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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 13/05/2024

13 de Maio de 2024

A Palavra de Deus na Bíblia (40): Interpretação e tradução da Bíblia

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A Palavra de Deus na Bíblia (40): Interpretação e tradução da Bíblia

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01/04/2016 18:15 - Atualizado em 01/04/2016 18:17

A Palavra de Deus na Bíblia (40): Interpretação e tradução da Bíblia 0

01/04/2016 18:15 - Atualizado em 01/04/2016 18:17

Nestes próximos artigos apresentaremos as abordagens bíblicas que se nutrem de elementos das ciências humanas.

‘Para se comunicar, a Palavra de Deus se enraizou na vida de grupos humanos (cf Ecle 24,12), e ela traçou a si mesma um caminho através dos condicionamentos psicológicos das diversas pessoas que compuseram os escritos bíblicos. Resulta disso que as ciências humanas – em particular a sociologia, a antropologia e a psicologia – podem contribuir a uma compreensão melhor de certos aspectos dos textos’1.

Se partimos do raciocínio que a Bíblia é a Palavra de Deus dirigida aos homens, e escrita, por isso mesmo, pela pena humana, inspirada por Deus, quanto mais conhecermos a natureza humana, quanto mais gozamos de maior compreensão das Sagradas Escrituras.

Segundo o livro do Eclesiastes ou Quohelet2, acima citado, 24,12: “Então a voz do Criador do universo deu-me suas ordens, e aquele que me criou repousou sob minha tenda”, há no âmbito da Auto-Comunicação Divina, isto é, na perspectiva da Revelação, a necessidade de passar pela mentalidade, os condicionamentos, o contexto, humanos para chegar à essência da mensagem divina, e compreendê-la em todos os tempos.

Neste caminho de análise, três abordagens serão visitadas pela Pontifícia Comissão Bíblica: 1) sociologia; 2) antropologia cultural; 3) psicologia e a psicanálise.

A abordagem sociológica: os textos religiosos estão unidos por uma conexão de relação recíproca com as sociedades nas quais eles nascem. Esta constatação vale evidentemente para os textos bíblicos.

Consequentemente, o estudo crítico da Bíblia necessita de um conhecimento tão exato quanto possível dos comportamentos sociais que caracterizam os diversos ambientes nos quais as tradições bíblicas se formaram.

O documento adverte, no entanto, que não basta a ‘informação sócio-histórica’ para explicar suficientemente a Palavra de Deus!

‘Esse gênero de informação sócio-histórica deve ser completado por uma explicação sociológica correta, que interprete cientificamente, em cada caso, o alcance das condições sociais de existência’3.

Esta abordagem não é necessariamente uma ‘novidade’ no percurso da exegese bíblica; esta vem sendo utilizada desde o século XIX, com o surgimento do Método Histórico-crítico nos estudos das Sagradas Escrituras.

‘Na história da exegese, o ponto de vista sociológico encontrou seu lugar há muito tempo. A atenção que a “Formgeschichte”4 deu ao ambiente de origem dos textos (“Sitz im Leben”5) é um testemunho disso: reconhece-se que as tradições bíblicas levam a marca dos ambientes socioculturais que as transmitiram’6.

Portanto, na abordagem sociológica coloca-se em relevo a importância do conhecimento do contexto social de um texto em vista da sua interpretação.

O documento chega a afirmar que a abordagem sociológica passou a constituir um elemento integrante obrigatório da exegese moderna: ‘No primeiro terço do século XX a Escola de Chicago estudou a situação sócio-histórica da cristandade primitiva, dando assim à crítica histórica um impulso apreciável nesta direção. Não decorrer dos 20 últimos anos (1970-1990), a abordagem sociológica dos textos bíblicos tornou-se parte integrante da exegese’.7

As questões trazidas tanto ao AT quanto NT pela abordagem sociológica são imensas: Deve-se perguntar, por exemplo, quais são as diversas formas de organização social e religiosa que Israel conheceu no decorrer de sua história. Quais transformações econômicas, militares e outras foram provocadas na estrutura da sociedade pelo movimento de centralização política e religiosa que conduziu à monarquia? O estudo das normas de comportamento no Antigo Oriente e em Israel não contribui com mais eficácia à inteligência do Decálogo do que as tentativas puramente literárias de reconstrução de um texto primitivo?

Para a exegese do Novo Testamento, as questões são evidentemente diferentes. Citemos algumas delas: para explicar o gênero de vida adotado antes da Páscoa por Jesus e seus discípulos, qual valor pode-se dar à teoria de um movimento de carismáticos itinerantes, vivendo sem domicilio, nem família, nem bens? Foi mantida uma relação de continuidade, baseada sobre o chamado de Jesus a segui-lo, entre a atitude de desprendimento radical adotado por Jesus e aquela do movimento cristão após a Páscoa, nos mais diversos ambientes da cristandade primitiva? O que sabemos da estrutura social das comunidades paulinas, levando-se em conta, em cada caso, a cultura urbana correspondente?

No próximo artigo apresentaremos algumas objeções e críticas ao uso da abordagem sociológica no âmbito da exegese bíblica.

Referências:

1 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

2 O livro de Eclesiastes faz parte dos livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã e judaica, vem depois do Livro dos Provérbios e antes de Cântico dos Cânticos. O Livro tem seu nome emprestado da Septuaginta, e na Bíblia hebraica é chamado ‘Kohelet’ (קהלת). Embora tenha seu significado considerado como incerto, a palavra tem sido traduzida para o português como pregador ou preletor. Faz parte dos escritos atribuídos tradicionalmente ao Rei Salomão, por narrar fatos que coincidiriam com aqueles de sua vida.

3 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

4 ‘A Formgeschichte ou “Crítica da Forma”, ou ainda, “História das Formas”, refere-se ao estudo dos Gêneros Literários da Bíblia, sejam eles maiores (Evangelho,Apocalipse, Epístola, etc.), ou menores (Paradigmas, Sumários, Histórias de Milagres, etc.). Esse método lida com a investigação da transmissão oral do texto bíblico, isto é, pergunta pela história pré-literária do texto antes de o mesmo alcançar sua forma redacional definitiva. Por meio destas pesquisas, o método se propõe a (1) Identificar o gênero literário específico da perícope, bem como sua natureza e função originais, tendo em vista uma interpretação de gênero; e (2) determinar o contexto vivencial típico que originou tal forma literária específica no seio da comunidade de fé (seja Israel para o AT, seja a igreja das origens para o NT)’. Disponível em http://exegesedont.blogspot.pt/2007/02/exegese-de-mt1613-20.html (04/02/2016).

5 Sitz im Leben é uma expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos. Traduz-se comumente por “contexto vital”. De uma forma simples, o Sitz im Leben descreve em que ocasião uma determinada passagem da Bíblia foi escrita, ou seja, qual foi o fato que motivou o surgimento de um determinado gênero literário bíblico. Há dois tipos de sitz im Leben: o primário e o secundário. O primário se refere ao fato que promoveu a elaboração do gênero literário. O secundário se refere ao local onde era utilizado este gênero (Ex. Templo, Palácio, Portões da Cidade, etc). Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sitz_im_Leben (04/02/2016).

6 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

7 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

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A Palavra de Deus na Bíblia (40): Interpretação e tradução da Bíblia

01/04/2016 18:15 - Atualizado em 01/04/2016 18:17

Nestes próximos artigos apresentaremos as abordagens bíblicas que se nutrem de elementos das ciências humanas.

‘Para se comunicar, a Palavra de Deus se enraizou na vida de grupos humanos (cf Ecle 24,12), e ela traçou a si mesma um caminho através dos condicionamentos psicológicos das diversas pessoas que compuseram os escritos bíblicos. Resulta disso que as ciências humanas – em particular a sociologia, a antropologia e a psicologia – podem contribuir a uma compreensão melhor de certos aspectos dos textos’1.

Se partimos do raciocínio que a Bíblia é a Palavra de Deus dirigida aos homens, e escrita, por isso mesmo, pela pena humana, inspirada por Deus, quanto mais conhecermos a natureza humana, quanto mais gozamos de maior compreensão das Sagradas Escrituras.

Segundo o livro do Eclesiastes ou Quohelet2, acima citado, 24,12: “Então a voz do Criador do universo deu-me suas ordens, e aquele que me criou repousou sob minha tenda”, há no âmbito da Auto-Comunicação Divina, isto é, na perspectiva da Revelação, a necessidade de passar pela mentalidade, os condicionamentos, o contexto, humanos para chegar à essência da mensagem divina, e compreendê-la em todos os tempos.

Neste caminho de análise, três abordagens serão visitadas pela Pontifícia Comissão Bíblica: 1) sociologia; 2) antropologia cultural; 3) psicologia e a psicanálise.

A abordagem sociológica: os textos religiosos estão unidos por uma conexão de relação recíproca com as sociedades nas quais eles nascem. Esta constatação vale evidentemente para os textos bíblicos.

Consequentemente, o estudo crítico da Bíblia necessita de um conhecimento tão exato quanto possível dos comportamentos sociais que caracterizam os diversos ambientes nos quais as tradições bíblicas se formaram.

O documento adverte, no entanto, que não basta a ‘informação sócio-histórica’ para explicar suficientemente a Palavra de Deus!

‘Esse gênero de informação sócio-histórica deve ser completado por uma explicação sociológica correta, que interprete cientificamente, em cada caso, o alcance das condições sociais de existência’3.

Esta abordagem não é necessariamente uma ‘novidade’ no percurso da exegese bíblica; esta vem sendo utilizada desde o século XIX, com o surgimento do Método Histórico-crítico nos estudos das Sagradas Escrituras.

‘Na história da exegese, o ponto de vista sociológico encontrou seu lugar há muito tempo. A atenção que a “Formgeschichte”4 deu ao ambiente de origem dos textos (“Sitz im Leben”5) é um testemunho disso: reconhece-se que as tradições bíblicas levam a marca dos ambientes socioculturais que as transmitiram’6.

Portanto, na abordagem sociológica coloca-se em relevo a importância do conhecimento do contexto social de um texto em vista da sua interpretação.

O documento chega a afirmar que a abordagem sociológica passou a constituir um elemento integrante obrigatório da exegese moderna: ‘No primeiro terço do século XX a Escola de Chicago estudou a situação sócio-histórica da cristandade primitiva, dando assim à crítica histórica um impulso apreciável nesta direção. Não decorrer dos 20 últimos anos (1970-1990), a abordagem sociológica dos textos bíblicos tornou-se parte integrante da exegese’.7

As questões trazidas tanto ao AT quanto NT pela abordagem sociológica são imensas: Deve-se perguntar, por exemplo, quais são as diversas formas de organização social e religiosa que Israel conheceu no decorrer de sua história. Quais transformações econômicas, militares e outras foram provocadas na estrutura da sociedade pelo movimento de centralização política e religiosa que conduziu à monarquia? O estudo das normas de comportamento no Antigo Oriente e em Israel não contribui com mais eficácia à inteligência do Decálogo do que as tentativas puramente literárias de reconstrução de um texto primitivo?

Para a exegese do Novo Testamento, as questões são evidentemente diferentes. Citemos algumas delas: para explicar o gênero de vida adotado antes da Páscoa por Jesus e seus discípulos, qual valor pode-se dar à teoria de um movimento de carismáticos itinerantes, vivendo sem domicilio, nem família, nem bens? Foi mantida uma relação de continuidade, baseada sobre o chamado de Jesus a segui-lo, entre a atitude de desprendimento radical adotado por Jesus e aquela do movimento cristão após a Páscoa, nos mais diversos ambientes da cristandade primitiva? O que sabemos da estrutura social das comunidades paulinas, levando-se em conta, em cada caso, a cultura urbana correspondente?

No próximo artigo apresentaremos algumas objeções e críticas ao uso da abordagem sociológica no âmbito da exegese bíblica.

Referências:

1 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

2 O livro de Eclesiastes faz parte dos livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã e judaica, vem depois do Livro dos Provérbios e antes de Cântico dos Cânticos. O Livro tem seu nome emprestado da Septuaginta, e na Bíblia hebraica é chamado ‘Kohelet’ (קהלת). Embora tenha seu significado considerado como incerto, a palavra tem sido traduzida para o português como pregador ou preletor. Faz parte dos escritos atribuídos tradicionalmente ao Rei Salomão, por narrar fatos que coincidiriam com aqueles de sua vida.

3 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

4 ‘A Formgeschichte ou “Crítica da Forma”, ou ainda, “História das Formas”, refere-se ao estudo dos Gêneros Literários da Bíblia, sejam eles maiores (Evangelho,Apocalipse, Epístola, etc.), ou menores (Paradigmas, Sumários, Histórias de Milagres, etc.). Esse método lida com a investigação da transmissão oral do texto bíblico, isto é, pergunta pela história pré-literária do texto antes de o mesmo alcançar sua forma redacional definitiva. Por meio destas pesquisas, o método se propõe a (1) Identificar o gênero literário específico da perícope, bem como sua natureza e função originais, tendo em vista uma interpretação de gênero; e (2) determinar o contexto vivencial típico que originou tal forma literária específica no seio da comunidade de fé (seja Israel para o AT, seja a igreja das origens para o NT)’. Disponível em http://exegesedont.blogspot.pt/2007/02/exegese-de-mt1613-20.html (04/02/2016).

5 Sitz im Leben é uma expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos. Traduz-se comumente por “contexto vital”. De uma forma simples, o Sitz im Leben descreve em que ocasião uma determinada passagem da Bíblia foi escrita, ou seja, qual foi o fato que motivou o surgimento de um determinado gênero literário bíblico. Há dois tipos de sitz im Leben: o primário e o secundário. O primário se refere ao fato que promoveu a elaboração do gênero literário. O secundário se refere ao local onde era utilizado este gênero (Ex. Templo, Palácio, Portões da Cidade, etc). Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sitz_im_Leben (04/02/2016).

6 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

7 http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_199) 30415_interpretazione_po.html#I

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos
Autor

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Doutor em Teologia Bíblica