Arquidiocese do Rio de Janeiro

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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Saciai os vossos filhos, ó Senhor

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Saciai os vossos filhos, ó Senhor 0

29/07/2018 00:00

Durante o Tempo Comum, no Ciclo B, a Igreja nos oferece, do 17º ao 21º Domingo, a leitura de Jo 6: o discurso de Jesus conhecido como o “Pão da Vida”. Neste domingo, ouvimos a primeira parte deste dircurso, uma ação de Jesus, um “sinal” como João diz: a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15).

O tema da multiplicação dos pães é comum na tradição sinótica. Encontramos o mesmo relato em Mt 14,13-21; Mc 6,35-43 e Lc 9,10-17. Podemos dividir a perícope evangélica deste domingo em quatro partes:

A)     A primeira parte compreende os vv. 1-4, onde João nos apresenta o ambiente onde a cena vai se desenvolver.

B)      A segunda parte, por sua vez, podemos encontrá-la nos vv. 5-10: a preparação imediata do milagre.

C)      A terceira parte é o milagre propriamente dito: os vv. 11-13.

D)     Por fim, temos a quarta parte, a reação daqueles que haviam presenciado o milagre.

Na primeira parte, João afirma que Jesus era seguido por uma grande multidão. Essa grande multidão “via” os “sinais” que Jesus realizava. João não utiliza o termo “milagre” (dýnamis), mas o termo “sinal” (semeion). João quer, a partir desta diferença de vocabulário, apontar para o sentido mais profundo das ações de poder de Jesus: elas têm um caráter “revelador” a respeito de quem é Jesus. O termo “sinal” (semeion), aparece cerca de 17 vezes em João. Ao passo que o termo “milagre” (dýnamis), não ocorre nenhuma vez.

Faz parte, ainda, dessa ambientação, a menção da Páscoa. É a segunda vez, dentro do Evangelho de João, que se menciona a Páscoa. Jesus vai a Jerusalém, ainda uma segunda e uma terceira vez para celebrar a Páscoa com seus discípulos.

O desenrolar da cena está nos vv. 5-10. Jesus vê uma grande multidão vindo ao seu encontro e faz uma pergunta a Filipe: Onde vamos comprar pão para que eles possam comer? É interessante notar que João, no v. 6, afirma que Jesus disse isso somente para pôr Filipe a prova, porque Ele já sabia o que iria fazer. Jesus quer provocar a fé, que deve ser suscitada a partir do “sinal” que vai ser realizado.

É impossível alimentar esta multidão. Nem Jesus, nem seus discípulos tem dinheiro suficiente para comprar para essa “grande multidão”. Mas André, contudo, apresenta alguma coisa: um menino que traz “cinco pães de cevada e dois peixes”. A referência a “cinco pães e dois peixes” é comum à tradição sinótica: cf. Mt 14,17; Lc 9,13; Mc 6,38. Contudo, João acrescenta um detalhe: os pães eram “de cevada”. Esse detalhe alinha o evangelho com a primeira leitura, onde o profeta Eliseu toma “vinte pães de cevada” que “um homem” traz em seu alforje e, com ele, alimenta “cem pessoas”. Aqui, o milagre de Jesus supera em muito o profeta vétero-testamentário: é um menino, e não um homem, que traz a oferta; são apenas “cinco” e não “vinte” pães de cevada; e não são apenas “cem pessoas”, mas uma “grande multidão”: aproximadamente “cinco mil homens” (cf. Jo 6,10).

No centro da cena do milagre está o próprio Cristo. Seu gesto é profundamente eucarístico: ele “tomou” os pães; “deu graças” (eucharistesas) e o distribuiu aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. É interessante notar que é o próprio Cristo quem distribui o pão, depois de “dar graças”. Nos Sinóticos, ele dá o pão aos seus discípulos e estes o distribuem às multidões. Este relato “prepara a revelação de Jesus como pão da Vida em Jo 6,22-59”.[1]

Assim como nos Sinóticos, Jesus manda recolher tudo o que sobrou, para que nada se perca. Sobram doze cestos cheios. Também aqui percebemos, de certo modo, que o evangelho se encaixa com o pano de fundo da primeira leitura. O Senhor disse: “Comerão e sobrará” (2Rs 4,43); “Eles comeram e sobrou” (cf. 2Rs 4,44). Assim fica clara a abundância do dom divino.

Algo próprio de João, contudo, é a reação da multidão: vv. 14-15. Mais uma vez aparece o verbo “ver” e o termo “sinal” (semeion). Vendo este sinal, a multidão exclama “Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo”. Parece que o pano de fundo dessa exclamação é Dt 18,15-18: “O Senhor teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis. É o que tinhas pedido ao Senhor teu Deus no Horeb, no dia da Assembleia: ‘Não vou continuar ouvindo a voz do Senhor meu Deus, nem vendo este grande logo, para não morrer’, e o Senhor me disse: ‘Eles falaram bem. Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos seus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhes ordenar’.” Parece que, no judaísmo da época de Jesus, esse “profeta” esperado ganhou traços messiânicos.[2] Contudo, a multidão quer proclamar Jesus como “Rei”, ou seja, confunde o messianismo de Jesus, que de fato realiza a promessa da vinda do Grande Profeta, não igual, mas maior que Moisés, com um messianismo meramente político, que atendesse suas necessidades mais imediatas de libertação. Jesus rejeita esse tipo de interpretação do seu ministério e se retira para um lugar deserto.

O gesto de Jesus tem um caráter profundamente revelador: é um “sinal”. Aos poucos, ao longo dos versículos seguintes, vamos chegar a entender que o verdadeiro Pão da Vida é o Cristo. Nesse gesto da multiplicação dos pães é antecipado, em figura, aquilo o que o Cristo deveria dar à Igreja: o sacramento da Eucaristia, o seu Corpo e Sangue dado a nós como alimento de vida eterna. Cristo recebe a nossa oferta pobre de pão e vinho e a transforma no dom mais precioso: Ele mesmo dado a nós no sacramento.

Aquilo o que o salmista proclamava - Vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura – se realiza de modo muito particular conosco, em cada assembleia dominical: o Senhor abre sua mão prodigamente, envia seu Espírito, e nos sacia – com a Palavra e com o Corpo e Sangue de Cristo, ou seja, o Cristo inteiro e total que se dá a nós.

Pela Eucaristia recebida nos tornamos Igreja, uma só realidade nova em Cristo. Por isso, nos tornamos capazes de viver o que o apóstolo nos diz na segunda leitura: “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”; suportar-nos[3] uns aos outros “no amor”. Sim, pela comunhão recebida “há um só Corpo” e isto deve manifestar-se de modo concreto em nossa vida.

Agradecemos ao Senhor por tão precioso dom e peçamos a Ele a graça de correspondermos a esse dom fazendo da nossa vida uma “ação de graças”, um “sacrifício de louvor”, e vivendo em unidade, como é seu desejo.



[1] Cf. Romer, Karl Josef; Bouzon, Emanuel. A Palavra de Deus no anúncio e na oração: Ano B. p. 289.

[2] Cf. Romer, Karl Josef; Bouzon, Emanuel. A Palavra de Deus no anúncio e na oração: Ano B. p. 289.

[3] Os estudiosos do verbo “anechomai” utilizado aqui por Paulo, afirmam que, quando ele está relacionado a uma pessoa, ele possui o sentido de “tolerar a sua vida”. Veja-se que aqui trata-se de “suportar no amor” (em agápe).

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29/07/2018 00:00

Durante o Tempo Comum, no Ciclo B, a Igreja nos oferece, do 17º ao 21º Domingo, a leitura de Jo 6: o discurso de Jesus conhecido como o “Pão da Vida”. Neste domingo, ouvimos a primeira parte deste dircurso, uma ação de Jesus, um “sinal” como João diz: a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15).

O tema da multiplicação dos pães é comum na tradição sinótica. Encontramos o mesmo relato em Mt 14,13-21; Mc 6,35-43 e Lc 9,10-17. Podemos dividir a perícope evangélica deste domingo em quatro partes:

A)     A primeira parte compreende os vv. 1-4, onde João nos apresenta o ambiente onde a cena vai se desenvolver.

B)      A segunda parte, por sua vez, podemos encontrá-la nos vv. 5-10: a preparação imediata do milagre.

C)      A terceira parte é o milagre propriamente dito: os vv. 11-13.

D)     Por fim, temos a quarta parte, a reação daqueles que haviam presenciado o milagre.

Na primeira parte, João afirma que Jesus era seguido por uma grande multidão. Essa grande multidão “via” os “sinais” que Jesus realizava. João não utiliza o termo “milagre” (dýnamis), mas o termo “sinal” (semeion). João quer, a partir desta diferença de vocabulário, apontar para o sentido mais profundo das ações de poder de Jesus: elas têm um caráter “revelador” a respeito de quem é Jesus. O termo “sinal” (semeion), aparece cerca de 17 vezes em João. Ao passo que o termo “milagre” (dýnamis), não ocorre nenhuma vez.

Faz parte, ainda, dessa ambientação, a menção da Páscoa. É a segunda vez, dentro do Evangelho de João, que se menciona a Páscoa. Jesus vai a Jerusalém, ainda uma segunda e uma terceira vez para celebrar a Páscoa com seus discípulos.

O desenrolar da cena está nos vv. 5-10. Jesus vê uma grande multidão vindo ao seu encontro e faz uma pergunta a Filipe: Onde vamos comprar pão para que eles possam comer? É interessante notar que João, no v. 6, afirma que Jesus disse isso somente para pôr Filipe a prova, porque Ele já sabia o que iria fazer. Jesus quer provocar a fé, que deve ser suscitada a partir do “sinal” que vai ser realizado.

É impossível alimentar esta multidão. Nem Jesus, nem seus discípulos tem dinheiro suficiente para comprar para essa “grande multidão”. Mas André, contudo, apresenta alguma coisa: um menino que traz “cinco pães de cevada e dois peixes”. A referência a “cinco pães e dois peixes” é comum à tradição sinótica: cf. Mt 14,17; Lc 9,13; Mc 6,38. Contudo, João acrescenta um detalhe: os pães eram “de cevada”. Esse detalhe alinha o evangelho com a primeira leitura, onde o profeta Eliseu toma “vinte pães de cevada” que “um homem” traz em seu alforje e, com ele, alimenta “cem pessoas”. Aqui, o milagre de Jesus supera em muito o profeta vétero-testamentário: é um menino, e não um homem, que traz a oferta; são apenas “cinco” e não “vinte” pães de cevada; e não são apenas “cem pessoas”, mas uma “grande multidão”: aproximadamente “cinco mil homens” (cf. Jo 6,10).

No centro da cena do milagre está o próprio Cristo. Seu gesto é profundamente eucarístico: ele “tomou” os pães; “deu graças” (eucharistesas) e o distribuiu aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. É interessante notar que é o próprio Cristo quem distribui o pão, depois de “dar graças”. Nos Sinóticos, ele dá o pão aos seus discípulos e estes o distribuem às multidões. Este relato “prepara a revelação de Jesus como pão da Vida em Jo 6,22-59”.[1]

Assim como nos Sinóticos, Jesus manda recolher tudo o que sobrou, para que nada se perca. Sobram doze cestos cheios. Também aqui percebemos, de certo modo, que o evangelho se encaixa com o pano de fundo da primeira leitura. O Senhor disse: “Comerão e sobrará” (2Rs 4,43); “Eles comeram e sobrou” (cf. 2Rs 4,44). Assim fica clara a abundância do dom divino.

Algo próprio de João, contudo, é a reação da multidão: vv. 14-15. Mais uma vez aparece o verbo “ver” e o termo “sinal” (semeion). Vendo este sinal, a multidão exclama “Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo”. Parece que o pano de fundo dessa exclamação é Dt 18,15-18: “O Senhor teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis. É o que tinhas pedido ao Senhor teu Deus no Horeb, no dia da Assembleia: ‘Não vou continuar ouvindo a voz do Senhor meu Deus, nem vendo este grande logo, para não morrer’, e o Senhor me disse: ‘Eles falaram bem. Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos seus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhes ordenar’.” Parece que, no judaísmo da época de Jesus, esse “profeta” esperado ganhou traços messiânicos.[2] Contudo, a multidão quer proclamar Jesus como “Rei”, ou seja, confunde o messianismo de Jesus, que de fato realiza a promessa da vinda do Grande Profeta, não igual, mas maior que Moisés, com um messianismo meramente político, que atendesse suas necessidades mais imediatas de libertação. Jesus rejeita esse tipo de interpretação do seu ministério e se retira para um lugar deserto.

O gesto de Jesus tem um caráter profundamente revelador: é um “sinal”. Aos poucos, ao longo dos versículos seguintes, vamos chegar a entender que o verdadeiro Pão da Vida é o Cristo. Nesse gesto da multiplicação dos pães é antecipado, em figura, aquilo o que o Cristo deveria dar à Igreja: o sacramento da Eucaristia, o seu Corpo e Sangue dado a nós como alimento de vida eterna. Cristo recebe a nossa oferta pobre de pão e vinho e a transforma no dom mais precioso: Ele mesmo dado a nós no sacramento.

Aquilo o que o salmista proclamava - Vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura – se realiza de modo muito particular conosco, em cada assembleia dominical: o Senhor abre sua mão prodigamente, envia seu Espírito, e nos sacia – com a Palavra e com o Corpo e Sangue de Cristo, ou seja, o Cristo inteiro e total que se dá a nós.

Pela Eucaristia recebida nos tornamos Igreja, uma só realidade nova em Cristo. Por isso, nos tornamos capazes de viver o que o apóstolo nos diz na segunda leitura: “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”; suportar-nos[3] uns aos outros “no amor”. Sim, pela comunhão recebida “há um só Corpo” e isto deve manifestar-se de modo concreto em nossa vida.

Agradecemos ao Senhor por tão precioso dom e peçamos a Ele a graça de correspondermos a esse dom fazendo da nossa vida uma “ação de graças”, um “sacrifício de louvor”, e vivendo em unidade, como é seu desejo.



[1] Cf. Romer, Karl Josef; Bouzon, Emanuel. A Palavra de Deus no anúncio e na oração: Ano B. p. 289.

[2] Cf. Romer, Karl Josef; Bouzon, Emanuel. A Palavra de Deus no anúncio e na oração: Ano B. p. 289.

[3] Os estudiosos do verbo “anechomai” utilizado aqui por Paulo, afirmam que, quando ele está relacionado a uma pessoa, ele possui o sentido de “tolerar a sua vida”. Veja-se que aqui trata-se de “suportar no amor” (em agápe).

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida