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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 13/05/2024

13 de Maio de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (63): Interpretação e tradução da Bíblia

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A Palavra de Deus na Bíblia (63): Interpretação e tradução da Bíblia

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30/09/2016 00:00 - Atualizado em 07/10/2016 16:11

A Palavra de Deus na Bíblia (63): Interpretação e tradução da Bíblia 0

30/09/2016 00:00 - Atualizado em 07/10/2016 16:11

A Páscoa de Jesus, com a densidade de sua revelação, significativa e inexaurível, traz luz intensa e ilumina a significação profético-escatológica das letras antigas da Bíblia de Abraão. Com esta afirmação concluíamos o artigo passado. E com esta temática queremos dar prosseguimento ao interessante tema das relações entre o Antigo e o Novo Testamentos. Mais nada é tão simples assim.

Esta unidade entre dois mundos tão diversos, a ponto de ter causado o desejo da parte de homens inteligentes como Marcião, citado a dois artigos, de liberar-se do AT, já que ele entendia ser inútil à fé cristã a citação e leitura do Antigo Testamento, nunca uma tarefa simplória para o exercício de uma exegese séria e exigente.

No interior da Bíblia cristã, as relações entre Novo e Antigo Testamento não deixam de ser complexas. Quando se trata da utilização de textos particulares, os autores do Novo Testamento recorrem naturalmente aos conhecimentos e aos procedimentos de interpretação da época deles. Exigir que se conformem aos métodos científicos modernos seria um anacronismo. O exegeta deve antes de tudo adquirir o conhecimento dos procedimentos antigos para poder interpretar corretamente o uso que é feito deles. É verdade, por outro lado, que ele não deve dar um valor absoluto àquilo que é conhecimento humano limitado1.

Isto é, sejam os evangelistas, Paulo ou os autores das cartas ou do Apocalipse, não utilizaram ‘ingenuamente’ os antigos textos a que se referem como ‘Segundo as Escrituras’.

Eles realizaram ‘operações exegéticas’ de tipo judaico-helenísticas, de modo que os textos véterotestamentários exprimissem mais claramente seu significado escondido aos judeus, aberto somente pela luz do pelo Mistério Pascal de Cristo.

Nos dias atuais, nossa compreensão científica do uso e análise de textos poderia considerar ‘ilegítimas’ tais operações, que, porém eram válidas e aceitas pelos religiosos e teólogos do tempo de Jesus.

Convém, enfim, acrescentar que no interior do Novo Testamento, como já no interior do Antigo, observa-se a justaposição de perspectivas diferentes e algumas vezes em tensão umas com as outras, por exemplo, sobre a situação de Jesus (Jo 8,29; 16,32 e Mc 15,34) ou sobre o valor da Lei mosaica (Mt 5,17-19 e Rm 6,14) ou sobre a necessidade das obras para ser justificado (Tg 2,24 e Rm 3,28; Ef 2,8-9). Uma das características da Bíblia é precisamente a ausência do espírito de sistema e a presença, ao contrário, de tensões dinamizantes. A Bíblia acolheu várias maneiras de interpretar os mesmos acontecimentos ou de pensar os mesmos problemas. Assim ela convida a recusar o simplismo e a estreiteza de espírito2.

Um outro argumento forte e dinâmico invade o campo deste problema já espinhoso: que no Novo Testamento, em seus 28 livros, não há monotonia, a Verdade, não significa um discurso monocromático, ao contrário, há muitas linguagens, muitas peculiaridades, entre os diversos autores: ‘A Bíblia acolheu várias maneiras de interpretar os mesmos acontecimentos ou de pensar os mesmos problemas. Assim ela convida a recusar o simplismo e a estreiteza de espírito’.

De tudo isso surgem diversas consequências ou conclusões a que nos convida a Igreja a refletir.

Algumas conclusões

Disto que foi dito pode-se concluir que a Bíblia contém numerosas indicações e sugestões sobre a arte de interpretar. A Bíblia é efetivamente, desde o início, ela mesma uma interpretação. Seus textos foram reconhecidos pelas comunidades da Antiga Aliança e do tempo apostólico como expressão válida da fé que elas tinham. É segundo a interpretação das comunidades e em relação àquela que foram reconhecidos como Santa Escritura (assim, por exemplo, o Cântico dos Cânticos foi reconhecido como Santa Escritura enquanto aplicado à relação entre Deus e Israel). No decorrer da formação da Bíblia, os escritos que a compõem foram, em muitos casos, retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações novas, desconhecidas anteriormente3.

Para quem ainda duvida, a Bíblia é a intérprete de si mesma! Para os leitores da reforma protestante, a leitura da Bíblia isolada da Igreja foi uma ‘novidade’ que parecia permitir à interpretação da Bíblia, mais liberdade e autenticidade. Ledo engano: “(...) pode-se concluir que a Bíblia contém numerosas indicações e sugestões sobre a arte de interpretar. A Bíblia é efetivamente, desde o início, ela mesma uma interpretação”. De fato, as Sagradas Escrituras são compostas em sua unidade (Cânon) por uma intricada e sofisticada rede de reinterpretações que testemunham um longo processo de tradições.

Desta maneira, o documento indica que na própria Bíblia ocorre um processo interpretativo, que serve de ‘critério’ para a formação da Tradição Eclesial de leitura da Bíblia: “A maneira de interpretar os textos que se manifesta na Santa Escritura sugere as seguintes observações”. Acompanhemos as observações da Igreja:

1) “Dado que a Santa Escritura nasceu sobre a base de um consenso de comunidades de fiéis que reconheceram em seu texto a expressão da fé revelada, sua própria interpretação deve ser, para a fé viva das comunidades eclesiais, fonte de consenso sobre os pontos essenciais”4. A Bíblia não é uma peça escrita de uma só vez, nela se exprimem diversas tradições ‘eclesiais’, tanto do Povo da Antiga, como da Nova Aliança. Separar os textos de suas fontes, o Povo de Deus, é desnaturalizar o significado e a mensagem da Bíblia: a Fé de Abraão a Cristo!

2) “Dado que a expressão da fé, tal como se encontrava reconhecida por todos na Santa Escritura, teve que se renovar continuamente para fazer face a situações novas — o que explicam as “releituras” de muitos textos bíblicos — a interpretação da Bíblia deve igualmente ter um aspecto de criatividade e afrontar as questões novas, para respondê-las partindo da Bíblia”5. Porque a Bíblia atesta a fé viva de um povo (de Deus); ela possui em si mesma as marcas de ‘operações historiográficas’, operações interpretativas que atualizam o único e mesmo depósito da fé.

No próximo artigo, concluiremos estas pertinentes observações da Igreja sobre o processo interpretativo na Bíblia.

Referência:

1http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

2http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

3http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

4http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

5HTTP://WWW.VATICAN.VA/ROMAN_CURIA/CONGREGATIONS/CFAITH/PCB_DOCUMENTS/RC_CON_CFAITH_DOC_19930415_INTERPRETAZIONE_PO.HTML#III.

 

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A Palavra de Deus na Bíblia (63): Interpretação e tradução da Bíblia

30/09/2016 00:00 - Atualizado em 07/10/2016 16:11

A Páscoa de Jesus, com a densidade de sua revelação, significativa e inexaurível, traz luz intensa e ilumina a significação profético-escatológica das letras antigas da Bíblia de Abraão. Com esta afirmação concluíamos o artigo passado. E com esta temática queremos dar prosseguimento ao interessante tema das relações entre o Antigo e o Novo Testamentos. Mais nada é tão simples assim.

Esta unidade entre dois mundos tão diversos, a ponto de ter causado o desejo da parte de homens inteligentes como Marcião, citado a dois artigos, de liberar-se do AT, já que ele entendia ser inútil à fé cristã a citação e leitura do Antigo Testamento, nunca uma tarefa simplória para o exercício de uma exegese séria e exigente.

No interior da Bíblia cristã, as relações entre Novo e Antigo Testamento não deixam de ser complexas. Quando se trata da utilização de textos particulares, os autores do Novo Testamento recorrem naturalmente aos conhecimentos e aos procedimentos de interpretação da época deles. Exigir que se conformem aos métodos científicos modernos seria um anacronismo. O exegeta deve antes de tudo adquirir o conhecimento dos procedimentos antigos para poder interpretar corretamente o uso que é feito deles. É verdade, por outro lado, que ele não deve dar um valor absoluto àquilo que é conhecimento humano limitado1.

Isto é, sejam os evangelistas, Paulo ou os autores das cartas ou do Apocalipse, não utilizaram ‘ingenuamente’ os antigos textos a que se referem como ‘Segundo as Escrituras’.

Eles realizaram ‘operações exegéticas’ de tipo judaico-helenísticas, de modo que os textos véterotestamentários exprimissem mais claramente seu significado escondido aos judeus, aberto somente pela luz do pelo Mistério Pascal de Cristo.

Nos dias atuais, nossa compreensão científica do uso e análise de textos poderia considerar ‘ilegítimas’ tais operações, que, porém eram válidas e aceitas pelos religiosos e teólogos do tempo de Jesus.

Convém, enfim, acrescentar que no interior do Novo Testamento, como já no interior do Antigo, observa-se a justaposição de perspectivas diferentes e algumas vezes em tensão umas com as outras, por exemplo, sobre a situação de Jesus (Jo 8,29; 16,32 e Mc 15,34) ou sobre o valor da Lei mosaica (Mt 5,17-19 e Rm 6,14) ou sobre a necessidade das obras para ser justificado (Tg 2,24 e Rm 3,28; Ef 2,8-9). Uma das características da Bíblia é precisamente a ausência do espírito de sistema e a presença, ao contrário, de tensões dinamizantes. A Bíblia acolheu várias maneiras de interpretar os mesmos acontecimentos ou de pensar os mesmos problemas. Assim ela convida a recusar o simplismo e a estreiteza de espírito2.

Um outro argumento forte e dinâmico invade o campo deste problema já espinhoso: que no Novo Testamento, em seus 28 livros, não há monotonia, a Verdade, não significa um discurso monocromático, ao contrário, há muitas linguagens, muitas peculiaridades, entre os diversos autores: ‘A Bíblia acolheu várias maneiras de interpretar os mesmos acontecimentos ou de pensar os mesmos problemas. Assim ela convida a recusar o simplismo e a estreiteza de espírito’.

De tudo isso surgem diversas consequências ou conclusões a que nos convida a Igreja a refletir.

Algumas conclusões

Disto que foi dito pode-se concluir que a Bíblia contém numerosas indicações e sugestões sobre a arte de interpretar. A Bíblia é efetivamente, desde o início, ela mesma uma interpretação. Seus textos foram reconhecidos pelas comunidades da Antiga Aliança e do tempo apostólico como expressão válida da fé que elas tinham. É segundo a interpretação das comunidades e em relação àquela que foram reconhecidos como Santa Escritura (assim, por exemplo, o Cântico dos Cânticos foi reconhecido como Santa Escritura enquanto aplicado à relação entre Deus e Israel). No decorrer da formação da Bíblia, os escritos que a compõem foram, em muitos casos, retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações novas, desconhecidas anteriormente3.

Para quem ainda duvida, a Bíblia é a intérprete de si mesma! Para os leitores da reforma protestante, a leitura da Bíblia isolada da Igreja foi uma ‘novidade’ que parecia permitir à interpretação da Bíblia, mais liberdade e autenticidade. Ledo engano: “(...) pode-se concluir que a Bíblia contém numerosas indicações e sugestões sobre a arte de interpretar. A Bíblia é efetivamente, desde o início, ela mesma uma interpretação”. De fato, as Sagradas Escrituras são compostas em sua unidade (Cânon) por uma intricada e sofisticada rede de reinterpretações que testemunham um longo processo de tradições.

Desta maneira, o documento indica que na própria Bíblia ocorre um processo interpretativo, que serve de ‘critério’ para a formação da Tradição Eclesial de leitura da Bíblia: “A maneira de interpretar os textos que se manifesta na Santa Escritura sugere as seguintes observações”. Acompanhemos as observações da Igreja:

1) “Dado que a Santa Escritura nasceu sobre a base de um consenso de comunidades de fiéis que reconheceram em seu texto a expressão da fé revelada, sua própria interpretação deve ser, para a fé viva das comunidades eclesiais, fonte de consenso sobre os pontos essenciais”4. A Bíblia não é uma peça escrita de uma só vez, nela se exprimem diversas tradições ‘eclesiais’, tanto do Povo da Antiga, como da Nova Aliança. Separar os textos de suas fontes, o Povo de Deus, é desnaturalizar o significado e a mensagem da Bíblia: a Fé de Abraão a Cristo!

2) “Dado que a expressão da fé, tal como se encontrava reconhecida por todos na Santa Escritura, teve que se renovar continuamente para fazer face a situações novas — o que explicam as “releituras” de muitos textos bíblicos — a interpretação da Bíblia deve igualmente ter um aspecto de criatividade e afrontar as questões novas, para respondê-las partindo da Bíblia”5. Porque a Bíblia atesta a fé viva de um povo (de Deus); ela possui em si mesma as marcas de ‘operações historiográficas’, operações interpretativas que atualizam o único e mesmo depósito da fé.

No próximo artigo, concluiremos estas pertinentes observações da Igreja sobre o processo interpretativo na Bíblia.

Referência:

1http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

2http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

3http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

4http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#III.

5HTTP://WWW.VATICAN.VA/ROMAN_CURIA/CONGREGATIONS/CFAITH/PCB_DOCUMENTS/RC_CON_CFAITH_DOC_19930415_INTERPRETAZIONE_PO.HTML#III.

 

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica