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28 de Março de 2024

Monsenhor Pierangelo fala sobre liberdade religiosa

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29/01/2015 17:37 - Atualizado em 29/01/2015 17:37
Por: Redação

Monsenhor Pierangelo fala sobre liberdade religiosa 0

O professor da Universidade de Milão, monsenhor Pierangelo Sequeri, ministrou conferência na manhã desta quinta-feira a quinta palestra do Curso para os Bispos, no Centro de Formação do Sumaré, no Rio Comprido. O tema abordado  foi  "A liberdade religiosa: Da Dignitatis Humanae à pós-modernidade democrática". Segue abaixo o texto na íntegra: 

1. Premissas históricas

Enquanto tema político e jurídico da modernidade civil, o tema da “liberdade religiosa” se coloca em termos decididamente novos no contexto da “divisão do cristianismo” europeu (e das “guerras de religião” dos séculos XVI-XVII). A solução era então política: o princípio da ligação entre cidadania jurídica e confissão religiosa foi retomado através do compromisso expresso no critério cuius regio eius religio. Do ponto de vista teológico, a ideia da “religião de Estado” e do “privilégio político” do cristianismo num Estado cristão permaneceu em vigor: mas a ideia da repressão política da heresia se deslocou para a de repressão política do ateísmo, comum aos Estados cristãos.

Três provocações significativas para uma diversa consideração do tema, na primeira modernidade, permaneceram, todavia, sem consequências até à nossa época. (a) A primeira é representada pela discussão em torno à dignidade humana das populações indígenas no novo continente (Bartolomé de las Casas), que, porém, mantém firme a necessidade de combater o paganismo idolátrico. (b) A segunda provocação foi o protocolo etsi Deus non daretur (Ugo Grotio): os vínculos do liame social que são válidos para todos são os que podem ser justificados “etsi Deus non daretur”. (c) A condenação pronunciada pelo Santo Ofício em relação ao padre Feeney (1897-1978), depois seguida da excomunhão formal, em 1953, havia rechaçado como herética sua interpretação fundamentalista (e, para muitos, ainda hoje autêntica) do antigo adágio extra ecclesiam nulla salus. Segundo o padre Feeney, aquele adágio definia a automática perdição de quem morresse fora da Igreja, estabelecendo uma perfeita equivalência entre hereges, cismáticos, de outra religião, ateus, ou simplesmente não católicos. O distanciamento frente a este gênero de automatismo, que condena a priori e definitivamente o simples fato de ser alheio à fé, é certamente um dos motivos inspiradores da abordagem do Concílio aos temas doutrinais que, de modo variado, implicam a relação entre graça e liberdade (ecumenismo, religiões, ateísmo).

 A Revolução francesa e a Déclaration de 1789 abrem uma longa fase dialética, na qual o tema político da liberdade religiosa se liga agora, em diversos modos, à justificação cultural da liberdade da religião. É a história da secularização moderna, inteiramente marcada pela sua histórica ambiguidade entre autonomia da política e restrição da religião. A união entre evolução jurídica e interpretação agnóstica (mas também fortemente antirreligiosa) dos processos de secularização, que em seguida qualificou muitas concepções do Estado liberal, dos regimes totalitários e também da democracia constitucional, exerceu um forte condicionamento sobre a reação católica às “liberdades dos modernos”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamava certamente a liberdade religiosa – ali denominada liberdade de culto – como direito humano inalienável. Apesar disso, em virtude da cultura antirreligiosa vigente no contexto da encíclica Caritas, de 1791, o Papa Pio VI denunciou a Declaração como um ataque direto à Igreja Católica. Pio IX chegará a incluir os direitos humanos e as liberdades modernas no Syllabus, de 1864. O ressentimento eclesial em relação ao princípio político da liberdade religiosa era também ligado à proclamação da igualdade civil, diante do Estado, de todas as religiões. Esta proclamação, numa nação “cristã”, soava como uma abjuração “oficial” do cristianismo.

 Na história que se seguiu, a teoria do “direito público” da Igreja, ensinada nos Seminários e nas Faculdades de teologia, contempla, como dedução coerente para com a própria natureza da Igreja, a doutrina da potestas indirecta in temporalibus. --- A opinião oficial, ainda sob o pontificado de Papa Pacelli, permanecia a de tese-hipótese. A tese é o princípio dos direitos exclusivos da verdade, que implicam a legalização da única religião de Estado possível em regime de civilização cristã. A hipótese é o reconhecimento puramente conjuntural de razões que tornam aceitável, em função da manutenção da tese, uma margem de “justa tolerância”, com a finalidade de manutenção do bem da Igreja e da sociedade. Um documento de 1958, que a morte de Pio XII impediu de ser promulgado oficialmente, fala ainda do necessário reconhecimento dos “direitos imutáveis de Deus”. Pacem in terris (João XXIII, 1963) foi o primeiro documento magisterial da era moderna a adotar positivamente o discurso político dos direitos humanos.

2. Elementos de interpretação

Na sua interpretação da liberdade religiosa, que é a última a ser enfocada em chave de direitos humanos no cristianismo da era moderna, a Igreja contemporânea reconhece um aprofundamento coerente dos princípios que inspiram a sua fé.

A liberdade religiosa é uma consequência estreitamente conexa à doutrina católica sobre a constituição do ato de fé, dado que a liberdade exigida para a correspondência ao dom de Deus demanda ser tutelada e possibilitada num contexto inter-subjetivo e social de liberdade de coação (civil e religiosa).

 Em relação ao Islã em particular, reconhecer que nós mesmos, embora vindos de uma história em que este princípio foi obscurecido pela preocupação com os direitos da verdade de Deus, percebemos a necessidade de honrar a Deus exatamente reconhecendo a liberdade constitutiva da fé como uma condição querida por Deus.

Em geral, deve aparecer também mais claro, dessa forma, o impulso cristão ao encorajamento e ao apoio do compromisso ético voltado ao reconhecimento da verdade.

O cuidado pela dignidade inalienável da liberdade religiosa demanda uma vontade convicta de se dever gastar para manter viva na sociedade a íntima pergunta acerca da verdade a respeito da justiça e da salvação da existência, individual e coletiva, que a história não pode plenamente responder. Esta perspectiva já coloca por si mesma a liberdade da consciência humana numa dimensão que se encontra para além do arbítrio pragmático e da mera opinião. Ela é por natureza correlata à verdade; leva a efeito, por assim dizer, sua instância fundante.

Sobre estas bases – exatamente sobre estas – aparece a possibilidade de conciliar a liberdade religiosa e o dever missionário da fé. A coação religiosa sugere uma verdade que não tem títulos para se recomendar à liberdade. A seriedade da verdade anunciada e a seriedade da liberdade exigida se correspondem. O testemunho tem, portanto, a obrigação de se realizar de acordo com a doação, a ética, o estilo que são exigidos pela autêntica forma fidei. Deus deseja ser escolhido e amado, não simplesmente prescrito e aceito.

3. ESQUEMA Dignitatis humanae

No quadro do debate na aula conciliar que conduziu à formulação definitiva de DH, assim como na discussão relativa à primeira fase da sua recepção, não podia ainda ser enfocada a profunda mudança da condição histórica e da consciência coletiva que marcou a segunda metade do século XX.

Para poder avaliar plenamente as questões relativas à recepção atual do magistério conciliar, é necessário assinalar sinteticamente os efeitos de sistema que atualmente caracterizam esta profunda transformação.
A partir desta assinalação, procuraremos identificar as linhas de desenvolvimento e de ação que o cristianismo é chamado a interpretar na condição – dita pós-moderna – da civilização ocidental.

 

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