Arquidiocese do Rio de Janeiro

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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

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18/10/2013 16:10 - Atualizado em 18/10/2013 16:10

Nunca desistir 0

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Nunca desistir / Arqrio

“Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra!” Sl 120, 2

Hoje fazemos da voz do salmista a nossa própria voz e também clamamos: De onde pode vir o meu socorro? O mesmo salmista nos responde: Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra! Estamos diante de um “cântico das subidas”, ou seja, um dos muitos salmos da Escritura cantados enquanto se ia para Jerusalém em peregrinação. Chamamo-lo “cântico das subidas” porque para Jerusalém sempre se sobe, uma vez que é a cidade de Deus, onde se encontra o Templo Santo, a morada de Deus entre os homens. Enquanto o peregrino olha os montes ele se pergunta: De onde pode vir o meu socorro? E espontaneamente brota a resposta: Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e a terra!

Este salmo se aplica perfeitamente a nós, povo de Deus. Nós também somos peregrinos neste mundo e caminhamos em meio a muitos perigos. Ao olharmos para os montes que precisamos atravessar para alcançar Jerusalém também nos perguntamos: De onde pode vir o meu socorro? E sentimos como que uma voz, a voz do Espírito, suscitando no nosso coração a resposta: Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e a terra!

Sim, hoje o Senhor vem em nosso socorro. Ele vem ao nosso socorro com a Palavra da Escritura, um tesouro, um verdadeiro tesouro que é aberto para nós nesta Eucaristia. A Escritura é nosso tesouro, porque como nos ensina o Apóstolo na segunda leitura: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e qualificado para toda boa obra.

Queremos hoje ser ensinados, corrigidos e educados na justiça, a fim de sermos perfeitos e qualificados para toda boa obra. E hoje, caríssimos, a Palavra de Deus vem nos exortar a respeito da importância da oração. A Palavra de Deus hoje nos provoca a entendermos o que significa a oração na vida cristã e nos exorta a fim de que percebamos que a oração contínua é a postura própria do homem de fé.

A primeira leitura nos apresenta a luta do povo de Deus contra Amalec. Uma luta que é vencida não pelo poder das armas, mas pelo poder da oração. Comentando este trecho da Escritura, Orígenes diz: “...o povo de Deus não lutava tanto com a mão e as armas, mas sim com a voz e a língua, ou seja, derrotava seus inimigos dirigindo sua oração a Deus.” Era enquanto Moisés mantinha seus braços erguidos para Aquele que é o vencedor de todas as batalhas que o povo derrotava Amalec. E quando os braços de Moisés se tornam pesados, Aarão e Ur vêm em seu socorro e sustentam os braços do ancião, para que este permaneça em oração a Deus a fim de que o povo vença esta terrível batalha. Amalec derrotado pelo poder da oração se tornou símbolo do poder das trevas e do verdadeiro inimigo. Sabemos que não se trata mais de uma luta contra homens de carne e sangue, como nos fala São Paulo na carta aos Efésios, mas de uma luta contra as forças espirituais do mal espalhadas nos ares. A nossa luta não é mais contra o Amalec terreno, mas contra aquele que é inimigo do nosso espírito, inimigo da nossa salvação e que deseja todo o mal contra nós. A nossa luta é contra aquele que por inveja nos seduziu e introduziu assim no mundo o sofrimento e a morte. Este inimigo só pode ser derrotado pelo poder da oração. O mesmo Orígenes afirma que essa palavra se cumpre em nós: “Verdadeiramente se cumpre em nós aquilo do qual foi figura: quando ele erguia as mãos, Amalec era derrotado; mas, se as deixava cair cansadas e abaixava seus débeis braços, então Amalec levava a melhor parte. Assim também nós tenhamos os braços no poder da cruz e elevemos na oração mãos santas em todo lugar, sem ira nem discussões, para que mereçamos o auxílio do Senhor. Também a isto nos exorta o apóstolo São Tiago quando diz: Resisti ao diabo e ele fugirá de vós.”

Também nós, para derrotarmos Amalec, devemos estender os nossos braços como Moisés. Mas vejamos que um outro Moisés surgiu para nós. Os braços do primeiro Moisés se ergueram para Deus, mas se cansaram, precisaram ser sustentados pela força de Aarão e de Ur. Os braços de Cristo, verdadeiro Moisés, se abriram na cruz, como que abraçando a toda a humanidade e ofertando aos homens a salvação, a verdadeira vitória contra Amalec. Por isso, nós não repetimos o sacrifício de Moisés, mas nos unimos ao de Cristo e como nos exorta Orígenes, estendemos nossos braços ao poder da cruz e nos unimos ao sacrifício redentor de Cristo que derrotou definitivamente Amalec. Aliás a oração cristã não é tanto um pedir coisas a Deus, mas é oferecer-se com Cristo em sacrifício, como nos ensina Tertuliano em seu De oratione: “Quanto a nós, porém, não só as levantamos (as mãos), mas as estendemos e, assim, imitando o Senhor na sua paixão, confessamos o Cristo com a nossa oração.” (Tratado sobre a Oração, Mosteiro Santa Cruz, p. 27)

O Evangelho, profundamente unido à primeira leitura que ouvimos, é uma parábola de Cristo a respeito da necessidade de se “orar sempre” e “nunca desistir”. Cristo conta a história de um juiz que “não temia a Deus” e “não respeitava homem algum” e de uma viúva que “clama por justiça”. É muito rica a cena que se vai esboçando. De um lado um homem que não cumpre a Lei, pois o próprio Cristo resumiu para nós a Lei no “amor a Deus e ao próximo”; de outro lado, uma viúva, uma mulher que depende justamente daquilo o que o juiz não tem para oferecer – a honestidade – para que possa ter o necessário para viver. Não sabemos qual era o litígio da viúva, mas da cena esboçada podemos apreender que se tratava de uma necessidade vital, uma vez que ela persevera insistindo que o juiz “lhe faça justiça contra o seu adversário”. Diante da insistência da viúva o juiz toma uma postura, não porque quisesse, de fato, resolver a questão, mas para que a viúva não o importunasse mais e não viesse, talvez, a esbofetear-lhe.

É o próprio Cristo, que nos últimos versículos da parábola, faz a aplicação da Escritura à nossa vida: “Escutai o que diz este juiz iníquo. E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar? Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve.” Se o juiz impiedoso, iníquo, que não teme a Deus e não respeita homem algum, faz justiça à viúva que o importuna, será que Deus, que possui entranhas de misericórdia, que não cessa de revelar o seu amor ao homem, que aliás criou o homem justamente para ser o receptor do seu amor, não faria justiça aos que clamam a Ele dia e noite, mesmo que os faça esperar?

Aqui precisamos entender duas coisas: primeiro, o que significa a justiça de Deus; depois o que significa dizer que Deus nos “faz esperar”. A justiça de Deus é a sua salvação manifestada a nós em Cristo. Vejamos o que pedia a viúva: “Faze-me justiça contra o meu adversário!” Em virtude de uma situação de morte, vejamos que se trata de uma viúva, portanto alguém que perdeu o seu esposo, ela clama por justiça diante do seu adversário que a oprime. A nossa situação de morte meus irmãos é o pecado e o nosso adversário é o maligno. O Pai, em Cristo, já nos fez justiça. O Pai não nos faz justiça somente quando realiza esses pequenos pedidos que apresentamos a Ele na oração. Esses são pedidos pequenos. E esses milagres que o Senhor realiza no meio de nós, libertando-nos de uma situação de morte temporal são expressão, sacramento, do grande milagre, que é a salvação, a libertação da morte espiritual a qual estávamos condenados em virtude do pecado. O Pai já nos fez justiça em Cristo, porque Ele, estendendo os braços na cruz, qual novo Moisés, derrotou definitivamente Amalec, o inimigo de nossas almas, que lutava contra nós. O Pai nos fez justiça, a nós que diz e noite clamamos por Ele. Mas, parece que nós ainda não conseguimos ver e perceber a justiça de Deus em nosso favor. Não vemos com nossos olhos carnais, porque essa é uma realidade espiritual, que só pode ser vista com o olhar da fé e, por isso, a necessidade da oração. Porque orar, se sei que Deus já me fez justiça? Preciso orar, porque a oração é o alimento da fé, que produz em nós a esperança e nos faz caminhar ainda mais, confiantes que aquilo o que vemos, a aparente injustiça e a aparente demora de Deus, não são a realidade verdadeira, porque a realidade verdadeira é Cristo e a salvação que Ele realizou para nós pelo sangue de sua cruz, fazendo-nos justiça, não pelas nossas obras, mas em virtude da sua infinita graça.

E como entender essa demora de Deus? A comunidade de Lucas também se questionava talvez dizendo: Porque o Senhor não volta logo e não nos liberta dos sofrimentos? Porque Ele parece demorar? Porque Ele nos faz esperar? Não é esse tamb em o grito das almas dos santos descrito no Apocalipse: “Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as vidas dos que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado. E eles clamaram em alta voz: ‘Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?’ A cada um deles foi dada, então, uma veste branca e foi-lhes dito, também, que repousassem por mais um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus companheiros e irmãos, que iriam ser mortos com eles.” (Ap 6,9-11) “Até que se completasse o número dos seus companheiros e irmãos”. Deus aprece demorar, mas não está demorando. Ele está esperando que se complete o número. Na segunda carta de Pedro também vemos essa exortação a respeito do sentido da demora de Deus: “Considerai a longanimidade de nosso Senhor como a nossa salvação...” (2Pd 3,15a) É interessante observar a semelhante de vocabulário. Lucas usa a expressão makrothymei ao se referir ao fato de que Deus enviará salvação, ainda que nos faça “esperar”. Aqui o autor da segunda carta de Pedro, usa a palavra makrothimia que nós traduzimos como “longanimidade”. Makro, sabemos que quer dizer “grande”; thymós é coração. Considerai o “coração grande” de nosso Deus como a nossa salvação. O que essa palavra quer dizer? Quer dizer que a aparente demora de Deus é, na verdade, expressão da sua misericórdia, que dá a humanidade um tempo para que ela esteja preparada para a consumação da salvação que já se realizou em Cristo. Assim como o Pai caminhou com os homens até que na plenitude dos tempos enviou o seu Verbo, agora, depois da Páscoa do Cristo que realizou definitivamente a nossa salvação, Deus ainda espera pelos homens, antes que Cristo volte glorioso para consumar a obra da salvação iniciada na Encarnação. Esse é o sentido da demora de Deus: Ele está usando de paciência para conosco.

Todavia, uma pergunta permanece suspensa no final do evangelho: Mas o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” Essa é uma pergunta muito interessante porque ela esclarece todo o sentido da parábola. Jesus aqui nos revela que a justiça de Deus é a “vinda do Filho do Homem”, expressão usada para indicar a Parusia. Jesus nos dá a certeza de que Ele voltará em glória e consumará a obra da salvação. Ainda que pareça demorar, Ele virá, devemos “sofrer as demoras de Deus”, porque elas possuem uma razão de ser, que nós, em nossa limitada visão, não alcançamos. Deus cumprirá com fidelidade sua promessa. Resta agora a nós meus irmãos, a pergunta derradeira: Quando Ele vier, encontrará fé sobre a terra? Nós já dissemos muitas vezes aqui o que significa fé. Vale a pena, contudo, sempre recordar, Hb 11,1: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que não se vêem.” Duas coisas nos diz esse versículo a respeito da fé: ela é posse antecipada do que se espera; é a certeza a respeito daquilo o que não se vê. Será que o Filho do Homem encontrará na sua Igreja a fé? Será que Ele encontrará a sua Igreja orando e bendizendo a Deus na posse antecipada daquilo o que ela ainda espera? Será que Ele encontrará a sua Igreja na certeza a respeito daquilo o que não se vê, ou será que Ele encontrará a sua Igreja ainda presa somente ao que é visível e palpável, colocando as suas esperanças somente numa vida boa nesse mundo e correndo atrás somente de uma religião que possa oferecer uma outra linguagem que não a da cruz? São perguntas que devemos nos fazer. O que esperamos? A oração é uma via de mão dupla: ela reflete a nossa fé e ela molda a nossa fé. Se a nossa oração é somente um pedir a Deus bens para este mundo, isso reflete uma fé hedonista, centrada no prazer pessoal, onde cada um não consegue transcender o próprio sofrimento e olhar para a cruz que já é certeza da nossa vitória. Se, todavia, apresentamos os nossos sofrimentos a Deus na oração, mas sabemos olhar além deles, ou seja, se temos em nós a certeza de que ainda que a doença permaneça, que a morte chegue ou que caminhemos até o fim em luta com nossos pecados, Cristo já venceu tudo isso e, por isso, temos o coração em contínua atitude de ação de graças ao Pai, isso significa que, de fato, temos fé; que sabemos olhar o invisível e contemplar a salvação que Cristo nos trouxe.

Mas, não devemos nos desesperar irmãos, porque, como dizia a pouco a nossa oração revela a nossa fé, mas ela também molda a nossa fé. Por isso, se temos uma oração ainda voltada para as realidades desse mundo, devemos nos abrir a um novo modo de oração, à oração ensinada à nossa fraqueza pela Igreja, nossa mãe: a oração litúrgica. A oração litúrgica da Igreja nos orienta para o sentido da nossa fé. A oração da Igreja molda a nossa fé e ela é modelo de toda oração verdadeiramente cristã.

Devemos orar sempre irmãos e por isso devemos sempre retornar à liturgia. A liturgia é o centro da nossa vida, ela é a fonte donde emana toda a nossa força. Devemos orar sempre e sem cessar e também fora do âmbito litúrgico, mas nossa oração fora do âmbito litúrgico deve ser como que uma continuação daquilo o que vivemos na liturgia, deve ser a continuação da ação litúrgica na nossa vida e na nossa história. Somente assim teremos nossas mãos erguidas e venceremos Amalec. Somente participando da liturgia e, sobretudo, da Eucaristia, que é a atualização do sacrifício de Cristo, estaremos orando verdadeiramente, ou seja, estaremos verdadeiramente estendendo as nossas mãos para a cruz e unindo-nos ao sacrifício do Redentor, justiça de Deus para nós.

Peçamos ao Pai que abra os nossos corações para recebermos em nós o Espírito que Ele derrama sobre nós cada vez que nos reunimos para a liturgia. Peçamos ao Espírito a graça de uma oração verdadeira e eficaz, a fim de que o Filho do Homem, quando voltar, encontre em nós que o esperamos uma fé verdadeira e que Ele reconheça em nossos lábios a voz da Esposa descrita por João no Apocalipse que, junto com o Espírito clama: “Vem!” (Ap 22,17) O mesmo João nos anima na esperança dizendo: “Aquele que atesta estas coisas diz: ‘Sim, venho muito em breve!” e nós respondemos: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20) Que esta seja a nossa oração: Vem Senhor Jesus, vem consumar aquilo o que em nós realizastes na Vossa Paixão e Ressurreição e que nós atualizamos neste sacrifício. Envia sobre nós hoje, vos pedimos, mas uma vez, o Vosso Espírito de Amor, que procede de Vós e do Pai, a fim de que recebamos um novo alento e possamos perseverar na fé, no desejo do invisível e na certeza de já possuí-lo. Vem Senhor e que quando vós chegardes encontre em nós, vossa Igreja, uma verdadeira fé, um verdadeiro desejo da vossa vinda. Amém, vem Senhor Jesus!

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18/10/2013 16:10 - Atualizado em 18/10/2013 16:10

“Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra!” Sl 120, 2

Hoje fazemos da voz do salmista a nossa própria voz e também clamamos: De onde pode vir o meu socorro? O mesmo salmista nos responde: Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra! Estamos diante de um “cântico das subidas”, ou seja, um dos muitos salmos da Escritura cantados enquanto se ia para Jerusalém em peregrinação. Chamamo-lo “cântico das subidas” porque para Jerusalém sempre se sobe, uma vez que é a cidade de Deus, onde se encontra o Templo Santo, a morada de Deus entre os homens. Enquanto o peregrino olha os montes ele se pergunta: De onde pode vir o meu socorro? E espontaneamente brota a resposta: Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e a terra!

Este salmo se aplica perfeitamente a nós, povo de Deus. Nós também somos peregrinos neste mundo e caminhamos em meio a muitos perigos. Ao olharmos para os montes que precisamos atravessar para alcançar Jerusalém também nos perguntamos: De onde pode vir o meu socorro? E sentimos como que uma voz, a voz do Espírito, suscitando no nosso coração a resposta: Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e a terra!

Sim, hoje o Senhor vem em nosso socorro. Ele vem ao nosso socorro com a Palavra da Escritura, um tesouro, um verdadeiro tesouro que é aberto para nós nesta Eucaristia. A Escritura é nosso tesouro, porque como nos ensina o Apóstolo na segunda leitura: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e qualificado para toda boa obra.

Queremos hoje ser ensinados, corrigidos e educados na justiça, a fim de sermos perfeitos e qualificados para toda boa obra. E hoje, caríssimos, a Palavra de Deus vem nos exortar a respeito da importância da oração. A Palavra de Deus hoje nos provoca a entendermos o que significa a oração na vida cristã e nos exorta a fim de que percebamos que a oração contínua é a postura própria do homem de fé.

A primeira leitura nos apresenta a luta do povo de Deus contra Amalec. Uma luta que é vencida não pelo poder das armas, mas pelo poder da oração. Comentando este trecho da Escritura, Orígenes diz: “...o povo de Deus não lutava tanto com a mão e as armas, mas sim com a voz e a língua, ou seja, derrotava seus inimigos dirigindo sua oração a Deus.” Era enquanto Moisés mantinha seus braços erguidos para Aquele que é o vencedor de todas as batalhas que o povo derrotava Amalec. E quando os braços de Moisés se tornam pesados, Aarão e Ur vêm em seu socorro e sustentam os braços do ancião, para que este permaneça em oração a Deus a fim de que o povo vença esta terrível batalha. Amalec derrotado pelo poder da oração se tornou símbolo do poder das trevas e do verdadeiro inimigo. Sabemos que não se trata mais de uma luta contra homens de carne e sangue, como nos fala São Paulo na carta aos Efésios, mas de uma luta contra as forças espirituais do mal espalhadas nos ares. A nossa luta não é mais contra o Amalec terreno, mas contra aquele que é inimigo do nosso espírito, inimigo da nossa salvação e que deseja todo o mal contra nós. A nossa luta é contra aquele que por inveja nos seduziu e introduziu assim no mundo o sofrimento e a morte. Este inimigo só pode ser derrotado pelo poder da oração. O mesmo Orígenes afirma que essa palavra se cumpre em nós: “Verdadeiramente se cumpre em nós aquilo do qual foi figura: quando ele erguia as mãos, Amalec era derrotado; mas, se as deixava cair cansadas e abaixava seus débeis braços, então Amalec levava a melhor parte. Assim também nós tenhamos os braços no poder da cruz e elevemos na oração mãos santas em todo lugar, sem ira nem discussões, para que mereçamos o auxílio do Senhor. Também a isto nos exorta o apóstolo São Tiago quando diz: Resisti ao diabo e ele fugirá de vós.”

Também nós, para derrotarmos Amalec, devemos estender os nossos braços como Moisés. Mas vejamos que um outro Moisés surgiu para nós. Os braços do primeiro Moisés se ergueram para Deus, mas se cansaram, precisaram ser sustentados pela força de Aarão e de Ur. Os braços de Cristo, verdadeiro Moisés, se abriram na cruz, como que abraçando a toda a humanidade e ofertando aos homens a salvação, a verdadeira vitória contra Amalec. Por isso, nós não repetimos o sacrifício de Moisés, mas nos unimos ao de Cristo e como nos exorta Orígenes, estendemos nossos braços ao poder da cruz e nos unimos ao sacrifício redentor de Cristo que derrotou definitivamente Amalec. Aliás a oração cristã não é tanto um pedir coisas a Deus, mas é oferecer-se com Cristo em sacrifício, como nos ensina Tertuliano em seu De oratione: “Quanto a nós, porém, não só as levantamos (as mãos), mas as estendemos e, assim, imitando o Senhor na sua paixão, confessamos o Cristo com a nossa oração.” (Tratado sobre a Oração, Mosteiro Santa Cruz, p. 27)

O Evangelho, profundamente unido à primeira leitura que ouvimos, é uma parábola de Cristo a respeito da necessidade de se “orar sempre” e “nunca desistir”. Cristo conta a história de um juiz que “não temia a Deus” e “não respeitava homem algum” e de uma viúva que “clama por justiça”. É muito rica a cena que se vai esboçando. De um lado um homem que não cumpre a Lei, pois o próprio Cristo resumiu para nós a Lei no “amor a Deus e ao próximo”; de outro lado, uma viúva, uma mulher que depende justamente daquilo o que o juiz não tem para oferecer – a honestidade – para que possa ter o necessário para viver. Não sabemos qual era o litígio da viúva, mas da cena esboçada podemos apreender que se tratava de uma necessidade vital, uma vez que ela persevera insistindo que o juiz “lhe faça justiça contra o seu adversário”. Diante da insistência da viúva o juiz toma uma postura, não porque quisesse, de fato, resolver a questão, mas para que a viúva não o importunasse mais e não viesse, talvez, a esbofetear-lhe.

É o próprio Cristo, que nos últimos versículos da parábola, faz a aplicação da Escritura à nossa vida: “Escutai o que diz este juiz iníquo. E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar? Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve.” Se o juiz impiedoso, iníquo, que não teme a Deus e não respeita homem algum, faz justiça à viúva que o importuna, será que Deus, que possui entranhas de misericórdia, que não cessa de revelar o seu amor ao homem, que aliás criou o homem justamente para ser o receptor do seu amor, não faria justiça aos que clamam a Ele dia e noite, mesmo que os faça esperar?

Aqui precisamos entender duas coisas: primeiro, o que significa a justiça de Deus; depois o que significa dizer que Deus nos “faz esperar”. A justiça de Deus é a sua salvação manifestada a nós em Cristo. Vejamos o que pedia a viúva: “Faze-me justiça contra o meu adversário!” Em virtude de uma situação de morte, vejamos que se trata de uma viúva, portanto alguém que perdeu o seu esposo, ela clama por justiça diante do seu adversário que a oprime. A nossa situação de morte meus irmãos é o pecado e o nosso adversário é o maligno. O Pai, em Cristo, já nos fez justiça. O Pai não nos faz justiça somente quando realiza esses pequenos pedidos que apresentamos a Ele na oração. Esses são pedidos pequenos. E esses milagres que o Senhor realiza no meio de nós, libertando-nos de uma situação de morte temporal são expressão, sacramento, do grande milagre, que é a salvação, a libertação da morte espiritual a qual estávamos condenados em virtude do pecado. O Pai já nos fez justiça em Cristo, porque Ele, estendendo os braços na cruz, qual novo Moisés, derrotou definitivamente Amalec, o inimigo de nossas almas, que lutava contra nós. O Pai nos fez justiça, a nós que diz e noite clamamos por Ele. Mas, parece que nós ainda não conseguimos ver e perceber a justiça de Deus em nosso favor. Não vemos com nossos olhos carnais, porque essa é uma realidade espiritual, que só pode ser vista com o olhar da fé e, por isso, a necessidade da oração. Porque orar, se sei que Deus já me fez justiça? Preciso orar, porque a oração é o alimento da fé, que produz em nós a esperança e nos faz caminhar ainda mais, confiantes que aquilo o que vemos, a aparente injustiça e a aparente demora de Deus, não são a realidade verdadeira, porque a realidade verdadeira é Cristo e a salvação que Ele realizou para nós pelo sangue de sua cruz, fazendo-nos justiça, não pelas nossas obras, mas em virtude da sua infinita graça.

E como entender essa demora de Deus? A comunidade de Lucas também se questionava talvez dizendo: Porque o Senhor não volta logo e não nos liberta dos sofrimentos? Porque Ele parece demorar? Porque Ele nos faz esperar? Não é esse tamb em o grito das almas dos santos descrito no Apocalipse: “Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as vidas dos que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado. E eles clamaram em alta voz: ‘Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?’ A cada um deles foi dada, então, uma veste branca e foi-lhes dito, também, que repousassem por mais um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus companheiros e irmãos, que iriam ser mortos com eles.” (Ap 6,9-11) “Até que se completasse o número dos seus companheiros e irmãos”. Deus aprece demorar, mas não está demorando. Ele está esperando que se complete o número. Na segunda carta de Pedro também vemos essa exortação a respeito do sentido da demora de Deus: “Considerai a longanimidade de nosso Senhor como a nossa salvação...” (2Pd 3,15a) É interessante observar a semelhante de vocabulário. Lucas usa a expressão makrothymei ao se referir ao fato de que Deus enviará salvação, ainda que nos faça “esperar”. Aqui o autor da segunda carta de Pedro, usa a palavra makrothimia que nós traduzimos como “longanimidade”. Makro, sabemos que quer dizer “grande”; thymós é coração. Considerai o “coração grande” de nosso Deus como a nossa salvação. O que essa palavra quer dizer? Quer dizer que a aparente demora de Deus é, na verdade, expressão da sua misericórdia, que dá a humanidade um tempo para que ela esteja preparada para a consumação da salvação que já se realizou em Cristo. Assim como o Pai caminhou com os homens até que na plenitude dos tempos enviou o seu Verbo, agora, depois da Páscoa do Cristo que realizou definitivamente a nossa salvação, Deus ainda espera pelos homens, antes que Cristo volte glorioso para consumar a obra da salvação iniciada na Encarnação. Esse é o sentido da demora de Deus: Ele está usando de paciência para conosco.

Todavia, uma pergunta permanece suspensa no final do evangelho: Mas o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” Essa é uma pergunta muito interessante porque ela esclarece todo o sentido da parábola. Jesus aqui nos revela que a justiça de Deus é a “vinda do Filho do Homem”, expressão usada para indicar a Parusia. Jesus nos dá a certeza de que Ele voltará em glória e consumará a obra da salvação. Ainda que pareça demorar, Ele virá, devemos “sofrer as demoras de Deus”, porque elas possuem uma razão de ser, que nós, em nossa limitada visão, não alcançamos. Deus cumprirá com fidelidade sua promessa. Resta agora a nós meus irmãos, a pergunta derradeira: Quando Ele vier, encontrará fé sobre a terra? Nós já dissemos muitas vezes aqui o que significa fé. Vale a pena, contudo, sempre recordar, Hb 11,1: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que não se vêem.” Duas coisas nos diz esse versículo a respeito da fé: ela é posse antecipada do que se espera; é a certeza a respeito daquilo o que não se vê. Será que o Filho do Homem encontrará na sua Igreja a fé? Será que Ele encontrará a sua Igreja orando e bendizendo a Deus na posse antecipada daquilo o que ela ainda espera? Será que Ele encontrará a sua Igreja na certeza a respeito daquilo o que não se vê, ou será que Ele encontrará a sua Igreja ainda presa somente ao que é visível e palpável, colocando as suas esperanças somente numa vida boa nesse mundo e correndo atrás somente de uma religião que possa oferecer uma outra linguagem que não a da cruz? São perguntas que devemos nos fazer. O que esperamos? A oração é uma via de mão dupla: ela reflete a nossa fé e ela molda a nossa fé. Se a nossa oração é somente um pedir a Deus bens para este mundo, isso reflete uma fé hedonista, centrada no prazer pessoal, onde cada um não consegue transcender o próprio sofrimento e olhar para a cruz que já é certeza da nossa vitória. Se, todavia, apresentamos os nossos sofrimentos a Deus na oração, mas sabemos olhar além deles, ou seja, se temos em nós a certeza de que ainda que a doença permaneça, que a morte chegue ou que caminhemos até o fim em luta com nossos pecados, Cristo já venceu tudo isso e, por isso, temos o coração em contínua atitude de ação de graças ao Pai, isso significa que, de fato, temos fé; que sabemos olhar o invisível e contemplar a salvação que Cristo nos trouxe.

Mas, não devemos nos desesperar irmãos, porque, como dizia a pouco a nossa oração revela a nossa fé, mas ela também molda a nossa fé. Por isso, se temos uma oração ainda voltada para as realidades desse mundo, devemos nos abrir a um novo modo de oração, à oração ensinada à nossa fraqueza pela Igreja, nossa mãe: a oração litúrgica. A oração litúrgica da Igreja nos orienta para o sentido da nossa fé. A oração da Igreja molda a nossa fé e ela é modelo de toda oração verdadeiramente cristã.

Devemos orar sempre irmãos e por isso devemos sempre retornar à liturgia. A liturgia é o centro da nossa vida, ela é a fonte donde emana toda a nossa força. Devemos orar sempre e sem cessar e também fora do âmbito litúrgico, mas nossa oração fora do âmbito litúrgico deve ser como que uma continuação daquilo o que vivemos na liturgia, deve ser a continuação da ação litúrgica na nossa vida e na nossa história. Somente assim teremos nossas mãos erguidas e venceremos Amalec. Somente participando da liturgia e, sobretudo, da Eucaristia, que é a atualização do sacrifício de Cristo, estaremos orando verdadeiramente, ou seja, estaremos verdadeiramente estendendo as nossas mãos para a cruz e unindo-nos ao sacrifício do Redentor, justiça de Deus para nós.

Peçamos ao Pai que abra os nossos corações para recebermos em nós o Espírito que Ele derrama sobre nós cada vez que nos reunimos para a liturgia. Peçamos ao Espírito a graça de uma oração verdadeira e eficaz, a fim de que o Filho do Homem, quando voltar, encontre em nós que o esperamos uma fé verdadeira e que Ele reconheça em nossos lábios a voz da Esposa descrita por João no Apocalipse que, junto com o Espírito clama: “Vem!” (Ap 22,17) O mesmo João nos anima na esperança dizendo: “Aquele que atesta estas coisas diz: ‘Sim, venho muito em breve!” e nós respondemos: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20) Que esta seja a nossa oração: Vem Senhor Jesus, vem consumar aquilo o que em nós realizastes na Vossa Paixão e Ressurreição e que nós atualizamos neste sacrifício. Envia sobre nós hoje, vos pedimos, mas uma vez, o Vosso Espírito de Amor, que procede de Vós e do Pai, a fim de que recebamos um novo alento e possamos perseverar na fé, no desejo do invisível e na certeza de já possuí-lo. Vem Senhor e que quando vós chegardes encontre em nós, vossa Igreja, uma verdadeira fé, um verdadeiro desejo da vossa vinda. Amém, vem Senhor Jesus!

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida