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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 09/05/2024

09 de Maio de 2024

"Dai-lhes vós mesmos de comer”

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"Dai-lhes vós mesmos de comer”

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19/06/2014 00:00 - Atualizado em 20/06/2014 21:06

"Dai-lhes vós mesmos de comer” 0

19/06/2014 00:00 - Atualizado em 20/06/2014 21:06

Ouça a Voz do Pastor deste domingo - 22 de junho


Celebramos com alegria a festa de Corpus Christi, expressão latina que significa Corpo de Cristo, propondo para reflexão esta ordem do Senhor aos discípulos atentos à fome da multidão desejosa de ouvir a palavra de Deus: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”.

Se a proposta do Senhor é estranha, as alternativas dos seus seguidores também são: ter cinco pães e dois peixes ou ir aos povoados comprar alimentos. Eis, porém, que Jesus descarta a segunda solução, que é sair para buscar algo fora, e fica com aquilo que pode ser extraído de dentro da própria comunidade ali reunida: propõe o uso dos cinco pães e dos dois peixes.

Acomodado o povo em grupos de 50, Ele toma os alimentos, eleva os olhos para os céus, abençoa a refeição, parte-a (reparte-a) e chama os discípulos para que façam a distribuição ao povo. Agora, como se vê, está mais fácil, pois há o que distribuir. Não é uma utopia como parecia no início da narrativa. Está ali grande quantidade de pães e de peixes de modo que todos se saciam e das sobras ainda se recolhem 12 cestos.

Estamos, sem sombra de dúvidas, como atesta toda a tradição da Igreja, diante de um grande sinal, rico em significados para nós, especialmente no que toca à Sagrada Eucaristia, cuja festa celebramos.

Estamos em um contexto de missão. O senhor acabara de constituir os seus discípulos em missionários que deveriam sair pelo mundo de modo desprendido para pregar, curar, realizar prodígios em Seu nome. Eles executam a incumbência que o Senhor lhes confiou, obtêm sucesso e, por essa razão, retornam felizes para o Mestre. Saem para um retiro, mas nem mesmo lá têm o merecido descanso. São chamados pelo próprio Cristo a resolver o problema do povo faminto.

Tal ocorrência quer nos dizer que, sem cair no ativismo, o homem e a mulher que se entregam a Deus devem fazê-lo com a dedicação total daquele que, qual chama de uma vela, se consome pelo Reino, de modo a rezar falando das necessidades do próximo para Deus, e a agir falando de Deus para o próximo mais necessitado. É verdadeiro missionário aquele que não faz apenas o que deseja, mas, ao contrário, executa o que o Senhor pede nas horas mais inoportunas da vida, como no momento precioso de sono, no dia ou hora de merecido descanso, no instante em que ia chegar uma visita importante para o almoço, mas, inesperadamente, Cristo lhe bate à porta, na pessoa do irmão desejoso de um prato de comida.

Nossa tendência humana, fraca como é, inclina-se a deixar para depois ou a buscar soluções mais fáceis e descomprometidas como aquelas, infelizmente muito medíocres, dos que dizem mais ou menos assim: “Não tenho obrigação de ajudar, a paróquia que os socorra. Não é em vão que já pago meu dízimo. Eu doo o quilo todos os meses. Vendo rifas dos bolos de festas, entre outras coisas”. Não terá sido semelhante a este também o pensamento que assaltou os apóstolos quando foram desafiados a dar eles mesmos de comer àquela gente?

Sim, pois não é estranho que tenham pensado, repetimos: “Já fizemos nossa missão, realizamos portentos, voltamos felizes, prestamos nossas contas, estamos em nosso descanso, essa gente vem nos importunar, tomam nosso tempo junto ao Mestre e, como se tudo isso não bastasse, temos de lhes saciar também a fome, arrumando algo para comerem?”.

É, no entanto, nessas crises entre o pensamento misericordioso do Senhor e as nossas conjecturas mesquinhas superadas que as maravilhas celestes se realizam abundantemente. Já no Antigo Testamento, em tempos difíceis, Deus dá a todos o maná, que prefigura a Eucaristia, a fim de que, nos acampamentos dos judeus, ninguém perecesse, pois o Pai celeste cuidou dos seus escolhidos e os saciou com fartura (cf. Êx 16).

Algo interessante ainda se pode notar: o Senhor não precisa de nós, mas, como é nosso parceiro de vida, quer precisar do nosso auxílio. Chama-nos à responsabilidade ordenando-nos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Ordem difícil, mas possível com a força divina. Basta que apresentemos o pouco que temos para que desse pouco Ele faça maravilhas em nosso favor e em benefício dos que convivem conosco.

Que pouco é esse que tinham os discípulos – e nós também hoje temos? É algo singelo, cinco pães e dois peixes, mas que somados, graças ao convite, à entrega e à bênção de Cristo, se tornam o importante e perfeito alimento.

O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes não se dá, no entanto, em um passe de mágica, mas, sim, no contexto da oração que o evangelista bem detalha: tomar nas mãos o alimento, elevar os olhos aos céus, abençoar, partir e, então, entregar aos discípulos para que distribuam à multidão. É a prefiguração da Eucaristia. Esses verbos da narrativa lembram os mesmos utilizados para nos transmitir a última ceia ao dizer que Cristo toma o pão, abençoa, parte, entrega.

A diferença, contudo, é a de que aqui Ele apenas entrega o pão e, na última ceia, Ele se entrega no pão que, consagrado, não representa, mas é o próprio Senhor presente em seu corpo, sangue, alma e divindade, para alimento e sustento do seu povo neste mundo, em caminho para a pátria definitiva.

No episódio do Evangelho, todos se fartam e ainda são recolhidos das sobras 12 cestos cheios. É outro simbolismo: 12 lembra a totalidade, as 12 tribos de Israel. Mostra que o Senhor quer saciar a todos, indistintamente. Deseja, porém, que nada seja desperdiçado, mas que as sobras sejam coletadas para serem usadas em outra refeição, em outro momento. A comida é sagrada, foi criada por Deus para matar a fome e não para ser jogada fora por uns enquanto faz falta para outros.

Daí a importância de que visitemos com frequência, se possível diariamente, a Jesus Sacramentado. Afinal, aí está um grande mistério, mistério de fé, como professamos em todas as missas, após a consagração. Só pode ser por um grande amor, amor divino merecedor de toda nossa adoração.

Desejamos, por fim, lembrar que a missão de adorar o Senhor na Eucaristia – seja silenciosa e pessoalmente, em alguns momentos do dia, seja com cantos, enfeites e procissões no dia de Corpus Christi – jamais pode estar dissociada da ajuda aos irmãos e irmãs mais necessitados que acorrem a nós não só em busca da Palavra de Deus, mas também do alimento corporal.

Afinal, é nobre missão da Igreja, no seu trabalho evangelizador, lutar pela promoção humana (cf. Evangelii Gaudium n. 178), especialmente daqueles que mais necessitam de nossa presença fraterna e acolhedora nas “periferias existenciais” – expressão cara ao Papa Francisco – de suas vidas, pois é certo que a cada um de nós, hoje, o Senhor Jesus dirige a mesma exortação feita aos Apóstolos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.




 

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"Dai-lhes vós mesmos de comer”

19/06/2014 00:00 - Atualizado em 20/06/2014 21:06

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Celebramos com alegria a festa de Corpus Christi, expressão latina que significa Corpo de Cristo, propondo para reflexão esta ordem do Senhor aos discípulos atentos à fome da multidão desejosa de ouvir a palavra de Deus: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”.

Se a proposta do Senhor é estranha, as alternativas dos seus seguidores também são: ter cinco pães e dois peixes ou ir aos povoados comprar alimentos. Eis, porém, que Jesus descarta a segunda solução, que é sair para buscar algo fora, e fica com aquilo que pode ser extraído de dentro da própria comunidade ali reunida: propõe o uso dos cinco pães e dos dois peixes.

Acomodado o povo em grupos de 50, Ele toma os alimentos, eleva os olhos para os céus, abençoa a refeição, parte-a (reparte-a) e chama os discípulos para que façam a distribuição ao povo. Agora, como se vê, está mais fácil, pois há o que distribuir. Não é uma utopia como parecia no início da narrativa. Está ali grande quantidade de pães e de peixes de modo que todos se saciam e das sobras ainda se recolhem 12 cestos.

Estamos, sem sombra de dúvidas, como atesta toda a tradição da Igreja, diante de um grande sinal, rico em significados para nós, especialmente no que toca à Sagrada Eucaristia, cuja festa celebramos.

Estamos em um contexto de missão. O senhor acabara de constituir os seus discípulos em missionários que deveriam sair pelo mundo de modo desprendido para pregar, curar, realizar prodígios em Seu nome. Eles executam a incumbência que o Senhor lhes confiou, obtêm sucesso e, por essa razão, retornam felizes para o Mestre. Saem para um retiro, mas nem mesmo lá têm o merecido descanso. São chamados pelo próprio Cristo a resolver o problema do povo faminto.

Tal ocorrência quer nos dizer que, sem cair no ativismo, o homem e a mulher que se entregam a Deus devem fazê-lo com a dedicação total daquele que, qual chama de uma vela, se consome pelo Reino, de modo a rezar falando das necessidades do próximo para Deus, e a agir falando de Deus para o próximo mais necessitado. É verdadeiro missionário aquele que não faz apenas o que deseja, mas, ao contrário, executa o que o Senhor pede nas horas mais inoportunas da vida, como no momento precioso de sono, no dia ou hora de merecido descanso, no instante em que ia chegar uma visita importante para o almoço, mas, inesperadamente, Cristo lhe bate à porta, na pessoa do irmão desejoso de um prato de comida.

Nossa tendência humana, fraca como é, inclina-se a deixar para depois ou a buscar soluções mais fáceis e descomprometidas como aquelas, infelizmente muito medíocres, dos que dizem mais ou menos assim: “Não tenho obrigação de ajudar, a paróquia que os socorra. Não é em vão que já pago meu dízimo. Eu doo o quilo todos os meses. Vendo rifas dos bolos de festas, entre outras coisas”. Não terá sido semelhante a este também o pensamento que assaltou os apóstolos quando foram desafiados a dar eles mesmos de comer àquela gente?

Sim, pois não é estranho que tenham pensado, repetimos: “Já fizemos nossa missão, realizamos portentos, voltamos felizes, prestamos nossas contas, estamos em nosso descanso, essa gente vem nos importunar, tomam nosso tempo junto ao Mestre e, como se tudo isso não bastasse, temos de lhes saciar também a fome, arrumando algo para comerem?”.

É, no entanto, nessas crises entre o pensamento misericordioso do Senhor e as nossas conjecturas mesquinhas superadas que as maravilhas celestes se realizam abundantemente. Já no Antigo Testamento, em tempos difíceis, Deus dá a todos o maná, que prefigura a Eucaristia, a fim de que, nos acampamentos dos judeus, ninguém perecesse, pois o Pai celeste cuidou dos seus escolhidos e os saciou com fartura (cf. Êx 16).

Algo interessante ainda se pode notar: o Senhor não precisa de nós, mas, como é nosso parceiro de vida, quer precisar do nosso auxílio. Chama-nos à responsabilidade ordenando-nos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Ordem difícil, mas possível com a força divina. Basta que apresentemos o pouco que temos para que desse pouco Ele faça maravilhas em nosso favor e em benefício dos que convivem conosco.

Que pouco é esse que tinham os discípulos – e nós também hoje temos? É algo singelo, cinco pães e dois peixes, mas que somados, graças ao convite, à entrega e à bênção de Cristo, se tornam o importante e perfeito alimento.

O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes não se dá, no entanto, em um passe de mágica, mas, sim, no contexto da oração que o evangelista bem detalha: tomar nas mãos o alimento, elevar os olhos aos céus, abençoar, partir e, então, entregar aos discípulos para que distribuam à multidão. É a prefiguração da Eucaristia. Esses verbos da narrativa lembram os mesmos utilizados para nos transmitir a última ceia ao dizer que Cristo toma o pão, abençoa, parte, entrega.

A diferença, contudo, é a de que aqui Ele apenas entrega o pão e, na última ceia, Ele se entrega no pão que, consagrado, não representa, mas é o próprio Senhor presente em seu corpo, sangue, alma e divindade, para alimento e sustento do seu povo neste mundo, em caminho para a pátria definitiva.

No episódio do Evangelho, todos se fartam e ainda são recolhidos das sobras 12 cestos cheios. É outro simbolismo: 12 lembra a totalidade, as 12 tribos de Israel. Mostra que o Senhor quer saciar a todos, indistintamente. Deseja, porém, que nada seja desperdiçado, mas que as sobras sejam coletadas para serem usadas em outra refeição, em outro momento. A comida é sagrada, foi criada por Deus para matar a fome e não para ser jogada fora por uns enquanto faz falta para outros.

Daí a importância de que visitemos com frequência, se possível diariamente, a Jesus Sacramentado. Afinal, aí está um grande mistério, mistério de fé, como professamos em todas as missas, após a consagração. Só pode ser por um grande amor, amor divino merecedor de toda nossa adoração.

Desejamos, por fim, lembrar que a missão de adorar o Senhor na Eucaristia – seja silenciosa e pessoalmente, em alguns momentos do dia, seja com cantos, enfeites e procissões no dia de Corpus Christi – jamais pode estar dissociada da ajuda aos irmãos e irmãs mais necessitados que acorrem a nós não só em busca da Palavra de Deus, mas também do alimento corporal.

Afinal, é nobre missão da Igreja, no seu trabalho evangelizador, lutar pela promoção humana (cf. Evangelii Gaudium n. 178), especialmente daqueles que mais necessitam de nossa presença fraterna e acolhedora nas “periferias existenciais” – expressão cara ao Papa Francisco – de suas vidas, pois é certo que a cada um de nós, hoje, o Senhor Jesus dirige a mesma exortação feita aos Apóstolos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.




 

Cardeal Orani João Tempesta
Autor

Cardeal Orani João Tempesta

Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro