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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 14/05/2024

14 de Maio de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (48) Interpretação e tradução da Bíblia

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A Palavra de Deus na Bíblia (48) Interpretação e tradução da Bíblia

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17/06/2016 00:00 - Atualizado em 20/06/2016 13:29

A Palavra de Deus na Bíblia (48) Interpretação e tradução da Bíblia 0

17/06/2016 00:00 - Atualizado em 20/06/2016 13:29

Neste artigo iremos concluir as observações do documento ‘A Interpretação da Bíblia na Igreja’ (1993), sobre a ‘Abordagem Feminista’, no âmbito das ‘Abordagens Contextuais’, juntamente com aquela, já analisada anteriormente, a ‘Abordagem da Libertação’.

No que concerne os escritos neo-testamentários, o objeto do estudo, em definitivo, não é a concepção da mulher expressa no Novo Testamento, mas a reconstrução histórica de duas situações diferentes da mulher no primeiro século: aquela que era habitual na sociedade judaica e greco-romana e a outra, inovadora, instituída no movimento de Jesus e nas Igrejas paulinas, onde teria-se formado “uma comunidade de discípulos de Jesus, todos iguais”. Um dos apoios invocados para sustentar esta visão das coisas é o texto de Gal 3,28. O objetivo é redescobrir para o presente a história esquecida do papel da mulher na Igreja das origens1.

Importante notar a diferença no objeto de análise apresentada pelo documento: Não se analisa a concepção da mulher no NT, mas se reconstrói o perfil da mulher na sociedade greco-judaica, em geral negativa e aquele que se encontra no âmbito do ‘movimento de Jesus’, sempre igualitário.

A avaliação da Santa Sé sobre a abordagem feminista aponta diversos elementos positivos, contribuições à exegese e à vida da Igreja, em particular no século XX, sensível às conquista igualitárias da humanidade:

Numerosas são as contribuições positivas que provêm da exegese feminista. As mulheres tomaram assim uma parte mais ativa na pesquisa exegética. Elas conseguiram, muitas vezes melhor do que os homens, perceber a presença, o significado e o papel da mulher na Bíblia, na história das origens cristãs e na Igreja. O horizonte cultural moderno, graças à sua maior atenção à dignidade da mulher e ao papel dela na sociedade e na Igreja, faz com que sejam dirigidas ao texto bíblico interrogações novas, ocasiões de novas descobertas. A sensibilidade feminina leva a revelar e a corrigir certas interpretações correntes, que eram tendenciosas e visavam justificar a dominação do homem, sobre a mulher2.

No que concerne a sociedades mais antigas, como aquelas que encontramos nos textos do AT, a abordagem feminista procura, como propunha Bultmann, desmitificar a imagem de Deus, marcada pela visão androcêntrica e patriarcal:

No que concerne o Antigo Testamento, vários estudos esforçaram-se de chegar a uma compreensão melhor da imagem de Deus. O Deus da Bíblia não é projeção de uma mentalidade patriarcal. Ele é Pai, mas ele é também Deus de ternura e de amor maternais3.

Nas conclusões críticas do documento sobre esta abordagem e seu valor para a interpretação bíblica, a Comissão Bíblica acentua alguns problemas graves que devem ser considerados seriamente antes da utilização dos pressupostos colocados pelo feminismo.

Na medida em que a exegese feminista se fundamenta sobre uma ideia preconcebida, ela se expõe a interpretar os textos bíblicos de maneira tendenciosa e, portanto contestável. Para provar suas teses ela deve muitas vezes, na falta de melhor, recorrer a argumentos ex silentio. É sabido que estes são geralmente duvidosos; eles não podem nunca bastar para estabelecer solidamente uma conclusão. De outro lado, a tentativa feita para reconstituir, graças a indícios fugitivos discernidos nos textos, uma situação histórica que esses mesmos textos pretendem querer esconder, não corresponde mais a um trabalho de exegese propriamente dito, pois ela conduz à rejeição dos textos inspirados preferindo uma construção hipotética diferente4.

Destaco nesta avaliação, primeiramente a questão da relação entre a utilização de ‘uma ideia preconcebida’ que possibilita que a exegese feminista forneça ao leitor da Bíblia uma visão ‘de maneira tendenciosa e, portanto contestável’ e, portanto, uma falsificação da Bíblia. Além disso, o uso do argumento ‘ex silentio’5, da qual utilização decorre, não poucas vezes erros de avaliaçã do texto bíblico, pois, ‘É sabido que estes são geralmente duvidosos; eles não podem nunca bastar para estabelecer solidamente uma conclusão’

Um segundo elemento crítico apresentado pela Comissão Bíblica em relação à interpretação feminista, põe em relevo o fato que, no afã de reconstruir no texto bíblico, uma suposta situação histórica que se adeque ao método feminista e às suas finalidades, não se possa mais considerar este exercício como ‘exegese bíblica’ propriamente dita, na medida em que ‘ela conduz à rejeição dos textos inspirados preferindo uma construção hipotética diferente’.

Por fim, uma advertência da comissão ao uso desta abordagem conclui nossas observações sobre a Abordagem Feminista:

A exegese feminista propõe muitas vezes questões de poder na Igreja que são, sabe-se, objeto de discussões e mesmo de confrontos. Nesse domínio, a exegese feminista só poderá ser útil à Igreja na medida em que ela não cair nas armadilhas mesmas que denuncia e quando ela não perder de vista o ensinamento evangélico sobre o poder como serviço, ensinamento endereçado por Jesus a todos os seus discípulos, homens e mulheres6.

Referências:

1 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

2 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

3 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

4 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

5 Argumentum ex silentio é um termo em latim, traduzido geralmente como argumento pelo silêncio, utilizado para denominar uma conclusão que se baseia na ausência de uma afirmativa em documentos históricos (ao contrário da conclusão mais comum, baseada na presença de uma). No campo dos estudos clássicos, ele é geralmente se refere à indução a partir da falta de referências a um assunto nas obras disponíveis de um autor de que ele, portanto, ignoraria o tal assunto. Assim, na análise histórica com um argumento pelo silêncio, a falta de referência a um evento ou a um documento é utilizada para lançar dúvida sobre a existência de tal evento ou documento. A análise, portanto, pressupõe que o autor “deveria ter mencionado” esse tal evento ou documento pela importância que ele certamente tem. Um argumento pelo silêncio se aplica a um documento apenas se houver alguma expectativa de que o referido autor tinha acesso a ele, tinha a intenção de relatar a situação de forma abrangente e que o tal documento era importante ou interessante o suficiente para ter sido mencionado. Este tipo de argumentação é bastante diferente da argumentação pela ignorância, que se baseia numa total “ausência de evidência” e é amplamente considerado como pouco confiável; porém, os próprios argumentos pelo silêncio são considerados fracos ou até mesmo falaciosos em muitas situações.

6 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.


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A Palavra de Deus na Bíblia (48) Interpretação e tradução da Bíblia

17/06/2016 00:00 - Atualizado em 20/06/2016 13:29

Neste artigo iremos concluir as observações do documento ‘A Interpretação da Bíblia na Igreja’ (1993), sobre a ‘Abordagem Feminista’, no âmbito das ‘Abordagens Contextuais’, juntamente com aquela, já analisada anteriormente, a ‘Abordagem da Libertação’.

No que concerne os escritos neo-testamentários, o objeto do estudo, em definitivo, não é a concepção da mulher expressa no Novo Testamento, mas a reconstrução histórica de duas situações diferentes da mulher no primeiro século: aquela que era habitual na sociedade judaica e greco-romana e a outra, inovadora, instituída no movimento de Jesus e nas Igrejas paulinas, onde teria-se formado “uma comunidade de discípulos de Jesus, todos iguais”. Um dos apoios invocados para sustentar esta visão das coisas é o texto de Gal 3,28. O objetivo é redescobrir para o presente a história esquecida do papel da mulher na Igreja das origens1.

Importante notar a diferença no objeto de análise apresentada pelo documento: Não se analisa a concepção da mulher no NT, mas se reconstrói o perfil da mulher na sociedade greco-judaica, em geral negativa e aquele que se encontra no âmbito do ‘movimento de Jesus’, sempre igualitário.

A avaliação da Santa Sé sobre a abordagem feminista aponta diversos elementos positivos, contribuições à exegese e à vida da Igreja, em particular no século XX, sensível às conquista igualitárias da humanidade:

Numerosas são as contribuições positivas que provêm da exegese feminista. As mulheres tomaram assim uma parte mais ativa na pesquisa exegética. Elas conseguiram, muitas vezes melhor do que os homens, perceber a presença, o significado e o papel da mulher na Bíblia, na história das origens cristãs e na Igreja. O horizonte cultural moderno, graças à sua maior atenção à dignidade da mulher e ao papel dela na sociedade e na Igreja, faz com que sejam dirigidas ao texto bíblico interrogações novas, ocasiões de novas descobertas. A sensibilidade feminina leva a revelar e a corrigir certas interpretações correntes, que eram tendenciosas e visavam justificar a dominação do homem, sobre a mulher2.

No que concerne a sociedades mais antigas, como aquelas que encontramos nos textos do AT, a abordagem feminista procura, como propunha Bultmann, desmitificar a imagem de Deus, marcada pela visão androcêntrica e patriarcal:

No que concerne o Antigo Testamento, vários estudos esforçaram-se de chegar a uma compreensão melhor da imagem de Deus. O Deus da Bíblia não é projeção de uma mentalidade patriarcal. Ele é Pai, mas ele é também Deus de ternura e de amor maternais3.

Nas conclusões críticas do documento sobre esta abordagem e seu valor para a interpretação bíblica, a Comissão Bíblica acentua alguns problemas graves que devem ser considerados seriamente antes da utilização dos pressupostos colocados pelo feminismo.

Na medida em que a exegese feminista se fundamenta sobre uma ideia preconcebida, ela se expõe a interpretar os textos bíblicos de maneira tendenciosa e, portanto contestável. Para provar suas teses ela deve muitas vezes, na falta de melhor, recorrer a argumentos ex silentio. É sabido que estes são geralmente duvidosos; eles não podem nunca bastar para estabelecer solidamente uma conclusão. De outro lado, a tentativa feita para reconstituir, graças a indícios fugitivos discernidos nos textos, uma situação histórica que esses mesmos textos pretendem querer esconder, não corresponde mais a um trabalho de exegese propriamente dito, pois ela conduz à rejeição dos textos inspirados preferindo uma construção hipotética diferente4.

Destaco nesta avaliação, primeiramente a questão da relação entre a utilização de ‘uma ideia preconcebida’ que possibilita que a exegese feminista forneça ao leitor da Bíblia uma visão ‘de maneira tendenciosa e, portanto contestável’ e, portanto, uma falsificação da Bíblia. Além disso, o uso do argumento ‘ex silentio’5, da qual utilização decorre, não poucas vezes erros de avaliaçã do texto bíblico, pois, ‘É sabido que estes são geralmente duvidosos; eles não podem nunca bastar para estabelecer solidamente uma conclusão’

Um segundo elemento crítico apresentado pela Comissão Bíblica em relação à interpretação feminista, põe em relevo o fato que, no afã de reconstruir no texto bíblico, uma suposta situação histórica que se adeque ao método feminista e às suas finalidades, não se possa mais considerar este exercício como ‘exegese bíblica’ propriamente dita, na medida em que ‘ela conduz à rejeição dos textos inspirados preferindo uma construção hipotética diferente’.

Por fim, uma advertência da comissão ao uso desta abordagem conclui nossas observações sobre a Abordagem Feminista:

A exegese feminista propõe muitas vezes questões de poder na Igreja que são, sabe-se, objeto de discussões e mesmo de confrontos. Nesse domínio, a exegese feminista só poderá ser útil à Igreja na medida em que ela não cair nas armadilhas mesmas que denuncia e quando ela não perder de vista o ensinamento evangélico sobre o poder como serviço, ensinamento endereçado por Jesus a todos os seus discípulos, homens e mulheres6.

Referências:

1 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

2 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

3 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

4 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.

5 Argumentum ex silentio é um termo em latim, traduzido geralmente como argumento pelo silêncio, utilizado para denominar uma conclusão que se baseia na ausência de uma afirmativa em documentos históricos (ao contrário da conclusão mais comum, baseada na presença de uma). No campo dos estudos clássicos, ele é geralmente se refere à indução a partir da falta de referências a um assunto nas obras disponíveis de um autor de que ele, portanto, ignoraria o tal assunto. Assim, na análise histórica com um argumento pelo silêncio, a falta de referência a um evento ou a um documento é utilizada para lançar dúvida sobre a existência de tal evento ou documento. A análise, portanto, pressupõe que o autor “deveria ter mencionado” esse tal evento ou documento pela importância que ele certamente tem. Um argumento pelo silêncio se aplica a um documento apenas se houver alguma expectativa de que o referido autor tinha acesso a ele, tinha a intenção de relatar a situação de forma abrangente e que o tal documento era importante ou interessante o suficiente para ter sido mencionado. Este tipo de argumentação é bastante diferente da argumentação pela ignorância, que se baseia numa total “ausência de evidência” e é amplamente considerado como pouco confiável; porém, os próprios argumentos pelo silêncio são considerados fracos ou até mesmo falaciosos em muitas situações.

6 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html.


Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica