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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

“Já não são dois, mas uma só carne” (Mc 10,8)

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17 de Maio de 2024

“Já não são dois, mas uma só carne” (Mc 10,8)

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05/10/2018 18:36 - Atualizado em 05/10/2018 18:36

“Já não são dois, mas uma só carne” (Mc 10,8) 0

05/10/2018 18:36 - Atualizado em 05/10/2018 18:36

Hoje Jesus nos faz uma catequese sobre o matrimônio e a família, sobre o lugar do homem e da mulher na economia da salvação. Tudo começa quando os fariseus, querendo testar Jesus, perguntam se é lícito ou não ao marido repudiar a esposa. De fato, era uma pergunta capciosa. Os fariseus já conheciam bem o texto de Deuteronômio 24, que permitia ao homem despedir a sua esposa caso ele visse nela algo de inconveniente. Todavia, os fariseus querem pôr Jesus à prova, querem testá-Lo, querem ver se Ele se coloca contra a Torá, para terem, assim, um motivo para acusá-Lo.

Jesus pergunta aos fariseus o que diz Moisés, o que Moisés “mandou” fazer. Os fariseus remetem ao Deuteronômio 24, e afirmam que Moisés “permitiu” que se repudiasse a mulher. Interessante o jogo de palavras de Marcos: Jesus pergunta o que Moisés “mandou”, e os fariseus respondem dizendo o que Moisés “permitiu”. Moisés, de fato, não “mandou”, mas “permitiu” que o homem desse à mulher um documento de divórcio, por causa da sua esklerokardia e da sua “dureza de coração”.

O tema da dureza de coração, da esklerokardia, aparece nos profetas (cf. Jr 18,11-12) e, nos salmos, Deus se lamenta por causa da esklerokardia do seu povo: Sl 81,12-13: E meu povo não ouviu minha voz, Israel não quis obedecer-Me; então, os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos!” O homem é entregue aos seus próprios caminhos, por causa da sua dureza de coração.

Deus não pensou e nem desejou o divórcio. Moisés, em virtude da dureza de coração do povo, “permitiu” que isso fosse feito. Mas, afirma Jesus, “no princípio”, no “gênesis”, no projeto original de Deus não foi assim. Jesus explica a Torá (Lei) pela própria Torá! A Torá não se contradiz, pois o projeto original de Deus está lá manifestado, intacto, relatado no texto do Gênesis ao qual Jesus se refere. Todavia, na experiência da dureza de coração do povo, Moisés lhes dá um preceito, transitório, que durará até que seus corações sejam dilatados para entender a Torá na sua integridade e não segundo a sua estreiteza.

Cristo, que leva à plenitude a Revelação, manifesta no Evangelho o desejo de Deus para o matrimônio e a família. Ele retoma dois textos do Gênesis: 1,27 e 2,24. Assim, Ele afirma que desde o princípio da criação “Ele os fez homem e mulher, e os dois serão uma só carne.” Aqui se coloca a revelação de Deus a respeito do homem e da mulher e, consequentemente, do matrimônio. Deus os fez “homem e mulher”. A nossa sexualidade é um elemento da nossa identidade, um dom, uma graça, que deve ser recebida com gratidão. Vendo Deus que não era bom para o homem estar só, Deus resolve dar-lhe uma auxiliar “semelhante a Ele” (Gn 2,18). Depois de dar nome a todos os animais, Adão percebe que não existe entre eles alguém que lhe corresponda. Deus, então, faz cair um sono sobre Adão, uma espécie de êxtase, para que ele não veja a obra portentosa de Deus: a criação da mulher. O autor do Gênesis descreve, então, de forma simbólica, mas rica em conteúdo teológico, a criação da mulher. Deus retira uma costela de Adão e a partir dela faz a mulher. Deus conduz a mulher até Adão e este exclama: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem.” E, por isso, o homem deixa seu pai e sua mãe e se une à sua mulher, e os dois serão uma só carne.

Várias ideias teológicas estão presentes neste texto do Gênesis. A primeira é a igualdade de condições entre o homem e a mulher: esta foi tirada do seu lado aberto! Ela se chamará mulher (em hebraico îshá), pois foi tirada do homem (îsh): mesma raiz gramatical, mesma dignidade entre os dois. A segunda ideia teológica presente no texto é a do casamento monogâmico: Deus cria uma mulher que corresponde ao homem. A terceira mensagem teológica do texto é a da comunhão que deve existir entre o homem e a mulher. O homem reconhece na mulher alguém que lhe corresponde, um outro eu, por isso ele afirma: “esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. A mulher é a ajuda adequada para o homem, alguém com quem ele vai dividir a vida. E, por fim, a indissolubilidade do vínculo gerado entre os dois.

Somos chamados hoje a olhar o matrimônio sob o prisma sacramental. O matrimônio deve ser, para nós cristãos, um sinal visível da união de Cristo com sua Igreja. Se, em âmbito natural, o divórcio não se aplica porque contraria a verdade do matrimônio, destrói aquela família que se formou da livre e espontânea vontade de duas pessoas, mais ainda no âmbito religioso o divórcio se mostra como um grande contratestemunho para o mundo que nos cerca. Cristo não abandona a Igreja. Ela, que também nasceu do seu lado aberto na cruz, como a mulher nasceu do lado aberto de Adão que dormia, não foi abandonada em nenhuma hipótese pelo seu esposo.

O amor de Cristo pela sua Igreja durou até a morte, foi um amor até as últimas consequências. Também o amor matrimonial, ainda que se torne, por causa das diferenças, um amor crucificado, é chamado a ser assumido até as suas últimas consequências. Se o matrimônio se tornou uma cruz, ele não deve ser arrastado, mas oferecido ao Pai como oblação pura. Muitas vezes a convivência matrimonial torna-se impossível, por diversos fatores, até mesmo não queridos por um ou ambos os cônjuges, todavia o vínculo assumido permanece até o fim, e é isso que Jesus nos lembra nesse evangelho. Em Cristo, o matrimônio nunca termina. Isso não deve ser encarado como um peso, como uma lei que mata, mas como um dom, como uma garantia de vitalidade. Cristo concede ao matrimônio a mesma durabilidade que o seu amor pela Igreja. O homem não pode separar aquilo o que Cristo uniu (Mc 10,9).

Cristo que nos apresenta hoje essa Palavra, ou melhor, que se apresenta a cada um de nós nessa Palavra, é chamado pelo autor da carta aos hebreus, na segunda leitura de hoje, de “iniciador” e “consumador” da nossa salvação. Aqu’Ele que desejou “conduzir muitos filhos à glória”. Ele provou em nosso favor a morte, e por isso foi coroado de honra e glória. Ressuscitado, ele também nos ressuscitará no último dia, do qual este domingo é prenúncio e antecipação. Peçamos ao Pai, por Cristo, na força do Espírito Santo, que esta Eucaristia fortaleça as nossas famílias. Que as pedras do caminho e o peso dos anos não sufoquem aqueles que se colocaram nesta bela e exigente jornada. Que o amor nos nossos casais se renove a cada dia e se faça sempre jovem, como é o amor de Cristo pela sua Igreja. Ele sempre nos olha com a mesma ternura da primeira hora, apesar das rugas que marcam o nosso rosto. O peso das injúrias e até mesmo das infidelidades não arrefecem o seu amor humano e divino. Que esse mesmo amor inflame o coração dos nossos casais: um amor crucificado! Que o seu amor seja fortalecido e renovado pelo Senhor, a fim de que nossas famílias sejam um sinal do próprio amor de Cristo pela sua Igreja! Que a fecundidade não se afaste de nossos lares, para que, como diz o salmista, “os filhos sejam como rebentos de oliveira ao redor de tua mesa”, e “tua esposa seja um videira bem fecunda no coração de tua casa”.

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“Já não são dois, mas uma só carne” (Mc 10,8)

05/10/2018 18:36 - Atualizado em 05/10/2018 18:36

Hoje Jesus nos faz uma catequese sobre o matrimônio e a família, sobre o lugar do homem e da mulher na economia da salvação. Tudo começa quando os fariseus, querendo testar Jesus, perguntam se é lícito ou não ao marido repudiar a esposa. De fato, era uma pergunta capciosa. Os fariseus já conheciam bem o texto de Deuteronômio 24, que permitia ao homem despedir a sua esposa caso ele visse nela algo de inconveniente. Todavia, os fariseus querem pôr Jesus à prova, querem testá-Lo, querem ver se Ele se coloca contra a Torá, para terem, assim, um motivo para acusá-Lo.

Jesus pergunta aos fariseus o que diz Moisés, o que Moisés “mandou” fazer. Os fariseus remetem ao Deuteronômio 24, e afirmam que Moisés “permitiu” que se repudiasse a mulher. Interessante o jogo de palavras de Marcos: Jesus pergunta o que Moisés “mandou”, e os fariseus respondem dizendo o que Moisés “permitiu”. Moisés, de fato, não “mandou”, mas “permitiu” que o homem desse à mulher um documento de divórcio, por causa da sua esklerokardia e da sua “dureza de coração”.

O tema da dureza de coração, da esklerokardia, aparece nos profetas (cf. Jr 18,11-12) e, nos salmos, Deus se lamenta por causa da esklerokardia do seu povo: Sl 81,12-13: E meu povo não ouviu minha voz, Israel não quis obedecer-Me; então, os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos!” O homem é entregue aos seus próprios caminhos, por causa da sua dureza de coração.

Deus não pensou e nem desejou o divórcio. Moisés, em virtude da dureza de coração do povo, “permitiu” que isso fosse feito. Mas, afirma Jesus, “no princípio”, no “gênesis”, no projeto original de Deus não foi assim. Jesus explica a Torá (Lei) pela própria Torá! A Torá não se contradiz, pois o projeto original de Deus está lá manifestado, intacto, relatado no texto do Gênesis ao qual Jesus se refere. Todavia, na experiência da dureza de coração do povo, Moisés lhes dá um preceito, transitório, que durará até que seus corações sejam dilatados para entender a Torá na sua integridade e não segundo a sua estreiteza.

Cristo, que leva à plenitude a Revelação, manifesta no Evangelho o desejo de Deus para o matrimônio e a família. Ele retoma dois textos do Gênesis: 1,27 e 2,24. Assim, Ele afirma que desde o princípio da criação “Ele os fez homem e mulher, e os dois serão uma só carne.” Aqui se coloca a revelação de Deus a respeito do homem e da mulher e, consequentemente, do matrimônio. Deus os fez “homem e mulher”. A nossa sexualidade é um elemento da nossa identidade, um dom, uma graça, que deve ser recebida com gratidão. Vendo Deus que não era bom para o homem estar só, Deus resolve dar-lhe uma auxiliar “semelhante a Ele” (Gn 2,18). Depois de dar nome a todos os animais, Adão percebe que não existe entre eles alguém que lhe corresponda. Deus, então, faz cair um sono sobre Adão, uma espécie de êxtase, para que ele não veja a obra portentosa de Deus: a criação da mulher. O autor do Gênesis descreve, então, de forma simbólica, mas rica em conteúdo teológico, a criação da mulher. Deus retira uma costela de Adão e a partir dela faz a mulher. Deus conduz a mulher até Adão e este exclama: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem.” E, por isso, o homem deixa seu pai e sua mãe e se une à sua mulher, e os dois serão uma só carne.

Várias ideias teológicas estão presentes neste texto do Gênesis. A primeira é a igualdade de condições entre o homem e a mulher: esta foi tirada do seu lado aberto! Ela se chamará mulher (em hebraico îshá), pois foi tirada do homem (îsh): mesma raiz gramatical, mesma dignidade entre os dois. A segunda ideia teológica presente no texto é a do casamento monogâmico: Deus cria uma mulher que corresponde ao homem. A terceira mensagem teológica do texto é a da comunhão que deve existir entre o homem e a mulher. O homem reconhece na mulher alguém que lhe corresponde, um outro eu, por isso ele afirma: “esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. A mulher é a ajuda adequada para o homem, alguém com quem ele vai dividir a vida. E, por fim, a indissolubilidade do vínculo gerado entre os dois.

Somos chamados hoje a olhar o matrimônio sob o prisma sacramental. O matrimônio deve ser, para nós cristãos, um sinal visível da união de Cristo com sua Igreja. Se, em âmbito natural, o divórcio não se aplica porque contraria a verdade do matrimônio, destrói aquela família que se formou da livre e espontânea vontade de duas pessoas, mais ainda no âmbito religioso o divórcio se mostra como um grande contratestemunho para o mundo que nos cerca. Cristo não abandona a Igreja. Ela, que também nasceu do seu lado aberto na cruz, como a mulher nasceu do lado aberto de Adão que dormia, não foi abandonada em nenhuma hipótese pelo seu esposo.

O amor de Cristo pela sua Igreja durou até a morte, foi um amor até as últimas consequências. Também o amor matrimonial, ainda que se torne, por causa das diferenças, um amor crucificado, é chamado a ser assumido até as suas últimas consequências. Se o matrimônio se tornou uma cruz, ele não deve ser arrastado, mas oferecido ao Pai como oblação pura. Muitas vezes a convivência matrimonial torna-se impossível, por diversos fatores, até mesmo não queridos por um ou ambos os cônjuges, todavia o vínculo assumido permanece até o fim, e é isso que Jesus nos lembra nesse evangelho. Em Cristo, o matrimônio nunca termina. Isso não deve ser encarado como um peso, como uma lei que mata, mas como um dom, como uma garantia de vitalidade. Cristo concede ao matrimônio a mesma durabilidade que o seu amor pela Igreja. O homem não pode separar aquilo o que Cristo uniu (Mc 10,9).

Cristo que nos apresenta hoje essa Palavra, ou melhor, que se apresenta a cada um de nós nessa Palavra, é chamado pelo autor da carta aos hebreus, na segunda leitura de hoje, de “iniciador” e “consumador” da nossa salvação. Aqu’Ele que desejou “conduzir muitos filhos à glória”. Ele provou em nosso favor a morte, e por isso foi coroado de honra e glória. Ressuscitado, ele também nos ressuscitará no último dia, do qual este domingo é prenúncio e antecipação. Peçamos ao Pai, por Cristo, na força do Espírito Santo, que esta Eucaristia fortaleça as nossas famílias. Que as pedras do caminho e o peso dos anos não sufoquem aqueles que se colocaram nesta bela e exigente jornada. Que o amor nos nossos casais se renove a cada dia e se faça sempre jovem, como é o amor de Cristo pela sua Igreja. Ele sempre nos olha com a mesma ternura da primeira hora, apesar das rugas que marcam o nosso rosto. O peso das injúrias e até mesmo das infidelidades não arrefecem o seu amor humano e divino. Que esse mesmo amor inflame o coração dos nossos casais: um amor crucificado! Que o seu amor seja fortalecido e renovado pelo Senhor, a fim de que nossas famílias sejam um sinal do próprio amor de Cristo pela sua Igreja! Que a fecundidade não se afaste de nossos lares, para que, como diz o salmista, “os filhos sejam como rebentos de oliveira ao redor de tua mesa”, e “tua esposa seja um videira bem fecunda no coração de tua casa”.

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida