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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 13/05/2024

13 de Maio de 2024

Livros do Antigo Testamento (6)

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Livros do Antigo Testamento (6)

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09/06/2017 00:00 - Atualizado em 07/07/2017 15:47

Livros do Antigo Testamento (6) 0

09/06/2017 00:00 - Atualizado em 07/07/2017 15:47

No artigo anterior começamos a tratar dos aspectos e da estrutura geral do Livro do Gênesis. Pudemos ver que se trata do livro das Origens. De Israel, na sua segunda parte (12-50,26) com o ciclo dos patriarcas e da humanidade, na sua primeira parte (1-11, 32).

Mas na verdade, entre os aspectos de pressupostos da humanidade e aqueles de Israel, na verdade o Gênesis é uma grande narrativa sobre Deus, redentor de Israel e Criador do Mundo.

Eis a estrutura narrativo-literária do Livro do Gênesis:

I. História das Origens (1,1-11,32)

1) 1,1-2,4a: Criação do universo e dos seus habitantes (segundo a tradição Sacerdotal: P).

No primeiro livro da Bíblia hebraica, o Bereshit (Gênesis), encontramos dois relatos da criação do ser humano. O primeiro está em 1, 26-27 (colocado pelos estudiosos como sendo de tradição sacerdotal) e o segundo em 2:7, 18, 21-23 (indicado como tradição javista). Na verdade temos a sequência setenária da criação das coisas e das criaturas (animais e vegetais).

Estes textos colocam o acento na certeza que o mundo não é o locus malis, o mundo material também vem de Deus. Por isso, depois de cada dia criado, lê-se um refrão, em cinco dias de criação temos cinco juízos de valor positivo sobre o Criado: “E Deus viu que isso era bom”! (cf. vv. 10, 12, 18, 21, 25).

O mundo é apresentado como fruto dos ‘lábios’ de Deus, de seu ‘Dabar’1, sua palavra criadora. O Deus de Israel é a Gênesis de tudo!

Enfim, chegamos aos v. 26, com o centro da Criação. Neste versículo ocorre uma afirmação até então inédita, que Deus se deixa traçar em sua própria obra criadora: “Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra”.

Aqui se destaca o misterioso plural (nós) atribuído à criação humana. O cristianismo não hesitou, em posse da plena Revelação em ver aqui o sinal da Trindade abscôndita no AT.

Outro elemento refere-se ao domínio humano sobre toda a Criação, o que indica a centralidade humana na obra de Deus.

Destaca-se ainda, diferente do outro relato, a simultaneidade de gêneros na criação no v. 27: “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”.

Uma clara mensagem sobre a dignidade humana (homem e mulher!). Não há porque falar de machismo e muito menos de feminismo no horizonte do texto.

Em nossos dias, percebe-se que a interpretação imatura da expressão ‘dominem’ o criado não justifica a péssima administração humana diante do meio ambiente. Estamos aprendendo melhor os significados desta tarefa, com a ajuda traumática da própria natureza.

2) 2,4b-3,24: Formação do homem e da mulher. Origem do pecado (tradição Javista: J).

Muito se discute sobre os ditos ‘dois’ relatos da Criação do homem, mas na verdade eles não se opõem, e não importa somente serem considerados oriundos de fontes diversas, como se percebe. Eles têm mensagens diversas sobre o mesmo tema, são variações do mesmo tema, o leitmotiv é a riqueza semântica da Ação Criadora de Deus.

No primeiro caso se afirma simplesmente a simultaneidade do criado, homem e mulher, ambos, imagem e semelhança de Deus, é o que se lê no v. 27. O segundo relato quer referir-se ao primeiro, por diversos motivos.

O segundo relato inicia-se no fim do anterior. O descanso de Deus após a plena obra criadora. A intenção, portanto, é dizer algo a mais, ou insistir sobre outros aspectos, e talvez sublinhar elementos já apresentados antes. Mas o que dizer do texto mais simbólico e expressivo da criação humana no Capítulo 2?

“O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente” (2, 7)

Aqui, não se acentua a semelhança divina no ato da criação humana, como se lê em 1, 26s (“Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, v. 26), mas ressalta-se a fragilidade humana: ‘do barro da terra’, eis a origem do homem, afastando a aventura ‘panteísta’, na qual criaturas e Criador poderiam vir confundidos por uma leitura superficial dos vv. 26s. Ressalta-se assim o aspecto criatural, a condição de fragilidade e de limitação do gênero humano, salvaguardando sua ‘dignidade essencial’ oriunda do ‘sopro’ (ruah)2 divino.

Outro elemento pitoresco é o relato da criação da mulher, que no primeiro relato, no capítulo anterior, aparece sem destaque, simplesmente criou a ambos. Aqui surgem os traços da dignidade feminina: semelhantes a Deus e entre si!

A ‘costela’ de Adão atribui a Eva os mesmos dotes do marido.

Mas, o motivo mais excelente é o material literário quase fabulístico que descreve a impossibilidade de culminar a solidão de Adão com a companhia de animais, e, portanto, sua autossuficiência, apresentada nos versículos 19s.: “O homem pôs nomes a todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais dos campos; mas não se achava para ele uma ajuda que lhe fosse adequada”.

Somente Eva é ‘companhia’ adequada para Adão!

Referências:

1 O termo ‘dabar’ em hebraico significa ao mesmo tempo “palavra” e “coisa”. Cf. http://www.deldebbio.com.br/2009/07/27/dabar-yod-heh-vav-heh/ . Precisa-se sair de um logos grego que significa palavra e passar para o dabar hebraico que também significa palavra, contudo a diferença gritante entre estas duas alocuções é que para o grego esse logos é no sentido contemplativo e para o hebreu o dabar é no sentido de ação criativa. Cf. http://blog.cancaonova.com/seminario/do-logos-ao-dabar/.

2 A expressão “Espírito”, ou “Espírito de Deus”, ou ainda “Espírito Santo” se encontra na grande maioria dos livros da Bíblia. No Antigo Testamento a palavra hebraica empregada de forma uniforme para “Espírito” se referindo ao Espírito de Deus é רוּח, rūaḥ significando “sopro,” “vento” ou “brisa.” A forma verbal da palavra é רוּח, rūaḥ, ou ריח, rı̄aḥ usado apenas no Hiphil e significando “respirar”, “soprar”. Um verbo semelhante é רוח, rāwaḥ, significando “respirar”. A palavra que sempre é usada no Novo Testamento para “Espírito” é o substantivo grego neutro πνεῦμα, pneúma, com ou sem o artigo e para o Espírito Santo, πνεῦμα ἅγιον, pneúma hágion, ou τὸ πνεῦμα τὸ ἅγιον, tó pneúma tó hágioň. No Novo Testamento, nós encontramos as expressões, πνευματι θεου (“O Espírito de Deus”), πνευμα κυριου (“Espírito do Senhor”), πνευμα του πατρος (“Espírito do Pai”), πνευματος ιησου χριστου (“Espírito de Jesus Cristo”). A palavra grega para “Espírito” no grego vem do verbo πνέω, (pnéō), “respirar”, “soprar”. O correspondente em Latim é spiritus, de onde derivamos o nosso português “espírito”. Cf. https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2013/03/espirito-santo-original-grego-e-hebraico.html.

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Livros do Antigo Testamento (6)

09/06/2017 00:00 - Atualizado em 07/07/2017 15:47

No artigo anterior começamos a tratar dos aspectos e da estrutura geral do Livro do Gênesis. Pudemos ver que se trata do livro das Origens. De Israel, na sua segunda parte (12-50,26) com o ciclo dos patriarcas e da humanidade, na sua primeira parte (1-11, 32).

Mas na verdade, entre os aspectos de pressupostos da humanidade e aqueles de Israel, na verdade o Gênesis é uma grande narrativa sobre Deus, redentor de Israel e Criador do Mundo.

Eis a estrutura narrativo-literária do Livro do Gênesis:

I. História das Origens (1,1-11,32)

1) 1,1-2,4a: Criação do universo e dos seus habitantes (segundo a tradição Sacerdotal: P).

No primeiro livro da Bíblia hebraica, o Bereshit (Gênesis), encontramos dois relatos da criação do ser humano. O primeiro está em 1, 26-27 (colocado pelos estudiosos como sendo de tradição sacerdotal) e o segundo em 2:7, 18, 21-23 (indicado como tradição javista). Na verdade temos a sequência setenária da criação das coisas e das criaturas (animais e vegetais).

Estes textos colocam o acento na certeza que o mundo não é o locus malis, o mundo material também vem de Deus. Por isso, depois de cada dia criado, lê-se um refrão, em cinco dias de criação temos cinco juízos de valor positivo sobre o Criado: “E Deus viu que isso era bom”! (cf. vv. 10, 12, 18, 21, 25).

O mundo é apresentado como fruto dos ‘lábios’ de Deus, de seu ‘Dabar’1, sua palavra criadora. O Deus de Israel é a Gênesis de tudo!

Enfim, chegamos aos v. 26, com o centro da Criação. Neste versículo ocorre uma afirmação até então inédita, que Deus se deixa traçar em sua própria obra criadora: “Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra”.

Aqui se destaca o misterioso plural (nós) atribuído à criação humana. O cristianismo não hesitou, em posse da plena Revelação em ver aqui o sinal da Trindade abscôndita no AT.

Outro elemento refere-se ao domínio humano sobre toda a Criação, o que indica a centralidade humana na obra de Deus.

Destaca-se ainda, diferente do outro relato, a simultaneidade de gêneros na criação no v. 27: “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”.

Uma clara mensagem sobre a dignidade humana (homem e mulher!). Não há porque falar de machismo e muito menos de feminismo no horizonte do texto.

Em nossos dias, percebe-se que a interpretação imatura da expressão ‘dominem’ o criado não justifica a péssima administração humana diante do meio ambiente. Estamos aprendendo melhor os significados desta tarefa, com a ajuda traumática da própria natureza.

2) 2,4b-3,24: Formação do homem e da mulher. Origem do pecado (tradição Javista: J).

Muito se discute sobre os ditos ‘dois’ relatos da Criação do homem, mas na verdade eles não se opõem, e não importa somente serem considerados oriundos de fontes diversas, como se percebe. Eles têm mensagens diversas sobre o mesmo tema, são variações do mesmo tema, o leitmotiv é a riqueza semântica da Ação Criadora de Deus.

No primeiro caso se afirma simplesmente a simultaneidade do criado, homem e mulher, ambos, imagem e semelhança de Deus, é o que se lê no v. 27. O segundo relato quer referir-se ao primeiro, por diversos motivos.

O segundo relato inicia-se no fim do anterior. O descanso de Deus após a plena obra criadora. A intenção, portanto, é dizer algo a mais, ou insistir sobre outros aspectos, e talvez sublinhar elementos já apresentados antes. Mas o que dizer do texto mais simbólico e expressivo da criação humana no Capítulo 2?

“O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente” (2, 7)

Aqui, não se acentua a semelhança divina no ato da criação humana, como se lê em 1, 26s (“Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, v. 26), mas ressalta-se a fragilidade humana: ‘do barro da terra’, eis a origem do homem, afastando a aventura ‘panteísta’, na qual criaturas e Criador poderiam vir confundidos por uma leitura superficial dos vv. 26s. Ressalta-se assim o aspecto criatural, a condição de fragilidade e de limitação do gênero humano, salvaguardando sua ‘dignidade essencial’ oriunda do ‘sopro’ (ruah)2 divino.

Outro elemento pitoresco é o relato da criação da mulher, que no primeiro relato, no capítulo anterior, aparece sem destaque, simplesmente criou a ambos. Aqui surgem os traços da dignidade feminina: semelhantes a Deus e entre si!

A ‘costela’ de Adão atribui a Eva os mesmos dotes do marido.

Mas, o motivo mais excelente é o material literário quase fabulístico que descreve a impossibilidade de culminar a solidão de Adão com a companhia de animais, e, portanto, sua autossuficiência, apresentada nos versículos 19s.: “O homem pôs nomes a todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais dos campos; mas não se achava para ele uma ajuda que lhe fosse adequada”.

Somente Eva é ‘companhia’ adequada para Adão!

Referências:

1 O termo ‘dabar’ em hebraico significa ao mesmo tempo “palavra” e “coisa”. Cf. http://www.deldebbio.com.br/2009/07/27/dabar-yod-heh-vav-heh/ . Precisa-se sair de um logos grego que significa palavra e passar para o dabar hebraico que também significa palavra, contudo a diferença gritante entre estas duas alocuções é que para o grego esse logos é no sentido contemplativo e para o hebreu o dabar é no sentido de ação criativa. Cf. http://blog.cancaonova.com/seminario/do-logos-ao-dabar/.

2 A expressão “Espírito”, ou “Espírito de Deus”, ou ainda “Espírito Santo” se encontra na grande maioria dos livros da Bíblia. No Antigo Testamento a palavra hebraica empregada de forma uniforme para “Espírito” se referindo ao Espírito de Deus é רוּח, rūaḥ significando “sopro,” “vento” ou “brisa.” A forma verbal da palavra é רוּח, rūaḥ, ou ריח, rı̄aḥ usado apenas no Hiphil e significando “respirar”, “soprar”. Um verbo semelhante é רוח, rāwaḥ, significando “respirar”. A palavra que sempre é usada no Novo Testamento para “Espírito” é o substantivo grego neutro πνεῦμα, pneúma, com ou sem o artigo e para o Espírito Santo, πνεῦμα ἅγιον, pneúma hágion, ou τὸ πνεῦμα τὸ ἅγιον, tó pneúma tó hágioň. No Novo Testamento, nós encontramos as expressões, πνευματι θεου (“O Espírito de Deus”), πνευμα κυριου (“Espírito do Senhor”), πνευμα του πατρος (“Espírito do Pai”), πνευματος ιησου χριστου (“Espírito de Jesus Cristo”). A palavra grega para “Espírito” no grego vem do verbo πνέω, (pnéō), “respirar”, “soprar”. O correspondente em Latim é spiritus, de onde derivamos o nosso português “espírito”. Cf. https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2013/03/espirito-santo-original-grego-e-hebraico.html.

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica