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19 de Maio de 2024

Acalanto de Meriam para Maya

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Acalanto de Meriam para Maya

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30/06/2014 15:52 - Atualizado em 30/06/2014 16:02

Acalanto de Meriam para Maya 0

30/06/2014 15:52 - Atualizado em 30/06/2014 16:02

Acalanto de Meriam para Maya / Arqrio

A recente libertação de Meriam Yehya Ibrahim, uma sudanesa cristã condenada à morte por enforcamento pelo crime de apostasia e à flagelação pelo crime de adultério, é um passo positivo em várias direções. Seu caso encerra várias injustiças contra as quais as pessoas livres de mente e de coração, e desejosas de um mundo melhor vêm lutando através do tempo.

Meriam está sujeita às leis de uma religião que não é a sua, mas por ser mulher e viver em um país muçulmano a ela são aplicáveis. A sudanesa é cristã ortodoxa, casada com um sudanês cristão, com o qual tem um filho de 20 meses.  Na ocasião de sua prisão e condenação, encontrava-se grávida de oito meses de uma segunda criança. Em seu país, onde impera a lei islâmica e é punida a conversão a outra religião, foi acusada, em agosto de 2013, de adultério, por estar em união com um homem que não é muçulmano, e em fevereiro deste ano foi-lhe imputado o crime de apostasia.

Fica bem flagrante a vulnerabilidade em que Meriam se encontra pelo simples fato de ser mulher.  Ela é avaliada e concebida em relação ao homem com quem se une e não em relação a si mesma. Fiel a seu marido, Meriam é inclusive acusada de adultério por casar-se com um homem que não professa a religião de seu país, embora professe a sua.

Meriam é uma cristã. Foi educada pela mãe segundo a religião ortodoxa e não islâmica, sendo o cristianismo a fé de seu pai, um homem pouco presente durante a sua infância. Casou-se com um sudanês do sul, também cristão, e desde então a lei islâmica tem encontrado falhas que considera graves na sua conduta. O casamento com pessoa de outra religião não é reconhecido pela sharia, a lei islâmica que regula o comportamento da sociedade muçulmana, onde não há separação entre religião e direito, e é baseada no Alcorão ou no pensamento de líderes religiosos.

Meriam foi acusada não apenas de adultério, mas também de apostasia, ao afirmar-se cristã e casar-se com um cristão.  Por isso, um tribunal de Cartum considerou-a culpada de duplo crime: adultério e apostasia, condenando-a à morte por enforcamento pela apostasia e a 100 chibatadas pelo adultério. Deu-lhe, porém o prazo de três dias para livrar-se da condenação e execução.  Meriam recusou-se e a sentença se manteve.

Meriam é mãe.  Seu filho de 20 meses de vida foi preso juntamente com ela.  E a criança que levava em seu ventre na gravidez quase a termo – uma menina – nasceu enquanto estava na prisão.   Na clínica do cárcere, Meriam, com os pés agrilhoados, deu à luz a Maya, bela menina.  E sua situação comoveu ainda mais o mundo. Sua força interior cresceu para permanecer fiel a suas convicções e não ceder às pressões que insistiam para que abjurasse e se tornasse muçulmana.  

 O caso de Meriam mobilizou mais de um milhão de membros, apoiadores e ativistas da Anistia Internacional, que pediram sua libertação imediata e incondicional. Manar Idriss, pesquisadora da Anistia no Sudão, declarou que “o adultério e a apostasia são atos que não devem ser considerados crimes, quanto mais serem comparados aos padrões internacionais do que é um ‘dos mais sérios crimes’ e a condenação por pena de morte.” Acrescentou tratar-se o caso de Meriam de uma violação flagrante da lei internacional dos direitos humanos.

Claro está que – como muitos outros casos de intolerância religiosa e violência por convicções pessoais, não apenas nos países islâmicos, mas também em outros – Meriam é uma prisioneira de consciência, condenada por sua identidade de mulher e cristã, e por suas crenças religiosas em um país que tem outra religião como oficial.  Por isso, sua libertação integral e incondicional representa uma enorme esperança para mulheres do mundo inteiro e para todas as pessoas que veem sua liberdade ameaçada por suas convicções mais profundas.

Certamente nos dias sombrios que passou na prisão Meriam temeu por sua vida e pela de seus filhos.  Temeu, sobretudo, não poder cuidar e ver crescer o filho pequeno e a menina que deu à luz e recebeu o nome de Maya.  Ao estreitar a pequena contra seu peito para amamentá-la, certamente Meriam cantou-lhe um acalanto regado de lágrimas de dor e tristeza pelo que o futuro lhe reservava.

Agora, respirando o ar puro da liberdade reconquistada, Meriam pode finalmente acalentar, embalar e amamentar a pequena Maya com alegria e o enlevo que todas as mães experimentam diante dos pequenos frutos de seu ventre.  E enquanto o faz, seguramente espera que sua pequena viva em um mundo mais livre e não tenha que sofrer o que ela sofreu.

Assim esperamos todos que nos unimos à causa de Meriam e agora cantamos com sua alegria.  Todos nós que acreditamos que a liberdade de religião e culto deve ser uma realidade em todas as partes do mundo.  Todos nós que acreditamos na dignidade de homens e mulheres como seres de igual valor criados pelo mesmo Deus, para cuidar da criação saída de suas mãos infatigáveis e amorosas.

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Acalanto de Meriam para Maya / Arqrio

Acalanto de Meriam para Maya

30/06/2014 15:52 - Atualizado em 30/06/2014 16:02

A recente libertação de Meriam Yehya Ibrahim, uma sudanesa cristã condenada à morte por enforcamento pelo crime de apostasia e à flagelação pelo crime de adultério, é um passo positivo em várias direções. Seu caso encerra várias injustiças contra as quais as pessoas livres de mente e de coração, e desejosas de um mundo melhor vêm lutando através do tempo.

Meriam está sujeita às leis de uma religião que não é a sua, mas por ser mulher e viver em um país muçulmano a ela são aplicáveis. A sudanesa é cristã ortodoxa, casada com um sudanês cristão, com o qual tem um filho de 20 meses.  Na ocasião de sua prisão e condenação, encontrava-se grávida de oito meses de uma segunda criança. Em seu país, onde impera a lei islâmica e é punida a conversão a outra religião, foi acusada, em agosto de 2013, de adultério, por estar em união com um homem que não é muçulmano, e em fevereiro deste ano foi-lhe imputado o crime de apostasia.

Fica bem flagrante a vulnerabilidade em que Meriam se encontra pelo simples fato de ser mulher.  Ela é avaliada e concebida em relação ao homem com quem se une e não em relação a si mesma. Fiel a seu marido, Meriam é inclusive acusada de adultério por casar-se com um homem que não professa a religião de seu país, embora professe a sua.

Meriam é uma cristã. Foi educada pela mãe segundo a religião ortodoxa e não islâmica, sendo o cristianismo a fé de seu pai, um homem pouco presente durante a sua infância. Casou-se com um sudanês do sul, também cristão, e desde então a lei islâmica tem encontrado falhas que considera graves na sua conduta. O casamento com pessoa de outra religião não é reconhecido pela sharia, a lei islâmica que regula o comportamento da sociedade muçulmana, onde não há separação entre religião e direito, e é baseada no Alcorão ou no pensamento de líderes religiosos.

Meriam foi acusada não apenas de adultério, mas também de apostasia, ao afirmar-se cristã e casar-se com um cristão.  Por isso, um tribunal de Cartum considerou-a culpada de duplo crime: adultério e apostasia, condenando-a à morte por enforcamento pela apostasia e a 100 chibatadas pelo adultério. Deu-lhe, porém o prazo de três dias para livrar-se da condenação e execução.  Meriam recusou-se e a sentença se manteve.

Meriam é mãe.  Seu filho de 20 meses de vida foi preso juntamente com ela.  E a criança que levava em seu ventre na gravidez quase a termo – uma menina – nasceu enquanto estava na prisão.   Na clínica do cárcere, Meriam, com os pés agrilhoados, deu à luz a Maya, bela menina.  E sua situação comoveu ainda mais o mundo. Sua força interior cresceu para permanecer fiel a suas convicções e não ceder às pressões que insistiam para que abjurasse e se tornasse muçulmana.  

 O caso de Meriam mobilizou mais de um milhão de membros, apoiadores e ativistas da Anistia Internacional, que pediram sua libertação imediata e incondicional. Manar Idriss, pesquisadora da Anistia no Sudão, declarou que “o adultério e a apostasia são atos que não devem ser considerados crimes, quanto mais serem comparados aos padrões internacionais do que é um ‘dos mais sérios crimes’ e a condenação por pena de morte.” Acrescentou tratar-se o caso de Meriam de uma violação flagrante da lei internacional dos direitos humanos.

Claro está que – como muitos outros casos de intolerância religiosa e violência por convicções pessoais, não apenas nos países islâmicos, mas também em outros – Meriam é uma prisioneira de consciência, condenada por sua identidade de mulher e cristã, e por suas crenças religiosas em um país que tem outra religião como oficial.  Por isso, sua libertação integral e incondicional representa uma enorme esperança para mulheres do mundo inteiro e para todas as pessoas que veem sua liberdade ameaçada por suas convicções mais profundas.

Certamente nos dias sombrios que passou na prisão Meriam temeu por sua vida e pela de seus filhos.  Temeu, sobretudo, não poder cuidar e ver crescer o filho pequeno e a menina que deu à luz e recebeu o nome de Maya.  Ao estreitar a pequena contra seu peito para amamentá-la, certamente Meriam cantou-lhe um acalanto regado de lágrimas de dor e tristeza pelo que o futuro lhe reservava.

Agora, respirando o ar puro da liberdade reconquistada, Meriam pode finalmente acalentar, embalar e amamentar a pequena Maya com alegria e o enlevo que todas as mães experimentam diante dos pequenos frutos de seu ventre.  E enquanto o faz, seguramente espera que sua pequena viva em um mundo mais livre e não tenha que sofrer o que ela sofreu.

Assim esperamos todos que nos unimos à causa de Meriam e agora cantamos com sua alegria.  Todos nós que acreditamos que a liberdade de religião e culto deve ser uma realidade em todas as partes do mundo.  Todos nós que acreditamos na dignidade de homens e mulheres como seres de igual valor criados pelo mesmo Deus, para cuidar da criação saída de suas mãos infatigáveis e amorosas.

Maria Clara Lucchetti Bingemer
Autor

Maria Clara Lucchetti Bingemer

Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio