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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 28/04/2024

28 de Abril de 2024

Nostra Aetate: Um olhar sobre a Declaração do Vaticano II

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Nostra Aetate: Um olhar sobre a Declaração do Vaticano II

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29/01/2015 17:12 - Atualizado em 29/01/2015 17:12
Por: Redação

Nostra Aetate: Um olhar sobre a Declaração do Vaticano II 0

1.      Igreja Católica e religiões não cristãs

A Declaração Nostra Aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs foi aprovada a 28 de Outubro de 19651. Esta se articula em cinco números. Na introdução existem três afirmações:

1. Dada a interdependência entre os povos, para favorecer a unidade e a caridade entre os povos a Igreja examina nas diversas religiões o que os homens têm em comum e o que os impele a um recíproco convívio;

2. Tendo os povos uma só origem e constituindo uma só comunidade, estes têm também um só fim último, Deus, cuja providência, bondade e desígnio de salvação se estendem a todos, até que os eleitos se reúnam na cidade santa, que a glória de Deus iluminará e onde os povos caminharão na sua luz;

3. Por consequência os homens esperam das várias religiões a resposta acerca dos obscuros enigmas da condição humana: que coisa é o homem? Qual é o sentido e a finalidade da vida? O que é o bem, o pecado, a dor, a felicidade, a morte, o juízo final?

Na Declaração toma em consideração algumas das principais religiões do mundo2, hinduísmo e budismo, e conclui: A Igreja católica nada rejeita quanto nestas religiões é verdadeiro e santo. Exorta, pois os católicos a anunciar incessantemente Cristo plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou em si todas as coisas.  

2. Hinduísmo

Avizinhemo-nos mais do Hinduísmo, considerado em geral uma religião mística. O hinduísmo é mais um «simpósio» de religiões que uma religião propriamente dita. Não tem uma origem histórica com um fundador carismático. As suas fontes são as especulações místicas e míticas contidas nos chamados livros revelados e nas tradições, que foram evoluindo e ampliadas como uma bola de neve que se torna montanha. Nisto consiste também a sua longevidade.

O hinduísmo poder-se-ia chamar a religião do dharma (lei da harmonia universal), que contém os seguintes elementos fundamentais.

A relação brahman-atman (o princípio cósmico e o pessoal): o fim do homem é o de perder-se no brahman.

A lei do Karma-samsara (a lei da repercussão das próprias ações sobre o destino do renascimento ou da reencarnação): esta lei dura até quando não se esteja completamente purificado.

A consequência prática social das castas (varna) das quais três superiores (brahmana, sacrificadores [brâmanes ou sacerdotes], depositários do saber védico;  kshatriya, guerreiros; 3. vaishia, produtores e a quarta inferior (shudra, servidores), além dos sem casta.

 A noção de redenção ou de salvação consiste essencialmente na libertação (mukti) do samsara (ciclo dos nascimentos) e do maya (a multiplicidade da aparência que é ilusória) e na imersão no brahman.

As três vias da libertação. No hinduísmo distinguem-se dois comportamentos.

Existe antes de mais, um comportamento chamado o do macaco, exemplificado no comportamento do filhote do macaco, que é activo desde o seu nascimento e que se prende estreitamente à mãe para encontrar refúgio e proteção. Este comportamento implica duas vias: a via do conhecimento (jnana-marga), que ensina a conhecer a própria realidade e a distanciar-se do mundo, e a via da ação (karma-marga), que implica ações rituais e comportamentos sociais desinteressados.

O segundo comportamento é o do gato, exemplificado sobre o filhote do gato que é passivo e que encontra refúgio na proteção materna e que implica um empenho de devoção: a via do amor (bhakti-marga). Enquanto que nas primeiras duas vias a libertação é fruto do conhecimento (vidya) e iniciativa pessoal, na terceira, essa é tanto um dom do alto como uma conquista do homem. A libertação é em todo o caso uma fusão completa do atman com brahman, é um perder-se no eu cósmico.

Enquanto que as duas primeiras vias são próprias das classes sociais mais altas, que podem aceder ao conhecimento e à libertação mediante a obra de gurus ou de mestres de yoga (meditação), a terceira via é aberta a todos mesmo aos shudra e às mulheres e vive-se e manifesta-se na religião popular.

 Podem distinguir-se três grandes religiões hindus: o Vixnuísmo, com a veneração do deus solar Vixnu; o Xivaísmo, com a veneração do deus Shiva; o Shaktismo, com a veneração de divindades femininas. Particularmente viva a devoção a Krishna, avatar de Vixnu, que representa um autêntico santo protector para quantos recorrem à sua intercessão. Na Bhagavad-gita a via da devoção é sobretudo um comportamento de devoção a Krishna: Fixa a tua mente em mim. Sê meu devoto, sacrifica a mim, inclina-te diante de mim e depois de teres-te assim exercitado, dedicado a mim, tu me alcançarás.

2.2. Uma avaliação

Como se vê, o hinduísmo é misto de religiões, um misto de reagrupamentos humanos e sociais, de livros e de tradições sacras, de filosofias e de concepções do mundo, de «dharma», de vias de libertação. Uma sua constante é a profunda religiosidade. O Hindu é religioso por intrínseca convição. Para ele o divino é real como o ar que respira. Ainda que se sentindo profundamente imerso neste fluir cósmico, ele tende existencialmente à plena libertação em Deus, desde que se entenda esta sua união com o ser supremo. E a tal fim empenha todas as energias do seu ser. As vias do conhecimento, da meditação, da renúncia, da ação ascética e da devoção são os instrumentos para alcançar este contato místico com Deus.

No hinduísmo o primado é dado à vida espiritual como uma constante procura da salvação espiritual. Neste contexto vem sublinhada a elevação da vida moral, mediante o exercício das virtudes humanas como o respeito pelos homens e pela natureza, a gentileza, a honestidade, a ascese. Daqui deriva também a sua tolerância para com outras religiões reconhecidas vias mais ou menos adequadas de salvação. Por isso no hinduísmo está sempre em ato um comportamento de assimilação dos elementos positivos das outras religiões. Veja-se por exemplo, o movimento neo-hinduísta da Ramakrishna Mission (fundada em 1879 pelos discípulos de Shri Ramakrishna), que considera os fundadores de outras religiões como encarnações da única divindade. Por isso também Jesus Cristo é admirado como um significativo avatar divino com uma extraordinária doutrina moral e religiosa. Assim fazendo, no entanto, o hinduísmo não se considera como uma alternativa ao cristianismo, mas assimilando a religião cristã, apresenta-se como uma religião global e não parcial e por isso, superior ao próprio cristianismo.

O limite sócio-religioso mais relevante do hinduísmo – que depois se torna um dado cultural que permeia todo o ambiente - é o das castas: o homo religiosus hindu é também o homo hierarchicus com uma ainda hoje incomunicabilidade sócio-religiosa entre as várias castas. Por consequência o conceito de amor e de serviço ao próximo é em muito limitado, enquanto é difundidíssima a discriminação socioeconómica, não só tolerada, mas justificada também religiosamente.

Para além da concepção da equivalência de fundo de todas as religiões, todas substancialmente válidas no manifestar a única realidade divina, uma outra dificuldade no diálogo inter-religioso com o hinduísmo advém da falta de atenção à dimensão histórica da salvação. O cristianismo vê no acontecimento histórico de Cristo a suprema manifestação salvífica por parte de Deus à humanidade. Por consequência, a salvação cristã não é uma fuga da existência, mas uma valorização suprema da história pessoal, que encontra não a sua anulação mas o seu cumprimento na vida eterna também na sua dimensão cósmica e corpórea.

Elencamos outros limites da concepção hindu: um certo politeísmo idolátrico sobretudo nas religiões populares; a falta do conceito de criação, pelo que o mundo eterno retorna ciclicamente sobre si mesmo; a ausência da noção de pessoa como valor absoluto: cada homem parece não ter identidade própria, reduzido a uma aparência de si mesmo, de nenhum ou de cem mil; falta também a ideia de pecado, como ato pessoal e voluntário de ofensa contra a bondade e o amor de Deus (o pecado ou é um erro que se pode reparar sozinhos ou é um dado que se recebe sem responsabilidade pessoal); a falta, por consequência, da exigência de um redentor que salva; a procura da salvação por outro lado, não é um fato comunitário mas essencialmente individualista.

À luz de quanto dito é por outro lado positiva a síntese avaliativa que do hinduísmo faz a declaração conciliar Nostra Aetate:

Assim no hinduísmo os homens perscrutam o mistério divino e exprimem-no coma inexaurível fecundidade dos mitos e com as penetrantes tentativas da filosofia, estes procuram a libertação das angústias da nossa condição seja através de formas de vida ascética, seja na meditação profunda, seja no refúgio em Deus com amor e intimidade.

3. Budismo

3.1. Apresentação

O budismo é geralmente chamado uma religião ascética. Se o hinduísmo é uma religião mítica, o budismo é uma religião histórica. Se o hindu tem o olhar da mente voltado para Deus, o budista tem-no voltado para si mesmo. O budismo tem origem na tradição ascética e espiritual de Buda, personagem histórica que viveu, como Lao-Tsé e Confúcio, entre o VI e o V século a.C. Os textos sagrados do budismo (sessenta livros) estão contidos no Cânone Pali (em língua Pali), chamado também Tripitaka (ou três cestas) redigido na sua forma actual por volta do I século d.C. Este contém a cesta da disciplina (vinaya) com as regras da ordem budista; a cesta da doutrina (sutta) com os discursos de Buda; e a cesta da filosofia (abhidarma) com o comentário à sua doutrina. Existe também o Cânone Sânscrito.

Podemos recolher em torno das seguintes afirmações o ensinamento fundamental do budismo, que exprime verdades naturais, não reveladas do alto:

Buda aceita a lei hindu do Karma-samsara.

Rejeita, no entanto, a do brahman-atman, e assim da existência do eu cósmico e do eu pessoal, propondo em vez disso a doutrina do anatta (não-eu). Segundo Buda a fonte de todo o mal, sofrimento, ilusão e desilusão é precisamente a afirmação do eu. Este é o coração do ensinamento budista.

Buda diagnosticou, portanto, a fonte do sofrimento (dukka), ensinando a via para sair deste e para entrar no nirvana. No famoso discurso de Benares, Buda elenca quatro nobres verdades.

a) A primeira é considerar que tudo é sofrimento (duhkha): o nascimento, a doença, a morte, estar unido ao que não se ama, estar separado do que não se ama, não ter aquilo que se deseja.

b) A segunda é considerar que a causa do duhkha seja a sede de existir, do prazer, da satisfação.

c) A terceira nobre verdade é o esforço para o abandono e o afastamento completo desta sede e o seu cessar. Para chegar ao cancelamento do sofrimento, existe a chamada óctupla via, formada de: recta compreensão, recta intenção, recta palavra, recta ação, recta vida, recto esforço, recta intenção, recto recolhimento.

d) A quarta nobre verdade é acreditar que, uma vez libertos desta sede (ou seja a libertação do karma e do samsara), entra-se no nirvana, que é um estado de paz e de pureza, extinção completa do desejo de viver.

4. O conjunto do ensinamento budista está recolhido nas três jóias que são o Buda, o Dharma (a doutrina) e o Sangha (a comunidade budista composta por monges e leigos).

5. Ao longo dos séculos desenvolveram-se três tradições budistas, chamadas os três veículos.

a. Existe antes de mais o budismo Hinayana ou Pequeno Veiculo o Theravada (tradicional), que representa forma mais pura do budismo (presente em Myanmar, Tailândia, Sri Lanka) e no qual o ideal do budista é o monge.

b. A segunda grande tradição budista, aparecida no início da nossa era cristã e difusa na China, Coreia, Japão, é chamada Mahayana ou Grande Veiculo e não é reservado só a poucos, mas aberto também aos leigos. O ideal aqui não é o monge solitário que avança imperturbavelmente para o nirvana com a sua ascese total, mas o bodhisattva, ou seja o aquele que ainda que tendo tocado a fronteira do nirvana, continua sobre a terra a ajudar os seus semelhantes a alcançar a libertação do sofrimento. No budismo Mahayana a salvação não é só fruto da ascese, mas sobretudo da ajuda misericordiosa do Buda e dos bodhisattva.

c. Existe, por fim, o budismo tibetano chamado Tantrayana ou Vajrayana ou Veiculo do diamante, fundado sobre o uso de fórmulas mágicas (mantra) juntamente com as formas da meditação budista. Expoentes típicos deste budismo são os Lama.

6. Não obstante o fato de o budismo seja essencialmente uma ascese interiorizada, não falta sobretudo entre os leigos, uma série de práticas religiosas rituais, como por exemplo a peregrinação aos templos e mosteiros famosos, a meditação, a oferta de coroas de flores, perfumes, vestes e comida aos monges. No budismo Mahayana e Vajrayana é praticada uma verdadeira forma de religiosidade popular para com Buda e para com os seus bodhisattva que representam os intermediários para alcançar-se o nirvana.

7. Na escola budista japonesa dita «Zen» sublinha-se a meditação para atingir uma adequada iluminação da budidade (satori). Em concreto, mais que procura intelectual, o método consiste no ocupar a mente com um problema sem lógica solução (koan), ou permanecendo sentados procurando esvaziar-se dos pensamentos próprios e saindo da temporalidade. Os devotos são como pássaros que voam e cantam livres no céu, ou como peixes no mar. Não meditam com uma finalidade.

3.2. Avaliação

O budismo é uma via de salvação e de libertação do homem do seu sofrimento. A ênfase no budismo tradicional é colocada na ascese pessoal, não tanto sobre a ajuda externa ou do alto. Cada um é salvador e libertador de si mesmo.

A salvação consiste no nirvana, que representa a única realidade omnicompreensiva e omnibeatificante, e que não pode ser representada. O nirvana é o Absoluto, mas não um Deus pessoal. Por isso a salvação não é uma realidade que se cumpra inter-pessoalmente. Frequentemente aplica-se ao nirvana a analogia da teologia negativa ou apofática.

Neste contexto, a realidade da Trindade e a de Jesus Cristo não são compreensíveis. Jesus Cristo como mediador é uma figura não necessária para o monge budista. A pretensão da sua divindade aumenta ainda mais a perplexidade dos budistas a tal respeito. As categorias de mediação cristã (igreja, graça, sacramentos, oração) perdem significado. Também a morte e a dor redentora de Cristo, são realidades desconhecidas e difíceis de compreender e de aceitar. O eterno sorriso do Buda e a dramaticidade do Crucifixo são as melhores sínteses das duas visões religiosas. A salvação e a libertação budista não derivam do exterior, do alto ou de outro, mas reside no esforço ascético do indíviduo.

O budismo, como o hinduísmo, não tem a noção de pecado. A única realidade de que é necessário libertar-se é o samsara, o ciclo das reencarnações. O único meio para atingir o nirvana não é o perdão dos pecados por parte de Deus, mas o esforço ascético para extinguir o brama da existência e da satisfação do prazer.

Por isso, a vida ascética dos monges budistas é de uma exemplaridade humana excepcional: a sua pobreza e a sua castidade são um testemunho formidável da força interior e espiritual do homem para dominar e disciplinar os seus instintos mais profundamente humanos. Deste ponto de vista, existe um ponto de contato existencial entre a ascética budista e a vida religiosa católica.

É necessário precisar aqui que no budismo Mahayana a salvação não só é confiada à ascese do singular, mas vem concedida também do alto com a ajuda de Buda e dos bodhisattva. Daqui a difundida prática devocional por parte dos leigos que se exprime na construção dos templos, nas ofertas rituais, etc. E mais, para algumas correntes budistas, Buda é considerado como uma autêntica divindade, com uma função de mediação e de concessão de graças. No Amidismo, que se desenvolveu na China e no Japão a partir do V século d.C., Buda, chamado também de Amida, é autêntico salvador do alto. Basta a fé nele para ser-se salvado. Aliás, para as pessoas basta pronunciarem a fórmula «Homenagem a Amida Buda» para ficarem certas de que renascerão no paraíso do Ocidente.

Eis a súmula da síntese avaliativa da Nostra Aetate:

No budismo, segundo as suas várias escolas, é reconhecida a radical insuficiência deste mundo mutável e ensina-se uma via para a qual os homens, com coração devoto e confiante, sejam capazes de adquirir o estado de libertação perfeita ou de chegar ao estado de iluminação suprema seja pelos próprios esforços, seja coma a ajuda vinda do alto.


4.A religião muçulmana

4.1. Apresentação

O Islã é a religião da lei. É religião histórica como o budismo. Juntamente como o hebraísmo e com o cristianismo, é uma religião monoteísta. Fundador e profeta supremo é Maomé, morto a 8 de Junho de 632 d.C., quase dez anos depois do início da era muçulmana fixada em 662, quando, expulso de Meca, Maomé se dirigiu para a futura cidade de Medina.

O livro sagrado dos muçulmanos é o Corão (alqor’an em árabe significa recitação), que se compõe de 114 suras ou capítulos, dispostos não por ordem de assuntos, mas de acordo com a quantidade de conteúdo. O Corão não é um livro composto por Maomé, mas é considerado como uma verdade que é eternamente presente em Deus e que foi ditada literalmente por Deus ao profeta. O Islã considera que o Corão seja um milagre grandioso, antes, o único e verdadeiro milagre atribuível a Maomé. Por isso, o Corão é memorizado em árabe também por quem não conhece e não compreende esta língua. É considerado a revelação definitiva que supera todas as outras.

O catecismo muçulmano é concentrado em duas fórmulas de fé.

A primeira, chamada iman (fé integral), diz:

Creio

1. Em Deus: unicidade de Deus, infinito, pessoal, justíssimo.

2. Nos seus Anjos, que são criaturas divinas que cuidam dos homens.

3. Nos seus livros revelados aos profetas: ou seja a Lei de Moisés, os salmos de David, o evangelho de Jesus e o Corão de Maomé. Na prática crê-se só no Corão, que seria a perfeição de toda a revelação.

4. Nos seus profetas: são muitíssimos, os mais significativos, são Adão, Moisés, Jesus, todos, porém, superados em muitíssimo por Maomé.

5. No dia do juízo: no qual o bom muçulmano será premiado com o paraíso enquanto que o mau será condenado ao inferno.

6. Na vida depois da morte.

A segunda fórmula, denominada Islã (abandono em Deus), contêm a síntese talvez mais visível da fé muçulmana.

Confesso

1. que não existe Deus senão Alá e Maomé é o seu profeta

2. professo a chamada para a oração: a fazer-se cinco vezes por dia, no amanhecer, ao meio-dia, à tarde, ao anoitecer e à noite3;

3. a obrigação da esmola: é uma espécie de dízimo que todos os muçulmanos devem dar para os pobres, para a difusão do Islã, para a purificação dos ricos;

4. a obrigação do jejum no mês do Ramadão: dura um mês inteiro durante o qual não se pode comer nem beber absolutamente nada do nascer do sol até às primeiras sombras do anoitecer (não se pode sequer fumar);

5. a obrigação da peregrinação a Meca: ao menos uma vez na vida. Tal peregrinação tem um ritual preciso: girar sete vezes entorno da Kaaba, tocar e beijar a pedra negra, oferecer um sacrifico e outras prescrições. Pode-se também acrescentar a visita à tumba de Maomé em Medina e uma peregrinação a Jerusalém. Em Meca todos os muçulmanos sentem-se irmãos igualizados também pela túnica branca dos peregrinos.

Já se viu que a figura de Jesus no Islã é a de um profeta inferior a Maomé, ainda que tenha uma doutrina moral excepcionalmente alta. Aceita-se o seu nascimento virginal de Maria e os seus milagres. Rejeita-se a sua pretensão de ser filho de Deus e de ser o salvador da humanidade e nega-se a sua morte na cruz, porque um verdadeiro profeta de Deus não pode morrer ingloriamente.

4.2. Avaliação

O Islã é uma religião tranquilizadora. O essencial da fé está concentrado nas fórmulas imutáveis e brevíssimas. Também o agir moral do pio muçulmano está ligado a preceitos e a rituais simples e repetitivos. É uma moral «humana», clara e sem grandes empenhos ascéticos. Nós poderemos chamá-la «extrínsecistica», que exige a pura observação externa, sem participação interior. Por isso é uma moral da consciência tranquila. Uma moral fundamentalista que dá serenidade à consciência observante.

O Islã é além disso uma religião sem dogmas, sem sacerdócio, sem magistério oficial. Explica-se assim a sua enorme difusão, sobretudo entre o povo simples. A esse respeito, faz-se notar o uso legítimo da poligamia (até quatro mulheres), com uma consideração da mulher ainda insuficiente.

O Islã é chamado também a religião do temor de Deus, mais do que do seu amor (só por duas vezes se fala no Corão de amor de Deus). Deus, ainda que também seja chamado o misericordioso, não intervém para perdoar e salvar os pecadores. Basta a observância do Corão. O muçulmano encontra Deus na palavra do Corão, que não munda nunca.

O Islã conserva um monoteísmo absoluto, com a fé num Deus pessoal e transcendente ao qual se atribui uma ladainha de nomes maravilhosos.

Eis a avaliação que nos dá Nostra Aetate:

A Igreja olha com estima também os muçulmanos que adoram o único Deus, vivente e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens. Estes procuram também submeter-se com todo o coração aos decretos escondidos de Deus, como se submeteu Abraão, ao qual a fé islâmica de bom agrado faz referência. Se bem que estes não reconheçam Jesus como Deus, veneram-no como profeta; honram a sua mãe virgem Maria por vezes a invocam mesmo com devoção. Para além disso esperam o dia do juízo quando Deus recompensará todos os homens ressuscitados. Assim, estes igualmente têm em estima a vida moral e rendem culto a Deus sobretudo com a oração, a esmola e o jejum. Se no curso dos séculos nãos poucas dissensões e inimizades surgiram entre cristãos e muçulmanos, o sacrossanto concilio exorta todos a esquecer o passado e a exercitar sinceramente a mútua compreensão e além disso a defender e a promover conjuntamente, para todos os homens, a justiça social, os valores morais, a paz e a liberdade».

4.3 Ulterior reflexão sobre o Islã

Hoje, à distância de 50 anos, pode-se fazer pelo menos uma ulterior consideração. É um fato que o Islã coloca graves problemas de ordem universal pelo fanatismo e pela agressividade destrutiva (11 de Setembro de 2001) de alguns dos seus membros, os chamados fundamentalistas.

Sem entrar em argumentos político-religiosos, digamos só que a Igreja Católica com o diálogo procura em todos os modos fazer-se porta-voz de paz e de fraternidade universal. Depois da sua recente viagem à Turquia (2014), o Papa Francisco disse: «Com as Autoridades falámos da violência. É precisamente o esquecimento de Deus e não a sua glorificação, que gera a violência. Por isso insisti sobre a importância que cristãos e muçulmanos se empenhem juntos para a solidariedade, para a paz e a justiça, afirmando que cada Estado deve assegurar aos cidadãos às comunidades religiosas uma real liberdade de culto.

5. A religião judaica

No n. 4 a Declaração Nostra Aetate trata da religião judaica, que substancialmente é bastante conhecida para os católicos. O povo do Novo Testamento está espiritualmente ligado com a estirpe de Abraão. A Igreja crê que Cristo, nossa paz, reconciliou os judeus e os pagãos por meio da sua cruz e que dos dois fez um só povo em si mesmo. Além disso, com São Paulo, reconhece que os Hebreus «possuem a adopção de filhos, a glória, as alianças, a legislação, o culto, as promessas, os patriarcas; destes provém Cristo segundo a carne» (Rm 9,4-5).

A originalidade do cristianismo e portanto a sua identidade distintiva, é dada por Cristo, filho de Deus incarnado, redentor de toda a humanidade. A diferença ente cristianismo e judaísmo é fundada sobre o Novo Testamento e adequadamente aprofundada no tratado da cristologia.

6. Reavaliação das religiões tradicionais

Não podemos esquecer o significado e o valor das chamadas religiões tradicionais, presentes não só em África, mas também nas Américas, na Ásia e na Oceânia. Chamadas impropriamente religiões tribais ou primitivas, paganismo, culto dos ídolos, feiticismo, animismo, estas mostram-se muito abertas à aceitação do cristianismo.

Estas têm uma aproximação “holística” à vida. Por isso, não se pode negar uma mudança positiva na sua apreciação. Se antes se evidenciavam sobretudo os seus limites – como por exemplo, a poligamia, a descriminação das mulheres, os sacrifícios humanos, alguns ritos degradantes, a rejeição dos gémeos, um continuo estado de medo psicológico relativamente aos espíritos malvados -, hoje, pelo contrário e com razão, tende-se a sublinhar os valores positivos, como por exemplo, o sentido do sagrado, o respeito pela vida, o sentido da comunidade, o espírito de família, uma visão espiritual da vida, o aspecto sacro da autoridade, o simbolismo.

Referindo-se à situação africana, a exortação apostólica post-sinodal Ecclesia in África (14 de Setembro de 1995 = EA) de João Paulo II via nestes valores uma preparação providencial para a transmissão do Evangelho:

Os Africanos têm um profundo sentido religioso, o sentido do sacro, o sentido da existência de Deus criador e de um mundo espiritual. A realidade do pecado nas suas formas individuais e sociais está muito presente na consciência daqueles povos e sentida é também a necessidade dos ritos de purificação e de expiação (EA n.42).

Mais adiante evidenciava também a importância da família, o acolhimento da vida e dos filhos como dom de Deus, a veneração dos antepassados, o respeito pelos anciãos e pelos pais, o agudo sentido da solidariedade e da vida comunitária (cf. EA n.43).

Segundo o Prof. Dosithée Atal Sa Angang, director do Centre d’Études dês Religions Africaines de Kinshasa (Zaire), a categoria »vida» pode ser considerada a matriz dos valores tradicionais africanos: vida recebida do alto (dimensão religiosa), vida partilhada e aberta (dimensão antropológica), vida acolhida e protegida (dimensão terapêutica), vida respeitada e desenvolvida (dimensão política), vida acompanhada e protegida (dimensão educativa). A vida recebida do alto exprime-se num profundo sentido do sacro, da existência do Deus Criador e de um modo de espiritual vivo, presente e em comunhão com a história.

Nas religiões tradicionais não faltam, é certo, limites e carências, como por exemplo, uma excessiva distância e inacessibilidade de Deus, um medo exagerado dos espíritos, o recurso à feitiçaria, uma certa reserva no contato com os que não possuem os mesmos laços familiares. O acolhimento dos valores, a rejeição dos não valores e a purificação dos limites formam o objeto da evangelização cristã.

Também noutros contextos, como por exemplo nos povos polinésios, as religiões tradicionais são portadoras de valores humanos e religiosos positivos, como a fé em Deus criador, a veneração pelos antepassados, a forte coesão familiar e social continuamente restabelecida após cada incidente mediante ritos próprios de reconciliação, uma espiritualidade que impregna toda a existência e que é celebrada numa liturgia global feita de palavras, mas também de comportamentos, de participação, de vida.

A fé, a moralidade e o culto são as três colunas das religiões tradicionais […]. As religiões tradicionais, geralmente, não se baseiam sobre livros revelados, nem se articulam em afirmações teóricas de natureza teológica ou filosófica. A riqueza dos seus conteúdos e os seus numerosos valores, encontram-se mais frequentemente nas celebrações, nos contos, nos provérbios e são transmitidos através dos gestos, costumes e códigos comportamentais. Considera-se que o código moral tenha sido transmitido de geração em geração e sancionado por Deus através dos espíritos.

7. As seitas: uma nebulosa em expansão

É um fenômeno universal hoje, depois da queda das ideologias políticas totalitárias, um certo retorno da «religiosidade» e a explosão das «seitas» (ou novos movimentos ou grupos religiosos», como por exemplo, a New Age), em todo o mundo, e sobretudo na América Latina. Entre as causa principais, está a ignorância do verdadeiro núcleo do anuncio cristão, a falta de comunidades cristãs calorosas e acolhedoras, a perda do sentido do mistério.

Particularmente atingidos são os jovens: Mais estes ficam “sem laços”, desocupados, inactivos na vida paroquial ou no trabalho paroquial voluntário, provenientes de um ambiente familiar instável ou pertencentes a minorias étnicas, habitando em lugares muitas vezes longínquos da igreja, etc, mais estes parecem ser um alvo adato para o proselitismo dos novos movimentos e grupos»6 . Meios de recrutamento são também os campus universitários, as relações difíceis com o clero, associações desportivas, situações matrimoniais irregulares, estruturas despersonalizantes. Entre os adultos muitas vezes são a ignorância, a pobreza, a solidão, o abandono, as causas da sua passagem a alguma seita: «As seitas pretendem ter e dar resposta; e fazem-no ao mesmo tempo sobre o plano seja afetivo, seja intelectual, respondendo muitas vezes às necessidades afetivos de modo a obliterar as faculdades intelectuais.

As seitas parecem satisfazer a necessidade de pertença (estar com togetherness); oferecem uma nova verdade, ou seja, resposta simples e rápidas a perguntas e situações complicadas, dando uma espécie de pastoral do sucesso, simplicista e atraente como um filme holliwoodiano; oferecem também uma espécie de educação bíblica e um sentido de salvação (para as seitas que se inspiram na Bíblia); transmitem uma visão global do mundo e da humanidade que se identifica com a sua nova era. Para o recrutamento usam as mais avançadas técnicas psico-sociológicas, como o «love-bombing» (amizade e afecto até obter confiança e obediência absoluta), doações de dinheiro e medicamentos, eliminação de toda a informação e influência externa, que poderiam destruir o fascínio da iniciação, limitação do processo reflexivo, manutenção de um estado de ocupação contínua, forte concentração sobre o leader.

Para uma resposta às seitas o Sínodo extraordinário de 1985 «insiste sobre a formação espiritual, sobre o empenho para uma evangelização e uma catequese integral e sistemática que devem ser acompanhadas por um testemunho que as traduza na vida, precisamente porque a missão salvífica da igreja é integral; esta de fato, assegura uma participação interior e espiritual à liturgia; encoraja o diálogo espiritual e teológico entre os cristãos, e o dialogo que pode abrir e comunicar a interioridade; encoraja diferentes formas de espiritualidade como a vida consagrada, os movimentos espirituais, a devoção popular; dá uma importância maior à palavra de Deus e faz com que o Evangelho chegue ao povo de Deus através do testemunho que lhe vem dado.

Nas seitas podem-se distinguir duas grandes «famílias»: uma que se refere ao cristianismo antigo judaico-cristão, considerando a história da igreja uma traição e uma degenerescência colossal; a outra que se volta para a mística oriental, aos cultos da reencarnação, à psicologia moderna, às ciências modernas em geral.

Na primeira  família Jesus é interpretado de modo «fundamentalista» e através do filtro das sucessivas «iluminações» dos vários chefes e fundadores carismáticos. Esta família tem uma visão dicotómica do mundo, com uma descontinuidade entre o reino da graça e o reino deste mundo. Para as Testemunhas de Jeová, por exemplo, Jesus seria uma criatura de Jeová, a primeira das criaturas através da qual Deus teria feito os anjos e o mundo. Jesus seria um anjo cujo nome é Miguel. A Trindade é considerada uma invenção satânica. Para as testemunhas de Jeová, Jesus teria regressado invisivelmente à terra em 1914 e a partir daquele momento, governaria de modo invisível o mundo.

Na segunda «família» a inspiração não é bíblica, mas esotérica e gnóstica e a visão do mundo não é dicotómica, mas monística. O mundo é uma emanação e Jesus é visto como a manifestação de uma encarnação cósmica de um Divino cósmico. Para os mórmones, por exemplo, Jesus seria «divino» como é divina cada pessoa humana, enquanto é «filho de Deus». Ele teria sido para além disso, gerado mediante a união física do Homem-Deus, Adão, com Maria. Jesus teria enfim, se casado muitas vezes, mais, teria sido «polígamo». Para a «Igreja da Unificação» do coreano Sun Myung Moon, nascido na Coreia do Norte em 1920, de pais presbiterianos, Jesus não seria o filho de Deus. A morte de Jesus não teria valor redentor: seria um falhanço do ponto de vista salvífico e espiritual. Jesus, para além disso, não teria sido o revelador definitivo. Só com a pessoa de Moon se teria a verdadeira revelação, o chamado «Terceiro Testamento». Depois do pecado de Adão e Eva, veio Jesus que, casando-se, deveria redimir a humanidade. O celibato de Jesus e a sua crucifixão impediram a realização deste desígnio divino, que finalmente se pode cumprir neste nosso tempo na pessoa de Moon e da sua última mulher, casada com ele muito jovem em 1960 (depois de se ter divorciado pelo menos de três mulheres). Com Moon ter-se-ia dado início à salvação física da humanidade.

A conferência episcopal japonesa emitiu um juízo severo sobre esta doutrina, numa declaração de 22 de Junho de 19885:

1. Segundo a nossa fé, a revelação teve o seu cumprimento em Cristo. Pelo contrário segundo a associação, a revelação de Cristo é incompleta e Sun Myung Moon, enviado por Deus, é o verdadeiro messias que completa a revelação e é o salvador definitivo da humanidade.

2. Nós acreditamos que Cristo é Deus feito homem e que nele se manifestou o amor do nosso Pai celeste. A associação nega que Cristo seja Deus e afirma que é unicamente um ser humano.

3. A nossa fé afirma que é em virtude da cruz que nós obtemos o perdão dos pecados e que em Cristo, encontra-se a fonte da misericórdia. A associação pelo seu lado, sustenta que a cruz foi um falhanço e uma derrota; por este motivo Deus enviou um verdadeiro salvador Sun Myung Moon».

Em Julho de 2001, a Congregação para a doutrina da fé publicava uma resposta negativa à seguinte dúvida: «Se o batismo conferido na comunidade da “Igreja de Jesus Cristo dos santos do último dia”, comummente dita dos “Mórmones”, seja válido. Resposta: negativa.

Por si mesmo o batismo pode ser conferido também por um não cristão, desde que tenha a recta intenção: «Em caso de necessidade, quem quer que seja, também um não batizado, desde que tenha a intenção requerida, pode batizar utilizando a fórmula batismal trinitária. A intenção exigida é a de fazer aquilo que faz a Igreja quando batiza. A Igreja encontra a motivação desta possibilidade na vontade salvífica universal de Deus e na necessidade do batismo para a salvação.

Foi precisamente tendo presente esta doutrina tradicional da Igreja, quando por volta de 1830 aparecendo nos Estados Unidos da América o movimento religioso de Joseph Smith, se considerou válido o batismo mórmon, que parecia usar a fórmula trinitária. No século XX, quando da parte da Igreja católica se aprofundou o conhecimento dos erros trinitários deste movimento, a pouco e pouco começou a desaparecer a presunção de validade do batismo mórmon. Faltava porém uma resposta clara e doutrinalmente fundamentada a esta recusa. A fórmula mórmon pode de fato parecer um verdadeira fórmula trinitária: “Estando comissionado por Jesus Cristo, eu te batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”.

Na realidade a doutrina é profundamente diversa: «Não existe uma verdadeira invocação da Trindade, porque o Pai, o Filho e o Espírito Santo, segundo a Igreja de Jesus Cristo dos santos do último dia, não são as três pessoas nas quais subsiste a única divindade, mas três deuses que formam uma divindade.

Para os mórmons Deus Pai teria uma mulher, a Mãe celeste, com a qual procria Jesus Cristo, o seu primogénito, e o Espírito Santos, ambos procriados depois do inicio da criação do mundo tal como o conhecemos.

Deus Pai seria um homem exaltado, oriundo de um outro planeta, que teria adquirido o seu status divino mediante uma morte semelhante à humana, via necessária para a divinização. Jesus Cristo seria um homem como todos e que adquiriu a sua divindade numa existência pré mortal.

Para os mórmons existiriam quatro deuses: Pai, Mãe, Filho e Espírito Santo. Pai, Filho e Espírito Santo, teriam feito uma aliança entre eles e teriam formado uma divindade.

Como se vê, não se trata de uma heresia propriamente cristã e trinitária, mas de um universo gnóstico que tem qualquer referencia escriturística.

8. O Cristo da New Age

O clima é o eclético e sincretista da neo-gnose contemporânea, sequiosa com a antiga, de novidade e desejosa de superar a angústia da própria situação existencial. A raiz desta tendência deve procurar-se na Sociedade teosófica fundada em Nova Iorque em 1875 por Helena Petrovna Blavatsky, cujo fim era elaborar uma religião universal homogénea com as verdades partilhadas por todas as religiões do mundo. O núcleo fundamental da antropologia aquariana é a afirmação da queda da humanidade do seu status divino e da possibilidade da libertação através do conhecimento de verdades ocultas próprias da New Age.

Um ponto fundamental da sua compreensão de Jesus é a distinção entre Jesus homem e o Cristo, realidade divina frequentemente interpretada em sentido inter-pessoal e cósmico. O Cristo estaria dento de nós para iluminar cada homem. É também chamado: «Pai nosso que estais nos céus». Jesus seria só uma encarnação de Cristo, que teria outras incarnações. No núcleo desta corrente, situa-se o teosófico alemão Rudolf Steiner (+1925), que, desprezando os dados históricos e dogmáticos, considera Jesus como um ser humano tornado Cristo só com a idade de trinta anos. Steiner acrescenta que na realidade nos evangelhos existiria um dúplice Jesus: o de Lucas, como reencarnação de Zoroastro e o de Mateus, como corpo humano com um «ego vazio». A expressão «New Age» deve-se a Alice Bailey, cujo corpo doutrinal compreende a afirmação de um Deus impessoal, transcendente e imanente, a doutrina do karma e da reencarnação, a continuidade da revelação e espera messiânica. A humanidade estaria de fato, à espera de um avatar que os cristãos chamarão Cristo, os budistas Maitreya e os muçulmanos Imã Mahdi.

Segundo o escocês Benjamin Creme, Cristo Maitreya já desde 1977 viveria em Londres na comunidade indo-paquistanesa, à espera de manifestar-se no Dia da declaração em todas as redes televisivas do mundo. Para o norte americano David Spangler, Cristo ter-se-ia manifestado em Jesus só por três anos: na crucifixão ter-se-ia afastado do corpo de Jesus, tendo levado a termo a sua missão de mestre. Nesta linha se encontra A Course in Miracles (1975), de dois docentes de psicologia médica da Columbia University de Nova Iorque, Helen Schuman, que ouvia a «Voz», e William Thedford, que a transcrevia em mensagens.

Em conclusão, esta cristologia neo-gnóstica, distingue Jesus do Cristo universal. Jesus seria uma de tantas reencarnações de Cristo. Os textos bíblicos são desvalorizados a favor de visões e intuições pessoais. O tempo é concebido não sob forma linear histórica, mas em forma cosmológica e cíclica.

9. A provocação da cristologia não cristã

Não só nas seitas, mas também nas religiões não cristãs existem aproximações à figura de Jesus. À excepção das extravagantes interpretações esotéricas das seitas, o retrato religioso não cristão, colhe alguns aspectos autênticos de Jesus Cristo. No hinduísmo e no budismo, por exemplo, Jesus é visto como mestre de doutrina espiritual, como carismático, como guru, como defensor da paz e da fraternidade universal, como profeta de Deus (no Islã), como guia de autêntica moralidade humana, como mártir pela justiça, como testemunha da fé, como uma das grandes tendas da salvação disponível para toda a humanidade. Também dos não cristãos, sobe a Jesus uma genuína invocação à iluminação, à compreensão, à ajuda na quotidiana fadiga e frequentemente, na luta para serem homens autênticos em todas as partes da terra. É uma extraordinária oração universal a Cristo, inspirador de uma humanidade mais autêntica e mais religiosa.

Este paradoxal significado e valor humano e religioso do «Jesus dos outros», é um salutar antídoto a não poucos cristãos confusos na sua identidade de fé e duvidosos da relevância do seu ser cristãos hoje.

Particularmente significativa a reavaliação de Jesus por parte do hebraísmo. Já Jules Isaac tinha chamado a atenção dos cristãos sobre a dimensão hebraica de Jesus: Jesus era um hebreu, hebreia era Maria, sua mãe; hebreus os seus ambientes e os seus parentes; hebreus foram os apóstolos .

É necessário acrescentar logo, no entanto, que a aproximação hebraica à figura de Jesus é conduzida de modo a evidenciar um retrato hebraico e não cristão: a) só se aceita dele o que se considera estar de acordo com o hebraísmo do tempo; b) constrói-se uma interpretação hebraica do evento Cristo, sem fazer-se sobressair a originalidade e a rutura que Jesus operou com a sua doutrina, com a sua autoridade, com as suas obras, com a sua Páscoa (cf. O chamado critério de «descontinuidade»).

Ocorre uma atenta análise crítica desta «Jewish Reclamation of Jesus», para não reduzir o cristianismo a uma seita judaica. Vai de fato contra a verdade histórica a pretensão de reduzir Jesus ao universo rabínico do tempo, a igreja à sinagoga o domingo

ao sábado. Mais do que interpretações de Jesus, faz-se aqui uma verdadeira apropriação exclusiva, que rejeita em Jesus tudo quanto não é reconduzível a categorias hebraicas. A quem pertence então Jesus? O problema não é a pertença de Jesus, que pertence a todos e a todo o mundo. O problema é o da sua identidade, originalidade, unicidade. O problema é: Quem é Jesus?

Também no hinduísmo existe a aceitação positiva de Jesus, do seu ensinamento e do aspecto místico da sua união com Deus. Muitas vezes a própria pessoa de Jesus torna-se objeto de culto e de adoração, como acontece com as outras reencarnações salvíficas de Deus entre os homens. Também aqui, todavia, o significado do ensinamento de Jesus é direcionado para confirmar e vivificar a mensagem das escrituras hindus (significativa a comparação muitas vezes feita entre o discurso da montanha e Vedanta). Por isso a aceitação transforma-se em apropriação e absorção e a tolerância numa relativização indevida de Jesus visto como um dos grandes salvadores da humanidade. Este modelo religioso coloca um desafio radical à teologia cristã. A assimilação hebraica, ou islâmica, ou hindu de Jesus, põe de fato, ao cristianismo a eterna pergunta cristológia, a da verdadeira identidade de Jesus Cristo. Quem é Jesus Cristo? É só um herói ou um profeta? É só um asceta ou um Ou é mais que um profeta?

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