14 de Maio de 2024
A Palavra de Deus na Bíblia (51): Interpretação e tradução da Bíblia
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08/07/2016 11:21 - Atualizado em 08/07/2016 11:22
A Palavra de Deus na Bíblia (51): Interpretação e tradução da Bíblia 0
08/07/2016 11:21 - Atualizado em 08/07/2016 11:22
No último artigo concluímos a exposição sobre ‘a leitura fundamentalista’ da Bíblia, uma experiência cultural e religiosa denominada pela Comissão Bíblica como ‘uma forma de suicídio do pensamento’.
O tema, por sua vez, encerra a primeira das quatro partes do documento que estamos estudando: “A Interpretação da Bíblia na Igreja” (1993), intitulada: ‘Métodos e Abordagens para a Interpretação’.
Este documento é um marco fundamental para todos aqueles, como nós, católicos, queremos ler e interpretar a Palavra de Deus em consonância com a mente da Igreja, e ao mesmo em sintonia com o mundo em que vivemos.
No presente artigo iniciaremos uma nova unidade denominada ‘Questões de Hermenêutica’. Esta parte do Documento está subdivida em duas seções: 1. Hermenêuticas filosóficas, 2. Sentido da Escritura inspirada.
‘Questões de Hermenêutica’
A atividade da exegese é chamada a ser repensada, levando-se em consideração a hermenêutica filosófica contemporânea, que colocou em evidência a implicação da subjetividade no conhecimento, especialmente no conhecimento histórico. A reflexão hermenêutica teve nova força com a publicação dos trabalhos de Friedrich Schleiermacher, Wilhelm Dilthey e, sobretudo, Martin Heidegger. Na trilha destes filósofos, mas também se distanciando deles, diversos autores aprofundaram a teoria hermenêutica contemporânea e suas aplicações à Escritura. Entre eles mencionaremos especialmente Rudolf Bultmann, Hans Georg Gadamer e Paul Ricoeur. Não se pode aqui resumir-lhes o pensamento. Será suficiente indicar algumas ideias centrais da filosofia deles, aquelas que têm uma incidência sobre a interpretação dos textos bíblicos.1
O pensamento filosófico sobre a interpretação (a Hermenêutica)2 tem uma contribuição na formulação e no exercício da exegese bíblica, seja em filósofos que se interessam pela religião, seja em teólogos que se interessam por filosofia. Nesta relação entre filosofia e exegese há proximidades e distâncias. O contexto destas relações estabeleceu-se no período moderno da Filosofia3:
1. Perspectivas modernas
Constatando a distância cultural entre o mundo do primeiro século e aquele do século XX, e preocupado em obter que a realidade da qual trata a Escritura fale ao homem contemporâneo, Bultmann insistiu na pré-compreensão necessária a toda compreensão e elaborou a teoria da interpretação existencial dos escritos do Novo Testamento4.
Apoiando-se no pensamento de Heidegger, ele afirma que a exegese de um texto bíblico não é possível sem pressupostos que dirigem a compreensão. A pré-compreensão («Vorverständnis») é fundamentada na relação vital («Lebensverhältnis») do intérprete com a coisa da qual fala o texto. Para evitar o subjetivismo, é preciso, no entanto que a pré-compreensão se deixe aprofundar e enriquecer, até mesmo se modificar e se corrigir, por aquilo do qual fala o texto.
A questão que está em jogo nos ‘diálogos’ entre o teólogo R. Bultmann e a filosofia de Heidegger, é a atualidade da mensagem do Evangelho, seu lugar na compreensão do homem contemporâneo.
Interrogando-se sobre a conceituação justa que definirá o questionamento a partir do qual os textos da Escritura poderão ser entendidos pelo homem de hoje, Bultmann pretende encontrar a resposta na analítica existencial de Heidegger. Os existenciais heideggerianos teriam um alcance universal e ofereceriam as estruturas e os conceitos mais apropriados para a compreensão da existência humana revelada na mensagem do Novo Testamento5.
Junto com Bultmann, temos o hermeneuta alemão, H.G. Gadamer. Para ele, O intérprete deve entrar em diálogo com a realidade à qual se refere o texto. A compreensão se opera na fusão dos horizontes diferentes do texto e de seu leitor. Ela só é possível se há uma dependência, isto é, uma afinidade fundamental entre o intérprete e seu objeto. A hermenêutica é um processo dialético: a compreensão de um texto é sempre uma compreensão mais ampla de si mesmo
Gadamer sublinha igualmente a distância histórica entre o texto e seu intérprete. Ele retoma e desenvolve a teoria do círculo hermenêutico. As antecipações e as pré-concepções que marcam nossa compreensão provêm da tradição que nos sustenta. Esta consiste em um conjunto de dados históricos e culturais, que constituem nosso contexto vital, nosso horizonte de compreensão6.
A contribuição de Gadamer para a hermenêutica bíblica baseia-se nos conceitos de ‘distância histórica’ entre o leitor e o texto, razão de estabelecer a necessidade de uma atividade hermenêutica sobre o texto que diminua esta distância estabelecendo a possibilidade de uma compreensão correta do texto.
Em segundo lugar o conceito o ‘horizonte de compreensão’ estabelece que o leitor interpreta um texto aplicando-lhe suas expectativas, conceitos e preconceitos. O texto carrega as marcas de nossa leitura da vida.
Referências:
2 Sobre este assunto leia o meu artigo: SANTOS, P. P. A.. Breve Percurso da Hermenêutica Bíblica. Atualidade Teológica (PUCRJ), v. XII, p. 29-41, 2008.
3 Filosofia moderna é toda a filosofia que se desenvolveu durante os séculos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX; começando pelo Renascimento e se estendendo até meados do século XIX, mas a filosofia desenvolvida dentro desse período está fragmentada em vários subtópicos, e escolas de diferentes períodos.
A Palavra de Deus na Bíblia (51): Interpretação e tradução da Bíblia
08/07/2016 11:21 - Atualizado em 08/07/2016 11:22
No último artigo concluímos a exposição sobre ‘a leitura fundamentalista’ da Bíblia, uma experiência cultural e religiosa denominada pela Comissão Bíblica como ‘uma forma de suicídio do pensamento’.
O tema, por sua vez, encerra a primeira das quatro partes do documento que estamos estudando: “A Interpretação da Bíblia na Igreja” (1993), intitulada: ‘Métodos e Abordagens para a Interpretação’.
Este documento é um marco fundamental para todos aqueles, como nós, católicos, queremos ler e interpretar a Palavra de Deus em consonância com a mente da Igreja, e ao mesmo em sintonia com o mundo em que vivemos.
No presente artigo iniciaremos uma nova unidade denominada ‘Questões de Hermenêutica’. Esta parte do Documento está subdivida em duas seções: 1. Hermenêuticas filosóficas, 2. Sentido da Escritura inspirada.
‘Questões de Hermenêutica’
A atividade da exegese é chamada a ser repensada, levando-se em consideração a hermenêutica filosófica contemporânea, que colocou em evidência a implicação da subjetividade no conhecimento, especialmente no conhecimento histórico. A reflexão hermenêutica teve nova força com a publicação dos trabalhos de Friedrich Schleiermacher, Wilhelm Dilthey e, sobretudo, Martin Heidegger. Na trilha destes filósofos, mas também se distanciando deles, diversos autores aprofundaram a teoria hermenêutica contemporânea e suas aplicações à Escritura. Entre eles mencionaremos especialmente Rudolf Bultmann, Hans Georg Gadamer e Paul Ricoeur. Não se pode aqui resumir-lhes o pensamento. Será suficiente indicar algumas ideias centrais da filosofia deles, aquelas que têm uma incidência sobre a interpretação dos textos bíblicos.1
O pensamento filosófico sobre a interpretação (a Hermenêutica)2 tem uma contribuição na formulação e no exercício da exegese bíblica, seja em filósofos que se interessam pela religião, seja em teólogos que se interessam por filosofia. Nesta relação entre filosofia e exegese há proximidades e distâncias. O contexto destas relações estabeleceu-se no período moderno da Filosofia3:
1. Perspectivas modernas
Constatando a distância cultural entre o mundo do primeiro século e aquele do século XX, e preocupado em obter que a realidade da qual trata a Escritura fale ao homem contemporâneo, Bultmann insistiu na pré-compreensão necessária a toda compreensão e elaborou a teoria da interpretação existencial dos escritos do Novo Testamento4.
Apoiando-se no pensamento de Heidegger, ele afirma que a exegese de um texto bíblico não é possível sem pressupostos que dirigem a compreensão. A pré-compreensão («Vorverständnis») é fundamentada na relação vital («Lebensverhältnis») do intérprete com a coisa da qual fala o texto. Para evitar o subjetivismo, é preciso, no entanto que a pré-compreensão se deixe aprofundar e enriquecer, até mesmo se modificar e se corrigir, por aquilo do qual fala o texto.
A questão que está em jogo nos ‘diálogos’ entre o teólogo R. Bultmann e a filosofia de Heidegger, é a atualidade da mensagem do Evangelho, seu lugar na compreensão do homem contemporâneo.
Interrogando-se sobre a conceituação justa que definirá o questionamento a partir do qual os textos da Escritura poderão ser entendidos pelo homem de hoje, Bultmann pretende encontrar a resposta na analítica existencial de Heidegger. Os existenciais heideggerianos teriam um alcance universal e ofereceriam as estruturas e os conceitos mais apropriados para a compreensão da existência humana revelada na mensagem do Novo Testamento5.
Junto com Bultmann, temos o hermeneuta alemão, H.G. Gadamer. Para ele, O intérprete deve entrar em diálogo com a realidade à qual se refere o texto. A compreensão se opera na fusão dos horizontes diferentes do texto e de seu leitor. Ela só é possível se há uma dependência, isto é, uma afinidade fundamental entre o intérprete e seu objeto. A hermenêutica é um processo dialético: a compreensão de um texto é sempre uma compreensão mais ampla de si mesmo
Gadamer sublinha igualmente a distância histórica entre o texto e seu intérprete. Ele retoma e desenvolve a teoria do círculo hermenêutico. As antecipações e as pré-concepções que marcam nossa compreensão provêm da tradição que nos sustenta. Esta consiste em um conjunto de dados históricos e culturais, que constituem nosso contexto vital, nosso horizonte de compreensão6.
A contribuição de Gadamer para a hermenêutica bíblica baseia-se nos conceitos de ‘distância histórica’ entre o leitor e o texto, razão de estabelecer a necessidade de uma atividade hermenêutica sobre o texto que diminua esta distância estabelecendo a possibilidade de uma compreensão correta do texto.
Em segundo lugar o conceito o ‘horizonte de compreensão’ estabelece que o leitor interpreta um texto aplicando-lhe suas expectativas, conceitos e preconceitos. O texto carrega as marcas de nossa leitura da vida.
Referências:
2 Sobre este assunto leia o meu artigo: SANTOS, P. P. A.. Breve Percurso da Hermenêutica Bíblica. Atualidade Teológica (PUCRJ), v. XII, p. 29-41, 2008.
3 Filosofia moderna é toda a filosofia que se desenvolveu durante os séculos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX; começando pelo Renascimento e se estendendo até meados do século XIX, mas a filosofia desenvolvida dentro desse período está fragmentada em vários subtópicos, e escolas de diferentes períodos.
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