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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Pastor da misericórdia

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Pastor da misericórdia

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17/07/2015 00:00 - Atualizado em 20/07/2015 14:12

Pastor da misericórdia 0

17/07/2015 00:00 - Atualizado em 20/07/2015 14:12

A primeira leitura nos coloca dentro do contexto da primeira seção do livro de Jeremias, a saber, os capítulos 1-25, que trazem oráculos de juízo contra Judá e Israel. Do ponto de vista exegético, os autores se dividem com relação à correta divisão de Jr 23,1-8. Alguns acham que deveríamos ler em conjunto apenas 23,1-4. Podemos encontrar a seguinte estrutura em 23,1-6:

vv. 1-4: condenação dos pastores que corromperam o rebanho de YHWH; YHWH está disposto a juntar e a cuidar das suas ovelhas;

vv. 5-6: promessa de um rei futuro, que governará com justiça recebendo o nome de YHWH sidqenû, ou seja, YHWH nossa justiça.

Segundo alguns autores, o termo hôy (traduzido normalmente por “Ai”) introduz um oráculo de juízo. Os pastores citados no versículo são os governantes de Judá, incluindo o próprio rei Sedecias e os nobres que parecem tê-lo dominado. Todavia, o termo pode estar aqui sendo aplicado a uma longa lista de governantes inaptos, descuidados e negligentes. Com certeza, os últimos quatro reis de Judá foram maus pastores que causaram a dispersão das ovelhas. A culpa recai sobre os próprios pastores.

A responsabilidade dos pastores era proteger o rebanho contra os animais selvagens que viessem destrui-lo. Mas aqui os pastores são acusados de serem eles próprios como os animais selvagens, e terem destruído o rebanho o qual eles deveriam proteger. Embora o termo “pastor” possam se referir a qualquer um dos líderes de Judá, o contexto nos faz pensar particularmente nos reis. Deve-se notar aqui que o rebanho é particularmente designado como sendo “o rebanho da minha (de YHWH) pastagem”. Essa expressão “rebanho da minha pastagem” nós a encontramos em Sl 74,1; 79,13, 95,7 e 100,3).

Segundo alguns autores pode-se encontrar neste capítulo 23 duas importantes seções: o anúncio de uma nova salvação na época do Pastor-Rei davídico (1-8) e um duro ataque aos falsos profetas (9-40). Os autores citados interpretam o Ai! de abertura da perícope como uma ameaça contra os pastores, identificados como os reis de Judá desde Joacaz até Sedecias, que com a colaboração das autoridades civis e religiosas destruiram e dispersaram o povo de Deus. Em virtude da sua idolatria (2,8) acontecerá também a destruição iminente (10,21-22), destruição essa que atingirá pastores e ovelhas (22,22-30; 25,34-36). Todavia, como se trata do rebanho escolhido de YHWH este se levanta contra esses pastores que ao invés de visitar-cuidar (expressão indicada pelo uso do verbo paqad) do rebanho de YHWH, colaboram para sua dispersão e expulsão da Palestina para o desterro do exílio.

Holladay, em seu comentário, que o verbo hebraico ’bd pode significar também “deixar perecer”. O problema aqui é que o verbo significa que os pastores deixam as ovelhas morrerem como se tivessem sido assassinadas. O uso do verbo no piel dá a idéia de que os pastores tornaram-se assassinos, culpados pelo sangue das ovelhas. Este verbo é usado algumas vezes tendo YHWH como sujeito. Aqui há, segundo Holladay, uma ironia: YHWH pode ter ocasião para punir seu povo, todavia é ilegítimo para os reis e oficiais do povo fazerem isso.

O v. 3 significa que uma reunião do rebanho após este ter sido espalhado, dissipado, está para acontecer. YHWH pode reunir o “resto”. Em contraste com o v. 1 YHWH afirma que foi ele quem dispersou o rebanho. A rebelião da nação e a rejeição da aliança foi o motivo que os levou ao exílio. Todavia, os pastores foram os responsáveis pelo estado da vida da nação que resultou na realização das “maldições da aliança”, ou seja, o povo, não instruído pelos pastores, deixou de cumprir a sua parte no pacto e, por isso, sofreu as maldições anexas ao não cumprimento do pacto, assim como receberia as bênçãos referentes ao cumprimento do pacto, se tivessem se mantido na fidelidade a YHWH.

Alguns comentadores, sugerem que este versículo pressupõe o exílio e que, por isso, vem de um autor deuteronomista que o compôs durante o exílio. Não necessariamente precisamos seguir este ponto de vista afirma Thompson. A possibilidade de um exílio sempre foi uma ameaça, desde os tempos antigos, e sempre apareceu como uma das maldições previstas para o povo caso não cumprisse a aliança, quebrando assim suas obrigações. A mera referência ao exílio não é prova suficiente de que o escrito foi produzido no exílio. A possibilidade de exílio pelo não-cumprimento da aliança e a restauração posterior ao exílio para aqueles que cumprirem a aliança era entendida já nos tempos pré-exílicos. Não há razões para achar que Jeremias não tenha proferido expressões de esperança (cf. 3,14-18). A ideia de um tempo frutuoso e de um crescimento do povo após um exílio é um tema existente tanto em tempos pré-exílicos quanto em tempos pós-exílicos (cf. Am 9,11-15; Os 2,21-23; Ez 26; Zc 8,9-13).

As ações dos pastores resultam na dispersão do rebanho, no seu desterro, mas as ações de YHWH irão reunir o povo.

A   Vocês (pastores) dispersaram meu rebanho

B   e o lançastes for a

C   e não cuidastes dele

C’  Eu (YHWH) irei cuidar dele

A’  Eu irei reunir o resto de meu rebanho

B’  Eu os farei retornar

Quando eles voltarem, existirá para eles “pastagem”, “habitação”. As últimas duas palavras do versículo nos remetem ao texto da criação no Gn. “Eles serão fecundos e se multiplicarão”.

Os vv.5-6 são considerados por alguns autores como uma peça poética. Trata-se de um oráculo solene que aponta para o surgimento de uma nova era. Jeremias teria em mente um governante ideal que estaria próximo historicamente falando. A era que há de vir, na opinião de alguns autores, não é uma era escatológica, mas simplesmente a vinda de uma era particular, que marca o fim da atual marcada pela falência do reinado no contexto da aliança. Quando a monarquia for exercida em conformidade com a aliança, então as bênçãos da aliança irão se realizar no meio do povo de Deus. Ao longo dos séculos, nos períodos negros quando os reis não eram confiáveis e não cumpriam suas obrigações na aliança, os profetas olharam para este nobre ideal e prometeram seu pleno cumprimento em algum tempo futuro histórico, usando muitos termos semelhantes aos encontrados nesta passagem (cf. Is 9,5-6; 11,1-9; Mq 5,1-5; Am 9,11; Os 3,5 etc.).

Devemos, todavia, ler esse texto à luz do NT e, particularmente no contexto da liturgia prevista para hoje, à luz de Mc 6,30-34.

A perícope evangélica em questão encontra-se dentro do bloco onde Marcos narra o ministério de Jesus na Galiléia e que compreende os capítulos 1,14 – 7,23. Em Mc 6,7ss Jesus havia enviado os discípulos dois a dois para pregar a boa nova do Reino. Estes, ao regressarem, contam a Jesus tudo o que haviam feito e o Senhor os leva a um lugar reservado com o intuito de fazê-los “descansar um pouco”. Contudo, a multidão os vê partir e, quando chegam ao lugar que seria “de descanso” acabam se deparando com a imensa multidão, que estava, no dizer de Marcos, como “ovelhas sem pastor” (cf. Mc 6,34). A atitude de Jesus é ter compaixão e começar a ensinar às ovelhas muitas coisas. Bastante forte é o verbo usado por Marcos para indicar que Jesus teve compaixão.

O verbo grego é splagcnizw (splangknidzo). Em sentido ativo, ele significa “comer as entranhas de um animal sacrificado”. Em sentido passivo, como aprece no nosso texto, significa “ter as suas entranhas comidas”. Sabemos que Escritura do Antigo Testamento assim se expressava a misericórdia, falando que Deus tem “entranhas/vísceras de misericórdia”. Aqui é como se Jesus, nosso Cordeiro que haveria de ser sacrificado por nós, tivesse já antecipadamente as suas entranhas mexidas e devoradas por causa das ovelhas, que estavam perdidas, como ovelhas sem pastor. Ele, o verdadeiro pastor que supera todos os outros da Antiga Aliança, se move interiormente de amor pelas ovelhas. E começa a ensiná-las... O ensinamento do pastor é já expressão da sua misericórdia. Quantas são as ovelhas que hoje perecem por falta de ensinamento, ou ainda pior, por receberem de alguns pastores, ensinamentos espúrios.

 

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Pastor da misericórdia

17/07/2015 00:00 - Atualizado em 20/07/2015 14:12

A primeira leitura nos coloca dentro do contexto da primeira seção do livro de Jeremias, a saber, os capítulos 1-25, que trazem oráculos de juízo contra Judá e Israel. Do ponto de vista exegético, os autores se dividem com relação à correta divisão de Jr 23,1-8. Alguns acham que deveríamos ler em conjunto apenas 23,1-4. Podemos encontrar a seguinte estrutura em 23,1-6:

vv. 1-4: condenação dos pastores que corromperam o rebanho de YHWH; YHWH está disposto a juntar e a cuidar das suas ovelhas;

vv. 5-6: promessa de um rei futuro, que governará com justiça recebendo o nome de YHWH sidqenû, ou seja, YHWH nossa justiça.

Segundo alguns autores, o termo hôy (traduzido normalmente por “Ai”) introduz um oráculo de juízo. Os pastores citados no versículo são os governantes de Judá, incluindo o próprio rei Sedecias e os nobres que parecem tê-lo dominado. Todavia, o termo pode estar aqui sendo aplicado a uma longa lista de governantes inaptos, descuidados e negligentes. Com certeza, os últimos quatro reis de Judá foram maus pastores que causaram a dispersão das ovelhas. A culpa recai sobre os próprios pastores.

A responsabilidade dos pastores era proteger o rebanho contra os animais selvagens que viessem destrui-lo. Mas aqui os pastores são acusados de serem eles próprios como os animais selvagens, e terem destruído o rebanho o qual eles deveriam proteger. Embora o termo “pastor” possam se referir a qualquer um dos líderes de Judá, o contexto nos faz pensar particularmente nos reis. Deve-se notar aqui que o rebanho é particularmente designado como sendo “o rebanho da minha (de YHWH) pastagem”. Essa expressão “rebanho da minha pastagem” nós a encontramos em Sl 74,1; 79,13, 95,7 e 100,3).

Segundo alguns autores pode-se encontrar neste capítulo 23 duas importantes seções: o anúncio de uma nova salvação na época do Pastor-Rei davídico (1-8) e um duro ataque aos falsos profetas (9-40). Os autores citados interpretam o Ai! de abertura da perícope como uma ameaça contra os pastores, identificados como os reis de Judá desde Joacaz até Sedecias, que com a colaboração das autoridades civis e religiosas destruiram e dispersaram o povo de Deus. Em virtude da sua idolatria (2,8) acontecerá também a destruição iminente (10,21-22), destruição essa que atingirá pastores e ovelhas (22,22-30; 25,34-36). Todavia, como se trata do rebanho escolhido de YHWH este se levanta contra esses pastores que ao invés de visitar-cuidar (expressão indicada pelo uso do verbo paqad) do rebanho de YHWH, colaboram para sua dispersão e expulsão da Palestina para o desterro do exílio.

Holladay, em seu comentário, que o verbo hebraico ’bd pode significar também “deixar perecer”. O problema aqui é que o verbo significa que os pastores deixam as ovelhas morrerem como se tivessem sido assassinadas. O uso do verbo no piel dá a idéia de que os pastores tornaram-se assassinos, culpados pelo sangue das ovelhas. Este verbo é usado algumas vezes tendo YHWH como sujeito. Aqui há, segundo Holladay, uma ironia: YHWH pode ter ocasião para punir seu povo, todavia é ilegítimo para os reis e oficiais do povo fazerem isso.

O v. 3 significa que uma reunião do rebanho após este ter sido espalhado, dissipado, está para acontecer. YHWH pode reunir o “resto”. Em contraste com o v. 1 YHWH afirma que foi ele quem dispersou o rebanho. A rebelião da nação e a rejeição da aliança foi o motivo que os levou ao exílio. Todavia, os pastores foram os responsáveis pelo estado da vida da nação que resultou na realização das “maldições da aliança”, ou seja, o povo, não instruído pelos pastores, deixou de cumprir a sua parte no pacto e, por isso, sofreu as maldições anexas ao não cumprimento do pacto, assim como receberia as bênçãos referentes ao cumprimento do pacto, se tivessem se mantido na fidelidade a YHWH.

Alguns comentadores, sugerem que este versículo pressupõe o exílio e que, por isso, vem de um autor deuteronomista que o compôs durante o exílio. Não necessariamente precisamos seguir este ponto de vista afirma Thompson. A possibilidade de um exílio sempre foi uma ameaça, desde os tempos antigos, e sempre apareceu como uma das maldições previstas para o povo caso não cumprisse a aliança, quebrando assim suas obrigações. A mera referência ao exílio não é prova suficiente de que o escrito foi produzido no exílio. A possibilidade de exílio pelo não-cumprimento da aliança e a restauração posterior ao exílio para aqueles que cumprirem a aliança era entendida já nos tempos pré-exílicos. Não há razões para achar que Jeremias não tenha proferido expressões de esperança (cf. 3,14-18). A ideia de um tempo frutuoso e de um crescimento do povo após um exílio é um tema existente tanto em tempos pré-exílicos quanto em tempos pós-exílicos (cf. Am 9,11-15; Os 2,21-23; Ez 26; Zc 8,9-13).

As ações dos pastores resultam na dispersão do rebanho, no seu desterro, mas as ações de YHWH irão reunir o povo.

A   Vocês (pastores) dispersaram meu rebanho

B   e o lançastes for a

C   e não cuidastes dele

C’  Eu (YHWH) irei cuidar dele

A’  Eu irei reunir o resto de meu rebanho

B’  Eu os farei retornar

Quando eles voltarem, existirá para eles “pastagem”, “habitação”. As últimas duas palavras do versículo nos remetem ao texto da criação no Gn. “Eles serão fecundos e se multiplicarão”.

Os vv.5-6 são considerados por alguns autores como uma peça poética. Trata-se de um oráculo solene que aponta para o surgimento de uma nova era. Jeremias teria em mente um governante ideal que estaria próximo historicamente falando. A era que há de vir, na opinião de alguns autores, não é uma era escatológica, mas simplesmente a vinda de uma era particular, que marca o fim da atual marcada pela falência do reinado no contexto da aliança. Quando a monarquia for exercida em conformidade com a aliança, então as bênçãos da aliança irão se realizar no meio do povo de Deus. Ao longo dos séculos, nos períodos negros quando os reis não eram confiáveis e não cumpriam suas obrigações na aliança, os profetas olharam para este nobre ideal e prometeram seu pleno cumprimento em algum tempo futuro histórico, usando muitos termos semelhantes aos encontrados nesta passagem (cf. Is 9,5-6; 11,1-9; Mq 5,1-5; Am 9,11; Os 3,5 etc.).

Devemos, todavia, ler esse texto à luz do NT e, particularmente no contexto da liturgia prevista para hoje, à luz de Mc 6,30-34.

A perícope evangélica em questão encontra-se dentro do bloco onde Marcos narra o ministério de Jesus na Galiléia e que compreende os capítulos 1,14 – 7,23. Em Mc 6,7ss Jesus havia enviado os discípulos dois a dois para pregar a boa nova do Reino. Estes, ao regressarem, contam a Jesus tudo o que haviam feito e o Senhor os leva a um lugar reservado com o intuito de fazê-los “descansar um pouco”. Contudo, a multidão os vê partir e, quando chegam ao lugar que seria “de descanso” acabam se deparando com a imensa multidão, que estava, no dizer de Marcos, como “ovelhas sem pastor” (cf. Mc 6,34). A atitude de Jesus é ter compaixão e começar a ensinar às ovelhas muitas coisas. Bastante forte é o verbo usado por Marcos para indicar que Jesus teve compaixão.

O verbo grego é splagcnizw (splangknidzo). Em sentido ativo, ele significa “comer as entranhas de um animal sacrificado”. Em sentido passivo, como aprece no nosso texto, significa “ter as suas entranhas comidas”. Sabemos que Escritura do Antigo Testamento assim se expressava a misericórdia, falando que Deus tem “entranhas/vísceras de misericórdia”. Aqui é como se Jesus, nosso Cordeiro que haveria de ser sacrificado por nós, tivesse já antecipadamente as suas entranhas mexidas e devoradas por causa das ovelhas, que estavam perdidas, como ovelhas sem pastor. Ele, o verdadeiro pastor que supera todos os outros da Antiga Aliança, se move interiormente de amor pelas ovelhas. E começa a ensiná-las... O ensinamento do pastor é já expressão da sua misericórdia. Quantas são as ovelhas que hoje perecem por falta de ensinamento, ou ainda pior, por receberem de alguns pastores, ensinamentos espúrios.

 

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida