Arquidiocese do Rio de Janeiro

31º 22º

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 03/05/2024

03 de Maio de 2024

Dom Estêvão Bettencourt, OSB

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Dom Estêvão Bettencourt, OSB

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13/04/2014 00:00 - Atualizado em 16/04/2014 15:13

Dom Estêvão Bettencourt, OSB 0

13/04/2014 00:00 - Atualizado em 16/04/2014 15:13

Dom Estêvão Bettencourt, OSB / Arqrio

Nesta semana, a Arquidiocese do Rio de Janeiro celebra a missa na intenção de um grande colaborador, que foi um filósofo e teólogo de renome internacional, Dom Estêvão Tavares Bettencourt, monge beneditino do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, por ocasião do sexto ano do seu falecimento, ocorrido em 14 de abril de 2008.

Dom Estêvão inspirou, coordenou, incentivou muitos trabalhos acadêmicos em nossa Arquidiocese, que deve a ele um reconhecimento imenso. A escola Mater Ecclesiae e o Curso Luz e Vida continuam com todo empenho a missão iniciada por este grande homem de Deus.

Dom Estêvão nasceu em 1919, no Rio de Janeiro. Aos quatro anos, porém, mudou-se com a família para Paris (França), onde iniciou seus estudos no Lyceé Buffon. Retornando ao Brasil em 1928, continuou estudando no Colégio São Bento do Rio de Janeiro, tempo em que conheceu mais de perto a vida monástica.

Por influência de zelosos monges, o jovem Flávio (esse é o seu nome de Batismo) ingressou no Mosteiro no dia 1º de fevereiro de 1936, recebendo o hábito da Ordem Beneditina, em 6 de outubro do mesmo ano, das mãos de Dom Abade Tomas Keller, que lhe deu o nome religioso de Estêvão, considerando a devoção do então noviço pelos mártires da Igreja Antiga. Fez, ainda no Mosteiro do Rio de Janeiro, seus primeiros votos em 7 de outubro de 1937.

Nesse mesmo ano, foi enviado, por Dom Keller, a Roma a fim de estudar Filosofia e Teologia, uma vez que já possuía profundo conhecimento do grego, latim, francês, inglês e alemão. Na “cidade eterna”, fez a sua profissão solene no Mosteiro de Monte Cassino, onde viveu São Bento, em 7 de novembro de 1940, e, em 12 de julho de 1942, recebeu a Ordem do Diaconato das mãos do Arcebispo Dom Aloísio Tráglia. Aos 18 de julho do ano seguinte, foi ordenado sacerdote pelo mesmo Arcebispo na Igreja Santa Agnese, em Piazza Navona. Em 1940 já estava licenciado em Filosofia e, em 1944, recebeu o título de Doutor em Teologia, com uma tese sobre Orígenes, padre da Igreja Antiga.

Aproveitou também Dom Estêvão sua estadia em Roma para fazer um curso no Pontifício Instituto Bíblico, curso que lhe foi fundamental para melhor servir à Igreja como competente biblista, uma vez que três de seus livros (Ciência e Fé na história dos primórdios; Para Entender o Antigo Testamento e Para entender os Evangelhos) são considerados pioneiros no estudo da Sagrada Escritura em terras brasileiras.

Em 1945, iniciou sua carreira acadêmica como professor de Sagrada Escritura na Escola Teológica do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, cadeira que ocupou até pouco antes de sua morte. Exerceu ainda a função de professor na Universidade Santa Úrsula, na PUC do Rio de Janeiro, na Universidade Católica de Petrópolis, no Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro, na Escola Luz e Vida de Catequese, no Instituto Pio X e Escola Mater Ecclesiae.

Foi também diretor do Instituto de Teologia da Universidade Santa Úrsula, decano do Centro de Teologia, Filosofia e Ciências Sociais, vice-reitor da Faculdade de Filosofia João Paulo II, membro dos Conselhos Universitários e de Ensino e Pesquisa do Ministério da Educação, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, presidente da Liga de Estudos Bíblicos, consultor da Comissão Episcopal de Doutrinas e membro da Comissão de Diálogos Judeu-Cristãos, ambos da CNBB, bem como diretor da Escola Mater Ecclesiae e redator da revista Comunnio, ao lado de teólogos de grande prestígio, dentre os quais figurava Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), com quem mantinha grande amizade.

Participou de várias conferências e debates no Brasil e no Exterior (Chile, Venezuela, Itália, Austrália etc.) e, em 1973, esteve em Jerusalém especializando-se em Arqueologia e Exegese Bíblica entre docentes de prestígio mundial, incluindo mestres dominicanos e franciscanos.

Escritor prestigiado, conta, além dos artigos em vários periódicos, com 21 livros publicados (especialmente nas áreas bíblica e de estudo das seitas), além de cinco traduções (inclusive da Primeira e Segunda Carta aos Coríntios, da Bíblia de Jerusalém), 66 opúsculos (dentre os quais a maioria possui sucessivas edições e/ou tradução para o espanhol) e 24 Cursos por Correspondência ministrados pela Escola Mater Ecclesiae, que atinge a milhares de alunos no Brasil e no Exterior.

Editou, desde 1957, a conceituada revista Pergunte e Responderemos (também pelas Edições Lumen Christi), da qual foi autor e redator de toda matéria publicada. Mesmo idoso e adoentado, porém lúcido, continuou a editá-la e, tendo falecido em abril de 2008, deixou-a pronta até setembro do mesmo ano, quando saiu o número 555, último de sua pena.

Eis o que dessa publicação falou o advogado e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dr. Anis Leão: “Dom Estêvão Bettencourt, monge beneditino, publica todos os meses, há, digamos, meio século, a revista ‘Pergunte e Responderemos’, que ele faz sozinho. É um periódico notável, o escritor é muito culto, erudito, domina várias línguas, filosofia e teologia, sendo ortodoxo na doutrina Católica. Se você quiser que um adolescente comece a formar seu cabedal de conhecimento, oferte a ele uma assinatura da publicação. Ainda quando a gente não queira aceitar a orientação religiosa que ele coloca, o tanto de informações que se pode colher vale a pena. Tenho a coleção completa.” (Jornal O Lutador, 21-30/06/04, p. 13).

Também o padre Paschoal Rangel, SDN, assim se expressa: “Só gostaria de chamar a atenção para o admirável trabalho de catequista, não só através dos cursos por correspondência Mater Ecclesiae, mas da publicação mensal da revista Pergunte e Responderemos, cuja coleção é uma verdadeira enciclopédia, redigida só por ele. Aí, ele respondia às questões mais díspares sobre Teologia Dogmática e Moral, sobre exegese bíblica. Comentava os livros mais polêmicos que estavam na lista dos mais vendidos. Sua capacidade de ler e se informar era espantosa. Os 89 anos pareciam não quebrantar sua inteligência, nem a memória, nem a força de trabalho. Aquele caquinho de gente era ainda, foi até o fim, um homem de verdade” (O Lutador, 1°-10 de maio de 2008, p. 03).

As opiniões de Dom Bettencourt expressas com certa frequência em jornais de porte, revistas conceituadas, programas de debates em rádio e TV o levaram a ser, merecidamente, considerado por estudiosos, um filósofo brasileiro. Assim escreve, por exemplo, Fernando de Arruda Campos: “Estêvão Bettencourt manifesta uma estreita fidelidade ao tomismo... Tal postura, contudo, não o impede de preocupar-se com os problemas filosóficos atuais e mesmo dialogar com pensadores e doutrinas modernas e contemporâneas, tais como o sociologismo de Durkhein e a filosofia de Heidegger” (Tomismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 1998, p. 97).

Quanto ao modo pessoal de ser e agir de Dom Estevão, citamos trechos do texto do nosso Bispo Auxiliar Dom Édson de Castro Homem, colhidos na revista Coletânea nº 1, janeiro/junho de 2002, p. 12: “De fala mansa, é vigoroso no que diz. De tom suave, é sonante no que defende. Convence pelos argumentos, não pela retórica. Insiste na concisão e no necessário, sem resvalar na prolixidade e na repetição... Pensador do século XX debateu contra o fideísmo, o ceticismo, contra o relativismo e o dogmatismo, contra o niilismo e o fundamentalismo em vários autores e tendências do pensamento... Quanto à capacidade de trabalho, só é equiparada à sua disponibilidade, que o faz senhor do tempo que nunca lhe falta, sempre ao ser solicitado... Dom Estêvão há de ser avaliado como um mestre respeitado e amado, não temido. Respeitado pela sua competência. Amado pela sua afabilidade. Ambas a expulsarem todo temor. Por isso, além de alunos, faz discípulos”.

Também é citado como filósofo e “um dos maiores conhecedores dos assuntos bíblicos” na página 519, do 4º volume da História da Filosofia no Brasil, de Jorge Jaime, Unisal/Vozes, Petrópolis, 2002.

Como a maioria dos demais seres humanos, Dom Estêvão começou a dar sinais de maiores problemas de saúde a partir de 2001, quando já estava com 82 anos. Isso, porém, não parecia grande novidade a quem convivia com aquele monge de constituição física franzina e saúde precária desde a infância, que se alimentava muito sobriamente e dormia pouquíssimas horas à noite, não só por que esteve tuberculoso em 1965 e 66, mas também para fazer penitência.

Cultivara esse ideal penitente desde muito menino, quando pensara em se dedicar totalmente a Deus e ao próximo como monge trapista ou, então, como médico, pois na Medicina serviria a Deus na pessoa do irmão enfermo e não perderia tempo no caminho da santidade ao qual todos somos chamados (cf. Mt 5,48). Todavia, como dissemos, o contato com os monges beneditinos fez o jovem optar pelo Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.

Os problemas de saúde se agravaram com o passar dos anos. Dom Estêvão, porém, mesmo ciente de tudo, não se entregava e por algum tempo voltou a dar aulas (preparava cada uma com pesquisas e fichas de anotações como se fosse a primeira de sua vida, embora lecionasse desde 1945), a redigir seus textos, cursos e a falar nas rádios Catedral do Rio, diariamente, e na Rede Milícia Sat todo domingo à noite.

Sofreu várias quedas, embora sem gravidade, sua voz foi ficando difícil de ser compreendida e a audição já não era boa, de modo a ser preciso permanecer na enfermaria do Mosteiro. Ali continuou, entretanto, a redigir a revista Pergunte e Responderemos em sua velha máquina datilográfica, pois não dominava o computador, e para responder as muitas consultas que lhe faziam via e-mail precisava de um auxiliar. Sempre lúcido, porém, dizia estar “entregue à vontade de Deus”.

Seu espírito de católico militante pela causa do Evangelho não o deixava abater-se e, apesar dos problemas respiratórios, ia, com ajuda do enfermeiro, que quase o carregava – visto que não queria usar cadeira de rodas –, aos Ofícios religiosos da comunidade monástica diariamente. Desse modo, concelebrava na Missa conventual das 7h15 e quase sempre estava no Ofício de Vésperas às 17h40, naturalmente conduzido até lá por terceiros.

Duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, saía do Mosteiro para ir à Escola Mater Ecclesiae, da Arquidiocese do Rio, onde corrigia trabalhos de alunos dos seus cursos por correspondência. Dia 10 de abril, esteve lá pela última vez, mas teve de ser logo trazido de volta, pois não se sentia bem. No dia 14, acordou no horário de costume, às 4h30, como os demais monges, para rezar o Ofício. Rezava-o, porém, em sua própria cela da enfermaria do Mosteiro, visto que não tinha condições de ir ao coro tão cedo.

O enfermeiro ajudou-o a fazer a higiene pessoal, inclusive a barba, sentou-o na poltrona a fim de que rezasse, depois colocou-o de volta na cama e foi buscar seu café da manhã. Ao voltar já o encontrou morto. A causa da morte foi um infarto agudo do miocárdio. Aquele zeloso homem de Deus fizera sua páscoa no Senhor.

Contar rapidamente sua vida é muito pouco para o grande trabalho que realizou e, principalmente, pela missão que desempenhou em sua preocupação com a fidelidade à doutrina da Igreja e com a transmissão da fé. Passados seis anos de sua páscoa definitiva, a gratidão que brota de todos os corações que o conheceram é muito grande.

Tudo isso nos leva a pensar que, ao contemplar a pátria celeste, pôde Dom Estêvão repetir literalmente São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira e guardei a fé” (2Tm 4,7). Afinal, ele lutou até o término da carreira para que todos nós também conhecêssemos e guardássemos essa mesma fé, capaz de proporcionar alegria e força aos que ainda peregrinamos neste mundo rumo à Jerusalém celeste.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ


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Missa por Dom Estevão 

Missão de simplificar a teologia



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Dom Estêvão Bettencourt, OSB / Arqrio

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13/04/2014 00:00 - Atualizado em 16/04/2014 15:13

Nesta semana, a Arquidiocese do Rio de Janeiro celebra a missa na intenção de um grande colaborador, que foi um filósofo e teólogo de renome internacional, Dom Estêvão Tavares Bettencourt, monge beneditino do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, por ocasião do sexto ano do seu falecimento, ocorrido em 14 de abril de 2008.

Dom Estêvão inspirou, coordenou, incentivou muitos trabalhos acadêmicos em nossa Arquidiocese, que deve a ele um reconhecimento imenso. A escola Mater Ecclesiae e o Curso Luz e Vida continuam com todo empenho a missão iniciada por este grande homem de Deus.

Dom Estêvão nasceu em 1919, no Rio de Janeiro. Aos quatro anos, porém, mudou-se com a família para Paris (França), onde iniciou seus estudos no Lyceé Buffon. Retornando ao Brasil em 1928, continuou estudando no Colégio São Bento do Rio de Janeiro, tempo em que conheceu mais de perto a vida monástica.

Por influência de zelosos monges, o jovem Flávio (esse é o seu nome de Batismo) ingressou no Mosteiro no dia 1º de fevereiro de 1936, recebendo o hábito da Ordem Beneditina, em 6 de outubro do mesmo ano, das mãos de Dom Abade Tomas Keller, que lhe deu o nome religioso de Estêvão, considerando a devoção do então noviço pelos mártires da Igreja Antiga. Fez, ainda no Mosteiro do Rio de Janeiro, seus primeiros votos em 7 de outubro de 1937.

Nesse mesmo ano, foi enviado, por Dom Keller, a Roma a fim de estudar Filosofia e Teologia, uma vez que já possuía profundo conhecimento do grego, latim, francês, inglês e alemão. Na “cidade eterna”, fez a sua profissão solene no Mosteiro de Monte Cassino, onde viveu São Bento, em 7 de novembro de 1940, e, em 12 de julho de 1942, recebeu a Ordem do Diaconato das mãos do Arcebispo Dom Aloísio Tráglia. Aos 18 de julho do ano seguinte, foi ordenado sacerdote pelo mesmo Arcebispo na Igreja Santa Agnese, em Piazza Navona. Em 1940 já estava licenciado em Filosofia e, em 1944, recebeu o título de Doutor em Teologia, com uma tese sobre Orígenes, padre da Igreja Antiga.

Aproveitou também Dom Estêvão sua estadia em Roma para fazer um curso no Pontifício Instituto Bíblico, curso que lhe foi fundamental para melhor servir à Igreja como competente biblista, uma vez que três de seus livros (Ciência e Fé na história dos primórdios; Para Entender o Antigo Testamento e Para entender os Evangelhos) são considerados pioneiros no estudo da Sagrada Escritura em terras brasileiras.

Em 1945, iniciou sua carreira acadêmica como professor de Sagrada Escritura na Escola Teológica do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, cadeira que ocupou até pouco antes de sua morte. Exerceu ainda a função de professor na Universidade Santa Úrsula, na PUC do Rio de Janeiro, na Universidade Católica de Petrópolis, no Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro, na Escola Luz e Vida de Catequese, no Instituto Pio X e Escola Mater Ecclesiae.

Foi também diretor do Instituto de Teologia da Universidade Santa Úrsula, decano do Centro de Teologia, Filosofia e Ciências Sociais, vice-reitor da Faculdade de Filosofia João Paulo II, membro dos Conselhos Universitários e de Ensino e Pesquisa do Ministério da Educação, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, presidente da Liga de Estudos Bíblicos, consultor da Comissão Episcopal de Doutrinas e membro da Comissão de Diálogos Judeu-Cristãos, ambos da CNBB, bem como diretor da Escola Mater Ecclesiae e redator da revista Comunnio, ao lado de teólogos de grande prestígio, dentre os quais figurava Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), com quem mantinha grande amizade.

Participou de várias conferências e debates no Brasil e no Exterior (Chile, Venezuela, Itália, Austrália etc.) e, em 1973, esteve em Jerusalém especializando-se em Arqueologia e Exegese Bíblica entre docentes de prestígio mundial, incluindo mestres dominicanos e franciscanos.

Escritor prestigiado, conta, além dos artigos em vários periódicos, com 21 livros publicados (especialmente nas áreas bíblica e de estudo das seitas), além de cinco traduções (inclusive da Primeira e Segunda Carta aos Coríntios, da Bíblia de Jerusalém), 66 opúsculos (dentre os quais a maioria possui sucessivas edições e/ou tradução para o espanhol) e 24 Cursos por Correspondência ministrados pela Escola Mater Ecclesiae, que atinge a milhares de alunos no Brasil e no Exterior.

Editou, desde 1957, a conceituada revista Pergunte e Responderemos (também pelas Edições Lumen Christi), da qual foi autor e redator de toda matéria publicada. Mesmo idoso e adoentado, porém lúcido, continuou a editá-la e, tendo falecido em abril de 2008, deixou-a pronta até setembro do mesmo ano, quando saiu o número 555, último de sua pena.

Eis o que dessa publicação falou o advogado e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dr. Anis Leão: “Dom Estêvão Bettencourt, monge beneditino, publica todos os meses, há, digamos, meio século, a revista ‘Pergunte e Responderemos’, que ele faz sozinho. É um periódico notável, o escritor é muito culto, erudito, domina várias línguas, filosofia e teologia, sendo ortodoxo na doutrina Católica. Se você quiser que um adolescente comece a formar seu cabedal de conhecimento, oferte a ele uma assinatura da publicação. Ainda quando a gente não queira aceitar a orientação religiosa que ele coloca, o tanto de informações que se pode colher vale a pena. Tenho a coleção completa.” (Jornal O Lutador, 21-30/06/04, p. 13).

Também o padre Paschoal Rangel, SDN, assim se expressa: “Só gostaria de chamar a atenção para o admirável trabalho de catequista, não só através dos cursos por correspondência Mater Ecclesiae, mas da publicação mensal da revista Pergunte e Responderemos, cuja coleção é uma verdadeira enciclopédia, redigida só por ele. Aí, ele respondia às questões mais díspares sobre Teologia Dogmática e Moral, sobre exegese bíblica. Comentava os livros mais polêmicos que estavam na lista dos mais vendidos. Sua capacidade de ler e se informar era espantosa. Os 89 anos pareciam não quebrantar sua inteligência, nem a memória, nem a força de trabalho. Aquele caquinho de gente era ainda, foi até o fim, um homem de verdade” (O Lutador, 1°-10 de maio de 2008, p. 03).

As opiniões de Dom Bettencourt expressas com certa frequência em jornais de porte, revistas conceituadas, programas de debates em rádio e TV o levaram a ser, merecidamente, considerado por estudiosos, um filósofo brasileiro. Assim escreve, por exemplo, Fernando de Arruda Campos: “Estêvão Bettencourt manifesta uma estreita fidelidade ao tomismo... Tal postura, contudo, não o impede de preocupar-se com os problemas filosóficos atuais e mesmo dialogar com pensadores e doutrinas modernas e contemporâneas, tais como o sociologismo de Durkhein e a filosofia de Heidegger” (Tomismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 1998, p. 97).

Quanto ao modo pessoal de ser e agir de Dom Estevão, citamos trechos do texto do nosso Bispo Auxiliar Dom Édson de Castro Homem, colhidos na revista Coletânea nº 1, janeiro/junho de 2002, p. 12: “De fala mansa, é vigoroso no que diz. De tom suave, é sonante no que defende. Convence pelos argumentos, não pela retórica. Insiste na concisão e no necessário, sem resvalar na prolixidade e na repetição... Pensador do século XX debateu contra o fideísmo, o ceticismo, contra o relativismo e o dogmatismo, contra o niilismo e o fundamentalismo em vários autores e tendências do pensamento... Quanto à capacidade de trabalho, só é equiparada à sua disponibilidade, que o faz senhor do tempo que nunca lhe falta, sempre ao ser solicitado... Dom Estêvão há de ser avaliado como um mestre respeitado e amado, não temido. Respeitado pela sua competência. Amado pela sua afabilidade. Ambas a expulsarem todo temor. Por isso, além de alunos, faz discípulos”.

Também é citado como filósofo e “um dos maiores conhecedores dos assuntos bíblicos” na página 519, do 4º volume da História da Filosofia no Brasil, de Jorge Jaime, Unisal/Vozes, Petrópolis, 2002.

Como a maioria dos demais seres humanos, Dom Estêvão começou a dar sinais de maiores problemas de saúde a partir de 2001, quando já estava com 82 anos. Isso, porém, não parecia grande novidade a quem convivia com aquele monge de constituição física franzina e saúde precária desde a infância, que se alimentava muito sobriamente e dormia pouquíssimas horas à noite, não só por que esteve tuberculoso em 1965 e 66, mas também para fazer penitência.

Cultivara esse ideal penitente desde muito menino, quando pensara em se dedicar totalmente a Deus e ao próximo como monge trapista ou, então, como médico, pois na Medicina serviria a Deus na pessoa do irmão enfermo e não perderia tempo no caminho da santidade ao qual todos somos chamados (cf. Mt 5,48). Todavia, como dissemos, o contato com os monges beneditinos fez o jovem optar pelo Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.

Os problemas de saúde se agravaram com o passar dos anos. Dom Estêvão, porém, mesmo ciente de tudo, não se entregava e por algum tempo voltou a dar aulas (preparava cada uma com pesquisas e fichas de anotações como se fosse a primeira de sua vida, embora lecionasse desde 1945), a redigir seus textos, cursos e a falar nas rádios Catedral do Rio, diariamente, e na Rede Milícia Sat todo domingo à noite.

Sofreu várias quedas, embora sem gravidade, sua voz foi ficando difícil de ser compreendida e a audição já não era boa, de modo a ser preciso permanecer na enfermaria do Mosteiro. Ali continuou, entretanto, a redigir a revista Pergunte e Responderemos em sua velha máquina datilográfica, pois não dominava o computador, e para responder as muitas consultas que lhe faziam via e-mail precisava de um auxiliar. Sempre lúcido, porém, dizia estar “entregue à vontade de Deus”.

Seu espírito de católico militante pela causa do Evangelho não o deixava abater-se e, apesar dos problemas respiratórios, ia, com ajuda do enfermeiro, que quase o carregava – visto que não queria usar cadeira de rodas –, aos Ofícios religiosos da comunidade monástica diariamente. Desse modo, concelebrava na Missa conventual das 7h15 e quase sempre estava no Ofício de Vésperas às 17h40, naturalmente conduzido até lá por terceiros.

Duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, saía do Mosteiro para ir à Escola Mater Ecclesiae, da Arquidiocese do Rio, onde corrigia trabalhos de alunos dos seus cursos por correspondência. Dia 10 de abril, esteve lá pela última vez, mas teve de ser logo trazido de volta, pois não se sentia bem. No dia 14, acordou no horário de costume, às 4h30, como os demais monges, para rezar o Ofício. Rezava-o, porém, em sua própria cela da enfermaria do Mosteiro, visto que não tinha condições de ir ao coro tão cedo.

O enfermeiro ajudou-o a fazer a higiene pessoal, inclusive a barba, sentou-o na poltrona a fim de que rezasse, depois colocou-o de volta na cama e foi buscar seu café da manhã. Ao voltar já o encontrou morto. A causa da morte foi um infarto agudo do miocárdio. Aquele zeloso homem de Deus fizera sua páscoa no Senhor.

Contar rapidamente sua vida é muito pouco para o grande trabalho que realizou e, principalmente, pela missão que desempenhou em sua preocupação com a fidelidade à doutrina da Igreja e com a transmissão da fé. Passados seis anos de sua páscoa definitiva, a gratidão que brota de todos os corações que o conheceram é muito grande.

Tudo isso nos leva a pensar que, ao contemplar a pátria celeste, pôde Dom Estêvão repetir literalmente São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira e guardei a fé” (2Tm 4,7). Afinal, ele lutou até o término da carreira para que todos nós também conhecêssemos e guardássemos essa mesma fé, capaz de proporcionar alegria e força aos que ainda peregrinamos neste mundo rumo à Jerusalém celeste.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.

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Cardeal Orani João Tempesta
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Cardeal Orani João Tempesta

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