolve tudo com civilidade e amor à família: ‘E disse Abrão a Ló: Ora, não haja contenda entre mim e ti, e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos’ (Gn 13,8). E eles se separam dentro do vasto território. Tudo oposto ao quadro que vimos entre Caim e Abel.

Mas Deus aproveita a atitude centrada do patriarca para reafirmar a aliança e a terra prometida, fio da meada da grande história de Israel, como se verá no Êxodo:

‘E disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se apartou dele: Levanta agora os teus olhos, e olha desde o lugar onde estás, para o lado do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendência, para sempre. E farei a tua descendência como o pó da terra; de maneira que se alguém puder contar o pó da terra, também a tua descendência será contada. Levanta-te, percorre essa terra, no seu comprimento e na sua largura; porque a ti a darei’ (Gênesis 13,14-17).

Na verdade, todo o processo da história abraâmica expressa uma linearidade de acordo com um Plano preestabelecido por Deus: História da Salvação a ser colmada com a Encarnação do Verbo.

Melquisedeque: Sacerdote e Rei de Salém (Gn 14)

Neste episódio Abraão se envolve numa guerra, como chefe de um clã. Trata-se de um conflito de fim de vassalagem2 entre pequenos reis. Mas a necessidade da participação de Abraão neste conflito entre reis estrangeiros foi a captura de Lot que habitava nas terras de Sodoma e Gomorra, cidade pecadora, já advertira o narrador, no capítulo anterior (Gn 13,13: ‘Ora, eram maus os homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor’).

Abraão se envolve vitoriosamente. E então surge a figura misteriosa deste Rei-Sacerdote: ‘E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo’ (Gênesis 14,18). Suas palavras de ‘bênção’ surgem a partir do leitmotiv, já dado na bênção de Abraão:

‘E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos’ (Gênesis 14, 19s).

Trata-se do reconhecimento do ‘Deus Altíssimo’, fator e causa de vitória de Abraão, reconhecidamente, aos olhos dos pagãos.

Referências:

1Berit, ou Aliança é em suma um pacto divino entre Deus com os homens, e um pacto só pode ser feito de maneira pessoal, isto é, entre duas partes, por mais desiguais que sejam estas partes, uma finita e a outra infinita, uma imanente e outra Transcendente, ambas assumem seus compromissos no pacto, Deus então se mostra como um Deus que cumpre suas promessas, no antigo testamento, em muitos momentos, como se verá adiante, Deus faz aliança com seu povo, e o caráter decisivo destas alianças está ligado à fé, vejamos o que promete Deus aos homens por meio do livro profético de Jeremias. Deus diz a Israel: “Escutai a minha voz, e eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo”. (Jer 7, 23): cf. http://leandronazareth.blogspot.com.br/2011/05/sobre-o-conceito-de-alianca-berit-no.html

2Vassalo é aquele que oferece ao senhor ou suserano fidelidade e trabalho em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem estendiam-se para várias regiões, sendo o rei o suserano mais poderoso. Dessa maneira, afirmam-se as relações de dependência pessoal, de vassalagem, garantindo aos senhores aumentarem continuamente sua força militar, através do apoio armado que recebiam de seus vassalos (nobres hierarquicamente inferiores). Estes, em troca de fidelidade e lealdade a seu senhor, recebiam benefícios, como o feudo. A cerimônia da homenagem, através da qual o vassalo colocava suas mãos entre as do senhor, sacramentava, solenemente, os laços de dependência pessoal. Ao longo da Alta Idade Média, esse quadro político se consolida, afirmando-se o poder local, monopolizado pelo senhor feudal. Vale lembrar que a relação de suserania e vassalagem é exclusiva da classe nobre, ficando esta a cargo da força militar. Abaixo existiam os servos, os quais os vassalos (senhores feudais subenfeudados) tinham direito de alta e baixa justiça, aqueles lavravam a terra para o senhor feudal e não tinham participação na força bélica devido ao forte temor de sublevação. Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Vassalagem

 

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica