03 de Fevereiro de 2025
Pedra, maçã, bife
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08/11/2013 15:42 - Atualizado em 08/11/2013 16:03
Pedra, maçã, bife 0
08/11/2013 15:42 - Atualizado em 08/11/2013 16:03
Substantivos concretos servem à poesia que é a fina flor da literatura. Em um de seus mais conhecidos poemas, Drummond de Andrade repete: “No meio do caminho tinha uma pedra”.
Houve quem interpretasse a pedra como sendo a poesia bruta a ser construída e burilada pelo poeta, à semelhança do maciço de mármore que o escultor faz surgir à figura com seu cinzel e acerta as arestas. Poesia, o trabalho de escultor paciente, bem artesanal. Nada de inspiração fortuita e alienada. Ao contrário, é fruto do empenho “das retinas tão fatigadas” do poeta.
No entanto, o poeta dissera que se tratava de pedra mesmo. Desencanta. O concreto da pedra, a simples pedra vista e mantida na retina ou na memória é o encanto. A pedra nunca esquecida na vida de suas retinas cansadas de ver. De repente, por um olhar poético inesperado, a simples pedra diz mais. Chama a atenção da retina fatigada de ver tantas outras. Não será uma pedra qualquer.
Jesus se serviu da pedra como obstáculo transponível pela força poderosa da fé. Nada tem de moralidade nem de sapiencial. Trata-se da pedra-desafio e da fé desafiadora. A fé que remove montanhas.
João Cabral de estilo seco, contido e pétreo escreveu a “Pedra do Sono”. Quebrou com a tradição do simbolismo da linguagem e da pompa retórica, trazendo a materialidade da escrita para sua poesia. Trazia consigo a realidade dura do canavial pernambucano em “Morte e Vida Severina”. A concretude da luta pela vida falava por si na estética do drama.
O poeta dizia com frequência que a palavra maçã era mais poética do que os termos angústia, tristeza ou outro sentimento, bem a gosto de certos. A fruta fazia ver a cor e o formato. Exalava o cheiro inconfundível. Excitava o paladar. Dá água na boca. Encanta os olhos. Do concreto à poética ou simplesmente a poética do concreto.
Jesus nas parábolas usava imagens da vida campestre: semente, grão de mostarda, ovelha, cabrito. Da vida econômica e social: banco, administrador, patrão, senhor, servo. Ensinava sobre o reino dos céus com imagens e alegorias da Terra. O Reino de Deus se tornava próximo. Reconhecido no meio pela humanidade tão expressiva de divindade a desde as alegrias até o sofrimento e a morte. Como é importante retornar à simplicidade das narrativas evangélicas.
Outro dia o Papa Francisco dirigiu-se às Irmãs Clarissas. Propôs-lhes uma clausura de grande humanidade. Especialmente, uma “religiosa tão humana”. Para tanto, contrapunha a um caminho “não demasiado espiritual”. Vale reescrever: “Quando as religiosas são demasiado espirituais... Penso na fundadora dos mosteiros da vossa concorrência, por exemplo, Santa Teresa. Quando uma irmã ia ter com ela, oh, com coisas (demasiado espirituais), dizia à cozinheira: ‘Dá-lhe um bife!’ ”. Tudo isso porque Jesus veio na carne. Isto nos dá “uma santidade humana, grandiosa, bonita e madura, uma santidade de mãe”. Dar um bife ou recebê-lo é volta à vida no que tem de humano e simples, sem falsas espiritualizações.
Portanto, a concretude e os pés no chão não servem somente para a poesia moderna ainda que não seja a engajada ou aquela comprometida com a problemática social. Serve também e bastante à fé, que deseja ser autêntica, isto é, operosa pela caridade e impulsionada pela esperança.
Pedra, maçã, bife
08/11/2013 15:42 - Atualizado em 08/11/2013 16:03
Substantivos concretos servem à poesia que é a fina flor da literatura. Em um de seus mais conhecidos poemas, Drummond de Andrade repete: “No meio do caminho tinha uma pedra”.
Houve quem interpretasse a pedra como sendo a poesia bruta a ser construída e burilada pelo poeta, à semelhança do maciço de mármore que o escultor faz surgir à figura com seu cinzel e acerta as arestas. Poesia, o trabalho de escultor paciente, bem artesanal. Nada de inspiração fortuita e alienada. Ao contrário, é fruto do empenho “das retinas tão fatigadas” do poeta.
No entanto, o poeta dissera que se tratava de pedra mesmo. Desencanta. O concreto da pedra, a simples pedra vista e mantida na retina ou na memória é o encanto. A pedra nunca esquecida na vida de suas retinas cansadas de ver. De repente, por um olhar poético inesperado, a simples pedra diz mais. Chama a atenção da retina fatigada de ver tantas outras. Não será uma pedra qualquer.
Jesus se serviu da pedra como obstáculo transponível pela força poderosa da fé. Nada tem de moralidade nem de sapiencial. Trata-se da pedra-desafio e da fé desafiadora. A fé que remove montanhas.
João Cabral de estilo seco, contido e pétreo escreveu a “Pedra do Sono”. Quebrou com a tradição do simbolismo da linguagem e da pompa retórica, trazendo a materialidade da escrita para sua poesia. Trazia consigo a realidade dura do canavial pernambucano em “Morte e Vida Severina”. A concretude da luta pela vida falava por si na estética do drama.
O poeta dizia com frequência que a palavra maçã era mais poética do que os termos angústia, tristeza ou outro sentimento, bem a gosto de certos. A fruta fazia ver a cor e o formato. Exalava o cheiro inconfundível. Excitava o paladar. Dá água na boca. Encanta os olhos. Do concreto à poética ou simplesmente a poética do concreto.
Jesus nas parábolas usava imagens da vida campestre: semente, grão de mostarda, ovelha, cabrito. Da vida econômica e social: banco, administrador, patrão, senhor, servo. Ensinava sobre o reino dos céus com imagens e alegorias da Terra. O Reino de Deus se tornava próximo. Reconhecido no meio pela humanidade tão expressiva de divindade a desde as alegrias até o sofrimento e a morte. Como é importante retornar à simplicidade das narrativas evangélicas.
Outro dia o Papa Francisco dirigiu-se às Irmãs Clarissas. Propôs-lhes uma clausura de grande humanidade. Especialmente, uma “religiosa tão humana”. Para tanto, contrapunha a um caminho “não demasiado espiritual”. Vale reescrever: “Quando as religiosas são demasiado espirituais... Penso na fundadora dos mosteiros da vossa concorrência, por exemplo, Santa Teresa. Quando uma irmã ia ter com ela, oh, com coisas (demasiado espirituais), dizia à cozinheira: ‘Dá-lhe um bife!’ ”. Tudo isso porque Jesus veio na carne. Isto nos dá “uma santidade humana, grandiosa, bonita e madura, uma santidade de mãe”. Dar um bife ou recebê-lo é volta à vida no que tem de humano e simples, sem falsas espiritualizações.
Portanto, a concretude e os pés no chão não servem somente para a poesia moderna ainda que não seja a engajada ou aquela comprometida com a problemática social. Serve também e bastante à fé, que deseja ser autêntica, isto é, operosa pela caridade e impulsionada pela esperança.
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