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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 14/05/2024

14 de Maio de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (50) Interpretação e tradução da Bíblia

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A Palavra de Deus na Bíblia (50) Interpretação e tradução da Bíblia

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01/07/2016 14:27 - Atualizado em 01/07/2016 14:27

A Palavra de Deus na Bíblia (50) Interpretação e tradução da Bíblia 0

01/07/2016 14:27 - Atualizado em 01/07/2016 14:27

Neste artigo concluiremos o instigante tema da ‘Leitura Fundamentalista’ iniciado anteriormente. Entender as questões que envolvem a compreensão bíblica influenciada por esta visão de texto e de interpretação é indiscutível nestes tempos obscurantistas que invadem as sociedades e as religiões mundo a fora, com consequências nefastas já em eclosão.

O fundamentalismo foge da estreita relação do divino e do humano no relacionamento com Deus. Ele se recusa em admitir que a Palavra de Deus inspirada foi expressa em linguagem humana e que ela foi redigida, sob a inspiração divina, por autores humanos cujas capacidades e recursos eram limitados. Por esta razão, ele tende a tratar o texto bíblico como se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e não chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada em uma linguagem e uma fraseologia condicionadas por uma ou outra época. Ele não dá nenhuma atenção às formas literárias e às maneiras humanas de pensar presentes nos textos bíblicos, muitos dos quais são fruto de uma elaboração que se estendeu por longos períodos de tempo e leva a marca de situações históricas muito diversas1.

O problema de fundo é muito grave, a leitura fundamentalista desconstrói as bases do Cristianismo: uma leitura sem o jogo teândrico2, que caracteriza o Mistério de Cristo, expresso na tessitura das Escrituras, elas são Palavra Divina no âmbito da linguagem humana.

O fundamentalismo insiste também de uma maneira indevida sobre a inerrância dos detalhes nos textos bíblicos, especialmente em matéria de fatos históricos ou de pretensas verdades científicas. Muitas vezes ele torna histórico aquilo que não tinha a pretensão de historicidade, pois ele considera como histórico tudo aquilo que é reportado ou contado com os verbos em um tempo passado, sem a necessária atenção à possibilidade de um sentido simbólico ou figurativo.

O fundamentalismo tem muitas vezes tendência a ignorar ou a negar os problemas que o texto bíblico comporta na sua formulação hebraica, aramaica ou grega. Ele é muitas vezes estreitamente ligado a uma tradição determinada, antiga ou moderna. Ele se omite igualmente de considerar as “releituras” de certas passagens no interior da própria Bíblia3.

A chamada ‘Leitura Fundamentalista’ atropela por autodeterminação aqueles elementos mínimos que podem estabelecer com segurança o jogo sofisticado e arriscado entre leitor e texto, em particular aqueles antigos. Em nome da fidelidade ao divino, esta leitura se propõe a ignorar o humano, implicado na Revelação cristã.

No que concerne aos evangelhos, o fundamentalismo não leva em consideração o crescimento da tradição evangélica, mas confunde ingenuamente o estágio final desta tradição (o que os evangelistas escreveram) com o estágio inicial (as ações e as palavras do Jesus da história)4.

Ele negligencia assim um dado importante: a maneira com a qual as próprias primeiras comunidades cristãs compreenderam o impacto produzido por Jesus de Nazaré e sua mensagem. Ora, aqui está um testemunho da origem apostólica da fé cristã e sua expressão direta. O fundamentalismo desnatura assim o apelo lançado pelo próprio Evangelho.

O fundamentalismo tem igualmente tendência a uma grande estreiteza de visão, pois ele considera conforme a realidade uma antiga cosmologia já ultrapassada, só porque encontra-se expressa na Bíblia; isso impede o diálogo com uma concepção mais ampla das relações entre a cultura e a fé5.

Ele se apoia sobre uma leitura não-crítica de certos textos da Bíblia para confirmar ideias políticas e atitudes sociais marcadas por preconceitos, racistas, por exemplo, simplesmente contrários ao Evangelho cristão.

Enfim, em sua adesão ao princípio do “sola Scriptura”, o fundamentalismo separa a interpretação da Bíblia da Tradição guiada pelo Espírito, que se desenvolve autenticamente em ligação com a Escritura no seio da comunidade de fé. Falta-lhe entender que o Novo Testamento tomou forma no interior da Igreja cristã e que ele é Escritura Santa desta Igreja, cuja existência precedeu a composição de seus textos6.

Assim, o fundamentalismo é muitas vezes anti-eclesial; ele considera negligenciáveis os credos, os dogmas e as práticas litúrgicas que se tornam parte da tradição eclesiástica, como também a função de ensinamento da própria Igreja. Ele se apresenta como uma forma de interpretação privada, que não reconhece que a Igreja é fundada sobre a Bíblia e tira sua vida e sua inspiração das Escrituras.

Nada estranho, se pensarmos que a Reforma Protestante do século XVI insere-se no contexto da filosofia do individualismo, que se alia, agora à tradições antirracionalistas contemporâneas.

Na conclusão do documento, um retrato infeliz da nossa realidade, que muito nos preocupa por ampliar a situações de ‘analfabetismo funcional’ religioso. À primeira vista parece que mais gente está lendo a Bíblia, mas, neste âmbito, e como se a lê, com as páginas lacradas:

A abordagem fundamentalista é perigosa, pois ela é atraente para as pessoas que procuram respostas bíblicas para seus problemas da vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações piedosas mas ilusórias, ao invés de lhes dizer que a Bíblia não contém necessariamente uma resposta imediata a cada um desses problemas. O fundamentalismo convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ele coloca na vida uma falsa certeza, pois ele confunde inconscientemente as limitações humanas da mensagem bíblica com a substancia divina dessa mensagem7.

Referências:

1 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

2 te.ân.dri.co): a. 1. Relativo a teandria 2. Que é simultaneamente deus e homem 3. Referente às ações divino-humanas de Jesus Cristo [F.: Do gr. Theos (deus) + aner, andros (homem)]

3 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

4 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

5 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

6 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

7 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

 

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A Palavra de Deus na Bíblia (50) Interpretação e tradução da Bíblia

01/07/2016 14:27 - Atualizado em 01/07/2016 14:27

Neste artigo concluiremos o instigante tema da ‘Leitura Fundamentalista’ iniciado anteriormente. Entender as questões que envolvem a compreensão bíblica influenciada por esta visão de texto e de interpretação é indiscutível nestes tempos obscurantistas que invadem as sociedades e as religiões mundo a fora, com consequências nefastas já em eclosão.

O fundamentalismo foge da estreita relação do divino e do humano no relacionamento com Deus. Ele se recusa em admitir que a Palavra de Deus inspirada foi expressa em linguagem humana e que ela foi redigida, sob a inspiração divina, por autores humanos cujas capacidades e recursos eram limitados. Por esta razão, ele tende a tratar o texto bíblico como se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e não chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada em uma linguagem e uma fraseologia condicionadas por uma ou outra época. Ele não dá nenhuma atenção às formas literárias e às maneiras humanas de pensar presentes nos textos bíblicos, muitos dos quais são fruto de uma elaboração que se estendeu por longos períodos de tempo e leva a marca de situações históricas muito diversas1.

O problema de fundo é muito grave, a leitura fundamentalista desconstrói as bases do Cristianismo: uma leitura sem o jogo teândrico2, que caracteriza o Mistério de Cristo, expresso na tessitura das Escrituras, elas são Palavra Divina no âmbito da linguagem humana.

O fundamentalismo insiste também de uma maneira indevida sobre a inerrância dos detalhes nos textos bíblicos, especialmente em matéria de fatos históricos ou de pretensas verdades científicas. Muitas vezes ele torna histórico aquilo que não tinha a pretensão de historicidade, pois ele considera como histórico tudo aquilo que é reportado ou contado com os verbos em um tempo passado, sem a necessária atenção à possibilidade de um sentido simbólico ou figurativo.

O fundamentalismo tem muitas vezes tendência a ignorar ou a negar os problemas que o texto bíblico comporta na sua formulação hebraica, aramaica ou grega. Ele é muitas vezes estreitamente ligado a uma tradição determinada, antiga ou moderna. Ele se omite igualmente de considerar as “releituras” de certas passagens no interior da própria Bíblia3.

A chamada ‘Leitura Fundamentalista’ atropela por autodeterminação aqueles elementos mínimos que podem estabelecer com segurança o jogo sofisticado e arriscado entre leitor e texto, em particular aqueles antigos. Em nome da fidelidade ao divino, esta leitura se propõe a ignorar o humano, implicado na Revelação cristã.

No que concerne aos evangelhos, o fundamentalismo não leva em consideração o crescimento da tradição evangélica, mas confunde ingenuamente o estágio final desta tradição (o que os evangelistas escreveram) com o estágio inicial (as ações e as palavras do Jesus da história)4.

Ele negligencia assim um dado importante: a maneira com a qual as próprias primeiras comunidades cristãs compreenderam o impacto produzido por Jesus de Nazaré e sua mensagem. Ora, aqui está um testemunho da origem apostólica da fé cristã e sua expressão direta. O fundamentalismo desnatura assim o apelo lançado pelo próprio Evangelho.

O fundamentalismo tem igualmente tendência a uma grande estreiteza de visão, pois ele considera conforme a realidade uma antiga cosmologia já ultrapassada, só porque encontra-se expressa na Bíblia; isso impede o diálogo com uma concepção mais ampla das relações entre a cultura e a fé5.

Ele se apoia sobre uma leitura não-crítica de certos textos da Bíblia para confirmar ideias políticas e atitudes sociais marcadas por preconceitos, racistas, por exemplo, simplesmente contrários ao Evangelho cristão.

Enfim, em sua adesão ao princípio do “sola Scriptura”, o fundamentalismo separa a interpretação da Bíblia da Tradição guiada pelo Espírito, que se desenvolve autenticamente em ligação com a Escritura no seio da comunidade de fé. Falta-lhe entender que o Novo Testamento tomou forma no interior da Igreja cristã e que ele é Escritura Santa desta Igreja, cuja existência precedeu a composição de seus textos6.

Assim, o fundamentalismo é muitas vezes anti-eclesial; ele considera negligenciáveis os credos, os dogmas e as práticas litúrgicas que se tornam parte da tradição eclesiástica, como também a função de ensinamento da própria Igreja. Ele se apresenta como uma forma de interpretação privada, que não reconhece que a Igreja é fundada sobre a Bíblia e tira sua vida e sua inspiração das Escrituras.

Nada estranho, se pensarmos que a Reforma Protestante do século XVI insere-se no contexto da filosofia do individualismo, que se alia, agora à tradições antirracionalistas contemporâneas.

Na conclusão do documento, um retrato infeliz da nossa realidade, que muito nos preocupa por ampliar a situações de ‘analfabetismo funcional’ religioso. À primeira vista parece que mais gente está lendo a Bíblia, mas, neste âmbito, e como se a lê, com as páginas lacradas:

A abordagem fundamentalista é perigosa, pois ela é atraente para as pessoas que procuram respostas bíblicas para seus problemas da vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações piedosas mas ilusórias, ao invés de lhes dizer que a Bíblia não contém necessariamente uma resposta imediata a cada um desses problemas. O fundamentalismo convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ele coloca na vida uma falsa certeza, pois ele confunde inconscientemente as limitações humanas da mensagem bíblica com a substancia divina dessa mensagem7.

Referências:

1 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

2 te.ân.dri.co): a. 1. Relativo a teandria 2. Que é simultaneamente deus e homem 3. Referente às ações divino-humanas de Jesus Cristo [F.: Do gr. Theos (deus) + aner, andros (homem)]

3 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

4 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

5 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

6 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

7 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

 

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica