Arquidiocese do Rio de Janeiro

34º 22º

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Saberão que um profeta esteve entre eles

Enviando...
Por favor, preencha os campos adequadamente.
Ocorreu um erro no envio do e-mail.
E-mail enviado com sucesso.

17 de Maio de 2024

Saberão que um profeta esteve entre eles

Se você encontrou erro neste texto ou nesta página, por favor preencha os campos abaixo. O link da página será enviado automaticamente a ArqRio.

Enviando...
Por favor, preencha os campos adequadamente.
Ocorreu um erro no envio do erro.
Erro relatado com sucesso, obrigado.

08/07/2018 00:00

Saberão que um profeta esteve entre eles 0

08/07/2018 00:00

Estas palavras encerram o final do trecho do livro do profeta Ezequiel que ouvimos este domingo, como primeira leitura da celebração da Eucaristia. Logo depois de uma visão inicial (cf. Ez 1), o profeta recebe de Deus a sua vocação. Depois de ter ouvido “a voz” que lhe “falava”, o profeta recebe o “Espírito” que vem até ele e o coloca de pé, em posição de prontidão, de escuta. Nessa passagem, o uso da raiz hebraica dbr (donde o substantivo dabar e o verbo diber) é muito importante. Esse verbo, traduzido em nossos lecionários como “falar” se refere quase sempre a um conteúdo concreto[1], sendo muitas vezes utilizado para comunicar o “pensamento e a vontade de Deus”.[2]

O profeta se coloca de pé, em atitude de prontidão e escuta, para “ouvir” a Palavra de Deus, a expressão da sua vontade. E a Palavra de Deus que vem até o profeta é o seu envio a uma “nação de rebeldes”, ou “casa de rebeldes” como diz o texto. O profeta é enviado ao povo de Israel que se “rebelou” contra Deus, que tem “faces duras” e “coração empedernido”. “Faces duras/coração empedernido” ou “cabeça dura/coração de pedra”, como prefere traduzir nosso lecionário, são imagens para demonstrar o quanto o povo de Israel estava obstinado no seu pecado. Obstinados no pecado, eles fecharam o coração à Palavra de Deus. Ou melhor seria dizer, talvez, que o próprio fechamento à Palavra Divina foi seu pecado mais terrível, pois assim a conversão tornava-se cada vez mais difícil.

Deus, contudo, não desiste do seu povo. O profeta é enviado para proclamar ao povo a Palavra Divina. “Quer escutem, quer não – pois são uma casa de rebeldes – ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (cf. Ez 2,5). Mesmo sabendo que o povo pode não dar ouvidos à sua Palavra, Deus envia o seu profeta, porque ele não se deixa vencer em misericórdia e generosidade. Deus espera sempre que o homem ouça a sua Palavra e se volte para Ele de todo o coração. Mesmo quando a Palavra do profeta é dura e fere, o objetivo de Deus nunca é deixar o homem ferido. Ao contrário, o objetivo de Deus é sempre curar o homem e trazê-lo de volta à amizade com Ele. A ferida aberta pela Palavra Divina, ajuda a curar a ferida que o distanciamento de Deus produz.

O Salmo 122(123), salmo responsorial dessa liturgia da Palavra, se encaixa muito bem com essa leitura. Se a leitura mostra a misericórdia de Deus que envia seu profeta, mesmo sabendo que sua Palavra será rejeitada, o Salmo, por sua vez, manifesta a confiança do israelita fiel, que suplica a misericórdia do Senhor diante da humilhação que o povo está sofrendo. O Salmista proclama a sua esperança na misericórdia de Deus que virá em seu socorro. Ele “levanta os olhos” para Deus, que “habita nos céus” e suplica: “tende piedade de nós, ó Senhor, tende piedade”.

O grito do salmista e de gerações inteiras foi, sem dúvida, ouvido por Deus. Deus não somente teve misericórdia de nós, mas nos enviou seu Filho, nosso Salvador. O Filho que veio até nós não somente nos manifesta a misericórdia de Deus, mas “Ele é a misericórdia de Deus”.

No trecho do evangelho que ouvimos hoje, Jesus aparece numa situação semelhante à do profeta Ezequiel na primeira leitura. Assim como o profeta foi enviado aos seus conterrâneos, uma “casa de rebeldes”, Jesus também vai a Nazaré, a cidade onde havia crescido. Ali também o Senhor encontrará um povo de “cabeça dura” e “coração de pedra”.

Jesus entra na sinagoga e prega a Palavra. Diante da sua pregação as pessoas ficam admiradas. Mas a admiração não leva à conversão. Ao contrário, eles começam a “questionar”: De onde recebeu ele tudo isso? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses milagres que são realizados por suas mãos? Este não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? (cf. Mc 6,2-3).

No seu Evangelho Marcos destaca um aspecto muito particular a respeito de Jesus: Jesus é o Messias incompreendido. Na primeira parte do seu Evangelho (Mc 1,14 – 8,26), Marcos mostra três momentos fortes onde Jesus não é compreendido: primeiro, em Mc 3,1-6, onde os fariseus não o compreendem e começam a “conspirar” contra ele; depois, no trecho que ouvimos hoje, Mc 6,1-6, onde são os conterrâneos de Jesus que não o compreendem; essa “incompreensão” atingirá seu ápice em Mc 8,14-21, onde são os seus discípulos que não conseguem compreender quem, de fato, ele é.

A incompreensão dos conterrâneos de Jesus faz com que eles se “escandalizem”. O termo utilizado por Marcos significa, literalmente, “tropeçar”. Eles “tropeçam” na sua incredulidade e, por causa da mesma “incredulidade” - denunciada por Jesus em Mc 6,6, onde o Mestre se admira da sua “falta de fé” - ali não é feito nenhum milagre, apenas alguns doentes são curados, porque Jesus é cheio de misericórdia e não podia deixar de atender a estes grandes sofredores. Os sinais, contudo, que poderiam confirmar a fé dos habitantes de Nazaré não acontecem, porque nem adiantaria realizá-los. Afinal, a “incredulidade”, a “apistia” ou seja, a completa ausência de fé, já havia tomado o coração deles.

A Palavra de Deus, proclamada no Evangelho e na Primeira Leitura nos serve em dois sentidos. Em primeiro lugar, como Ezequiel e como o próprio Cristo, somos também enviados a anunciar a Palavra de Deus. Muitas vezes aqueles a quem somos enviados são uma “casa de rebeldes”; um povo “sem fé”. Mas, não devemos desistir. Devemos anunciar a boa nova do Evangelho, porque Deus nos constituiu também como “profetas”, desde o dia do nosso Batismo. Afinal, quando o óleo do Crisma foi aplicado à nossa testa, o sacerdote/diácono fez a seguinte oração: Que ele [o Senhor] te consagre com o óleo santo para que, inserido(a) em Cristo, sacerdote, profeta e rei, continues no seu povo até a vida eterna. Não devemos desanimar diante da possibilidade de não sermos ouvidos. Se fosse assim, Ezequiel não teria dito uma Palavra e Cristo também não. Ao contrário, confiando que o Senhor está conosco, que nos envia e, também, nos acompanha em nossa missão, anunciemos com destemor sua Palavra, certos de que Ele a fará produzir frutos no tempo devido, no coração de quem a ela se abrir com generosidade.

A Palavra proclamada hoje pode, também, nos servir num segundo sentido. Muitas vezes somos nós que temos a “cabeça dura” e o “coração de pedra”. Deus nos fala sempre, mas se nosso coração está fechado, se nos enclausuramos nas nossas próprias certezas, a Palavra de Deus não produzirá efeito nenhum em nós. Por isso, a Palavra de hoje pode também nos servir como um sério exame de consciência. De que modo temos ouvido a Deus que nos fala por meio da sua Palavra? Não será o nosso coração empedernido e a nossa cabeça demasiado dura?

Se constatarmos em nós essa triste realidade, a saber, a dureza de coração, não devemos desanimar. Façamos nossa a oração do salmista e supliquemos “Tende misericórdia, ó Senhor, tende misericórdia!” Basta que isso seja dito com sinceridade! Como diz São Paulo, que também constatou sua fraqueza: Basta-nos a graça de Deus (cf. Segunda leitura). Com certeza, do mesmo modo como Deus enviou o seu Espírito sobre Ezequiel e esse o colocou de pé para ouvir o que Ele tinha a lhe dizer, também Deus não resistirá às nossas súplicas: Ele enviará sobre nós seu Espírito, que também nos colocará de pé, a fim de sermos verdadeiros ouvintes e praticantes da sua Palavra.



[1] F. GERLEMAN, G. Dabar. In: Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Vol. I, p. 619.

[2] F. GERLEMAN, G. Dabar. In: Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Vol. I, p. 625.

Leia os comentários

Deixe seu comentário

Resposta ao comentário de:

Enviando...
Por favor, preencha os campos adequadamente.
Ocorreu um erro no envio do comentário.
Comentário enviado para aprovação.

Saberão que um profeta esteve entre eles

08/07/2018 00:00

Estas palavras encerram o final do trecho do livro do profeta Ezequiel que ouvimos este domingo, como primeira leitura da celebração da Eucaristia. Logo depois de uma visão inicial (cf. Ez 1), o profeta recebe de Deus a sua vocação. Depois de ter ouvido “a voz” que lhe “falava”, o profeta recebe o “Espírito” que vem até ele e o coloca de pé, em posição de prontidão, de escuta. Nessa passagem, o uso da raiz hebraica dbr (donde o substantivo dabar e o verbo diber) é muito importante. Esse verbo, traduzido em nossos lecionários como “falar” se refere quase sempre a um conteúdo concreto[1], sendo muitas vezes utilizado para comunicar o “pensamento e a vontade de Deus”.[2]

O profeta se coloca de pé, em atitude de prontidão e escuta, para “ouvir” a Palavra de Deus, a expressão da sua vontade. E a Palavra de Deus que vem até o profeta é o seu envio a uma “nação de rebeldes”, ou “casa de rebeldes” como diz o texto. O profeta é enviado ao povo de Israel que se “rebelou” contra Deus, que tem “faces duras” e “coração empedernido”. “Faces duras/coração empedernido” ou “cabeça dura/coração de pedra”, como prefere traduzir nosso lecionário, são imagens para demonstrar o quanto o povo de Israel estava obstinado no seu pecado. Obstinados no pecado, eles fecharam o coração à Palavra de Deus. Ou melhor seria dizer, talvez, que o próprio fechamento à Palavra Divina foi seu pecado mais terrível, pois assim a conversão tornava-se cada vez mais difícil.

Deus, contudo, não desiste do seu povo. O profeta é enviado para proclamar ao povo a Palavra Divina. “Quer escutem, quer não – pois são uma casa de rebeldes – ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (cf. Ez 2,5). Mesmo sabendo que o povo pode não dar ouvidos à sua Palavra, Deus envia o seu profeta, porque ele não se deixa vencer em misericórdia e generosidade. Deus espera sempre que o homem ouça a sua Palavra e se volte para Ele de todo o coração. Mesmo quando a Palavra do profeta é dura e fere, o objetivo de Deus nunca é deixar o homem ferido. Ao contrário, o objetivo de Deus é sempre curar o homem e trazê-lo de volta à amizade com Ele. A ferida aberta pela Palavra Divina, ajuda a curar a ferida que o distanciamento de Deus produz.

O Salmo 122(123), salmo responsorial dessa liturgia da Palavra, se encaixa muito bem com essa leitura. Se a leitura mostra a misericórdia de Deus que envia seu profeta, mesmo sabendo que sua Palavra será rejeitada, o Salmo, por sua vez, manifesta a confiança do israelita fiel, que suplica a misericórdia do Senhor diante da humilhação que o povo está sofrendo. O Salmista proclama a sua esperança na misericórdia de Deus que virá em seu socorro. Ele “levanta os olhos” para Deus, que “habita nos céus” e suplica: “tende piedade de nós, ó Senhor, tende piedade”.

O grito do salmista e de gerações inteiras foi, sem dúvida, ouvido por Deus. Deus não somente teve misericórdia de nós, mas nos enviou seu Filho, nosso Salvador. O Filho que veio até nós não somente nos manifesta a misericórdia de Deus, mas “Ele é a misericórdia de Deus”.

No trecho do evangelho que ouvimos hoje, Jesus aparece numa situação semelhante à do profeta Ezequiel na primeira leitura. Assim como o profeta foi enviado aos seus conterrâneos, uma “casa de rebeldes”, Jesus também vai a Nazaré, a cidade onde havia crescido. Ali também o Senhor encontrará um povo de “cabeça dura” e “coração de pedra”.

Jesus entra na sinagoga e prega a Palavra. Diante da sua pregação as pessoas ficam admiradas. Mas a admiração não leva à conversão. Ao contrário, eles começam a “questionar”: De onde recebeu ele tudo isso? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses milagres que são realizados por suas mãos? Este não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? (cf. Mc 6,2-3).

No seu Evangelho Marcos destaca um aspecto muito particular a respeito de Jesus: Jesus é o Messias incompreendido. Na primeira parte do seu Evangelho (Mc 1,14 – 8,26), Marcos mostra três momentos fortes onde Jesus não é compreendido: primeiro, em Mc 3,1-6, onde os fariseus não o compreendem e começam a “conspirar” contra ele; depois, no trecho que ouvimos hoje, Mc 6,1-6, onde são os conterrâneos de Jesus que não o compreendem; essa “incompreensão” atingirá seu ápice em Mc 8,14-21, onde são os seus discípulos que não conseguem compreender quem, de fato, ele é.

A incompreensão dos conterrâneos de Jesus faz com que eles se “escandalizem”. O termo utilizado por Marcos significa, literalmente, “tropeçar”. Eles “tropeçam” na sua incredulidade e, por causa da mesma “incredulidade” - denunciada por Jesus em Mc 6,6, onde o Mestre se admira da sua “falta de fé” - ali não é feito nenhum milagre, apenas alguns doentes são curados, porque Jesus é cheio de misericórdia e não podia deixar de atender a estes grandes sofredores. Os sinais, contudo, que poderiam confirmar a fé dos habitantes de Nazaré não acontecem, porque nem adiantaria realizá-los. Afinal, a “incredulidade”, a “apistia” ou seja, a completa ausência de fé, já havia tomado o coração deles.

A Palavra de Deus, proclamada no Evangelho e na Primeira Leitura nos serve em dois sentidos. Em primeiro lugar, como Ezequiel e como o próprio Cristo, somos também enviados a anunciar a Palavra de Deus. Muitas vezes aqueles a quem somos enviados são uma “casa de rebeldes”; um povo “sem fé”. Mas, não devemos desistir. Devemos anunciar a boa nova do Evangelho, porque Deus nos constituiu também como “profetas”, desde o dia do nosso Batismo. Afinal, quando o óleo do Crisma foi aplicado à nossa testa, o sacerdote/diácono fez a seguinte oração: Que ele [o Senhor] te consagre com o óleo santo para que, inserido(a) em Cristo, sacerdote, profeta e rei, continues no seu povo até a vida eterna. Não devemos desanimar diante da possibilidade de não sermos ouvidos. Se fosse assim, Ezequiel não teria dito uma Palavra e Cristo também não. Ao contrário, confiando que o Senhor está conosco, que nos envia e, também, nos acompanha em nossa missão, anunciemos com destemor sua Palavra, certos de que Ele a fará produzir frutos no tempo devido, no coração de quem a ela se abrir com generosidade.

A Palavra proclamada hoje pode, também, nos servir num segundo sentido. Muitas vezes somos nós que temos a “cabeça dura” e o “coração de pedra”. Deus nos fala sempre, mas se nosso coração está fechado, se nos enclausuramos nas nossas próprias certezas, a Palavra de Deus não produzirá efeito nenhum em nós. Por isso, a Palavra de hoje pode também nos servir como um sério exame de consciência. De que modo temos ouvido a Deus que nos fala por meio da sua Palavra? Não será o nosso coração empedernido e a nossa cabeça demasiado dura?

Se constatarmos em nós essa triste realidade, a saber, a dureza de coração, não devemos desanimar. Façamos nossa a oração do salmista e supliquemos “Tende misericórdia, ó Senhor, tende misericórdia!” Basta que isso seja dito com sinceridade! Como diz São Paulo, que também constatou sua fraqueza: Basta-nos a graça de Deus (cf. Segunda leitura). Com certeza, do mesmo modo como Deus enviou o seu Espírito sobre Ezequiel e esse o colocou de pé para ouvir o que Ele tinha a lhe dizer, também Deus não resistirá às nossas súplicas: Ele enviará sobre nós seu Espírito, que também nos colocará de pé, a fim de sermos verdadeiros ouvintes e praticantes da sua Palavra.



[1] F. GERLEMAN, G. Dabar. In: Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Vol. I, p. 619.

[2] F. GERLEMAN, G. Dabar. In: Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Vol. I, p. 625.

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida