Arquidiocese do Rio de Janeiro

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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Transborda em toda a terra a sua graça (Sl 32,5)

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17 de Maio de 2024

Transborda em toda a terra a sua graça (Sl 32,5)

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Transborda em toda a terra a sua graça (Sl 32,5) 0

27/05/2018 00:00

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade. Esta é uma solenidade didática, ou seja, nela não celebramos um dos “mistérios” da vida do Cristo, mas celebramos uma verdade da nossa fé: Cremos na Trindade! Aqui me vem à mente as palavras do assim chamado “Credo de Atanásio”1, um texto que já foi, no passado, utilizado na liturgia por ocasião da solenidade que hoje celebramos, e que resume de modo magnífico a fé trinitária: “A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas, e três Pessoas em um só Deus. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma só é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória e coeterna a majestade.”

As leituras bíblicas desta solenidade nos ajudam a penetrar nesse mistério. A primeira leitura é um trecho do livro do Deuteronômio. Neste trecho Israel é chamado a olhar para o passado e a reconhecer a beleza de ter sido escolhido por Deus: “Terá jamais algum Deus vindo escolher para si um povo entre as nações?” (cf. Dt 4,34) Diante do mistério desta escolha, Israel deve “reconhecer” e “colocar sobre o coração” que o Senhor é Deus, e que não há outro além d’Ele (cf. Dt 4,39).2 Além disso, Israel deve comprometer-se com Deus: “Guarda suas leis e seus mandamentos que hoje Te prescrevo” (cf. Dt 4,40).

Em grande ação de graças, o Salmo 32 (33) proclama “feliz” o povo que o Senhor escolheu por sua herança. O termo hebraico que aqui se traduz como “feliz” é o termo ashrê. A LXX o traduziu como makários. Mais que “feliz”, este termo significa “bendito/abençoado/bem-aventurado”. É um termo técnico para se introduzir uma “bênção”.3 Este refrão, tomado do v. 12, levava o israelita a proclamar sobre si a bênção de ter sido escolhido como um povo preferido, amado por Deus, a quem Ele quis revelar-Se em primeiro lugar.

Cantado hoje em nossas liturgias, o Salmo nos leva a proclamar também sobre nós essa bem-aventurança. Todo aquele que se abre à fé é hoje “bem-aventurado”, porque passa a fazer parte, pela fé e pelo Batismo, do povo que o Senhor escolheu por sua herança.

Nós nos proclamamos “bem-aventurados” porque Deus quis revelar-Se a nós. Paulatinamente, na história da salvação, Deus nos foi revelando seu rosto amoroso. Primeiro, manifestou-Se como o Pai, Criador de todas as coisas. Na plenitude dos tempos, manifestou-nos o rosto do seu Filho muito amado que, subindo ao Pai, de lá nos enviou o Espírito da Verdade.

Lendo este Sl 32(33),6 à luz do NT, percebemos nele uma insinuação da Trindade. De fato, tal versículo afirma: “O céu foi feito com a Palavra de YHWH, e seu exército com o sopro de sua boca”. Neste versículo aparecem os termos dabar (‘palavra’) e rûah (‘sopro/vento’). O termo rûah (‘sopro/vento’) aparece em Gn 1,2, quando o autor sagrado afirma que “um vento de Deus (ou, o ‘espírito de Deus’) pairava sobre as águas”. O termo dabar, por sua vez, é um termo recorrente no AT. Sobretudo, merece destaque o Sl 118 (119), que constitui um grande elogio à Palavra Divina. Em Gn 1 não encontramos o termo dabar, mas a expressão recorrente ‘Deus disse’ nos faz perceber que Deus criou tudo por meio da sua Palavra, do seu dabar.

Santo Agostinho, lendo este versículo em chave trinitária, afirma: O Verbo é certamente Filho de Deus, e o Espírito de sua boca é o Espírito Santo. Pelo Espírito de sua boca se firmaram os céus, e do Verbo do Senhor lhes vem toda a fortaleza. Isto é a obra do Filho e do Espírito Santo. Acaso sem o Pai? Quem, pois, obra através de seu Verbo e de seu Espírito, senão aquele de quem é o Verbo e o Espírito? Esta Trindade é, portanto, um só Deus. A Este adora quem sabe adorar, e a Ele encontra em toda a parte quem se converter.4

As demais leituras, o Evangelho – coração de toda a liturgia da Palavra, e o trecho da carta aos Romanos proclamado como segunda leitura – nos levam a contemplar de modo pleno o nosso Deus Uno e Trino.

No Evangelho é o próprio Cristo quem nos anuncia esse mistério. Ele envia os seus discípulos e manda que eles batizem em “nome” do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Desde tempos antigos, o uso uma única vez da expressão “em nome” foi visto como apontando para a unidade da substância divina. Não são três deuses, mas um só Deus. Por outro lado, as expressões Pai, Filho e Espírito Santo fizeram com que, desde o início, se percebesse que Jesus nos revelava algo totalmente novo a respeito da natureza de Deus: Ele não é somente Uno, é também trino.

Um só Deus, em três pessoas realmente distintas. Um grande mistério de comunhão e de amor. ‘Mistério de comunhão’, porque não existe comunhão mais perfeita que esta vivida no interior da vida trinitária. ‘Mistério de amor’, porque somente contemplando o modo de amar da Trindade é que aprendemos, também, o que é o amor. A Trindade ama doando-se. O Pai se doa num movimento eterno de amor, gerando seu Verbo e enviando-o depois ao mundo. O Filho nos deu, no alto da Cruz, o mais vivo exemplo de amor e doação, morrendo por nós e submetendo-se em tudo à vontade do Pai. O Espírito, por sua vez, desde a criação não cessa de ser derramado sobre nós. Ele estava no início de tudo, pairando sobre as águas. Depois guiou os patriarcas e os profetas. No irrompimento dos últimos tempos, ele veio em Pentecostes, como línguas de fogo e, desde então, não cessou jamais de se derramar sobre a Igreja, pois em toda ação verdadeiramente eclesial existe um Pentecostes, sobretudo e, de modo particular, na celebração da liturgia.

Falando da filiação divina que recebemos em Cristo, Paulo na segunda leitura nos aponta, mais uma vez, o mistério da Trindade. Deixando-nos conduzir pelo Espírito, somos “filhos de Deus”, “filhos do Pai”. Pelo Espírito que recebemos, e que nos faz chamar Deus de Pai, tornamo-nos co-herdeiros de Cristo, a fim de sermos glorificados com Ele. Que maravilha observarmos esse movimento da divina Trindade em nossa vida de fé. O Pai nos envia o Espírito, que nos torna uma só coisa com o Cristo, seu Filho amado. Assim, quando o Pai nos olha, vê em nós a face do seu Cristo e transborda de amor.

Que abramos o nosso coração, a fim de que a Trindade, que mora em nós desde o nosso Batismo, nos leve a crescer no conhecimento e na contemplação da beleza que é a nossa fé.

 

1 Também chamado “Quicumque”.

2 Aparecem aqui os verbos da’at (conhecer/reconhecer) e o verbo shuv (voltar). Na forma em que se apresenta no texto, o verbo shuv pode se entendido como “colocar de novo alguma coisa sobre”, por isso o sentido das traduções “medita/grava” em teu coração.

3 Koheler & Baumgartner. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Vol I, p. 100.

4 Santo Agostinho. Comentário aos Salmos. Salmo 32,5. In: Santo Agostinho. Comentário aos Salmos. Vol. 9/1 [Coleção Patrística]. São Paulo, Paulus, 20052, pp. 399-400.

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Transborda em toda a terra a sua graça (Sl 32,5)

27/05/2018 00:00

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade. Esta é uma solenidade didática, ou seja, nela não celebramos um dos “mistérios” da vida do Cristo, mas celebramos uma verdade da nossa fé: Cremos na Trindade! Aqui me vem à mente as palavras do assim chamado “Credo de Atanásio”1, um texto que já foi, no passado, utilizado na liturgia por ocasião da solenidade que hoje celebramos, e que resume de modo magnífico a fé trinitária: “A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas, e três Pessoas em um só Deus. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma só é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória e coeterna a majestade.”

As leituras bíblicas desta solenidade nos ajudam a penetrar nesse mistério. A primeira leitura é um trecho do livro do Deuteronômio. Neste trecho Israel é chamado a olhar para o passado e a reconhecer a beleza de ter sido escolhido por Deus: “Terá jamais algum Deus vindo escolher para si um povo entre as nações?” (cf. Dt 4,34) Diante do mistério desta escolha, Israel deve “reconhecer” e “colocar sobre o coração” que o Senhor é Deus, e que não há outro além d’Ele (cf. Dt 4,39).2 Além disso, Israel deve comprometer-se com Deus: “Guarda suas leis e seus mandamentos que hoje Te prescrevo” (cf. Dt 4,40).

Em grande ação de graças, o Salmo 32 (33) proclama “feliz” o povo que o Senhor escolheu por sua herança. O termo hebraico que aqui se traduz como “feliz” é o termo ashrê. A LXX o traduziu como makários. Mais que “feliz”, este termo significa “bendito/abençoado/bem-aventurado”. É um termo técnico para se introduzir uma “bênção”.3 Este refrão, tomado do v. 12, levava o israelita a proclamar sobre si a bênção de ter sido escolhido como um povo preferido, amado por Deus, a quem Ele quis revelar-Se em primeiro lugar.

Cantado hoje em nossas liturgias, o Salmo nos leva a proclamar também sobre nós essa bem-aventurança. Todo aquele que se abre à fé é hoje “bem-aventurado”, porque passa a fazer parte, pela fé e pelo Batismo, do povo que o Senhor escolheu por sua herança.

Nós nos proclamamos “bem-aventurados” porque Deus quis revelar-Se a nós. Paulatinamente, na história da salvação, Deus nos foi revelando seu rosto amoroso. Primeiro, manifestou-Se como o Pai, Criador de todas as coisas. Na plenitude dos tempos, manifestou-nos o rosto do seu Filho muito amado que, subindo ao Pai, de lá nos enviou o Espírito da Verdade.

Lendo este Sl 32(33),6 à luz do NT, percebemos nele uma insinuação da Trindade. De fato, tal versículo afirma: “O céu foi feito com a Palavra de YHWH, e seu exército com o sopro de sua boca”. Neste versículo aparecem os termos dabar (‘palavra’) e rûah (‘sopro/vento’). O termo rûah (‘sopro/vento’) aparece em Gn 1,2, quando o autor sagrado afirma que “um vento de Deus (ou, o ‘espírito de Deus’) pairava sobre as águas”. O termo dabar, por sua vez, é um termo recorrente no AT. Sobretudo, merece destaque o Sl 118 (119), que constitui um grande elogio à Palavra Divina. Em Gn 1 não encontramos o termo dabar, mas a expressão recorrente ‘Deus disse’ nos faz perceber que Deus criou tudo por meio da sua Palavra, do seu dabar.

Santo Agostinho, lendo este versículo em chave trinitária, afirma: O Verbo é certamente Filho de Deus, e o Espírito de sua boca é o Espírito Santo. Pelo Espírito de sua boca se firmaram os céus, e do Verbo do Senhor lhes vem toda a fortaleza. Isto é a obra do Filho e do Espírito Santo. Acaso sem o Pai? Quem, pois, obra através de seu Verbo e de seu Espírito, senão aquele de quem é o Verbo e o Espírito? Esta Trindade é, portanto, um só Deus. A Este adora quem sabe adorar, e a Ele encontra em toda a parte quem se converter.4

As demais leituras, o Evangelho – coração de toda a liturgia da Palavra, e o trecho da carta aos Romanos proclamado como segunda leitura – nos levam a contemplar de modo pleno o nosso Deus Uno e Trino.

No Evangelho é o próprio Cristo quem nos anuncia esse mistério. Ele envia os seus discípulos e manda que eles batizem em “nome” do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Desde tempos antigos, o uso uma única vez da expressão “em nome” foi visto como apontando para a unidade da substância divina. Não são três deuses, mas um só Deus. Por outro lado, as expressões Pai, Filho e Espírito Santo fizeram com que, desde o início, se percebesse que Jesus nos revelava algo totalmente novo a respeito da natureza de Deus: Ele não é somente Uno, é também trino.

Um só Deus, em três pessoas realmente distintas. Um grande mistério de comunhão e de amor. ‘Mistério de comunhão’, porque não existe comunhão mais perfeita que esta vivida no interior da vida trinitária. ‘Mistério de amor’, porque somente contemplando o modo de amar da Trindade é que aprendemos, também, o que é o amor. A Trindade ama doando-se. O Pai se doa num movimento eterno de amor, gerando seu Verbo e enviando-o depois ao mundo. O Filho nos deu, no alto da Cruz, o mais vivo exemplo de amor e doação, morrendo por nós e submetendo-se em tudo à vontade do Pai. O Espírito, por sua vez, desde a criação não cessa de ser derramado sobre nós. Ele estava no início de tudo, pairando sobre as águas. Depois guiou os patriarcas e os profetas. No irrompimento dos últimos tempos, ele veio em Pentecostes, como línguas de fogo e, desde então, não cessou jamais de se derramar sobre a Igreja, pois em toda ação verdadeiramente eclesial existe um Pentecostes, sobretudo e, de modo particular, na celebração da liturgia.

Falando da filiação divina que recebemos em Cristo, Paulo na segunda leitura nos aponta, mais uma vez, o mistério da Trindade. Deixando-nos conduzir pelo Espírito, somos “filhos de Deus”, “filhos do Pai”. Pelo Espírito que recebemos, e que nos faz chamar Deus de Pai, tornamo-nos co-herdeiros de Cristo, a fim de sermos glorificados com Ele. Que maravilha observarmos esse movimento da divina Trindade em nossa vida de fé. O Pai nos envia o Espírito, que nos torna uma só coisa com o Cristo, seu Filho amado. Assim, quando o Pai nos olha, vê em nós a face do seu Cristo e transborda de amor.

Que abramos o nosso coração, a fim de que a Trindade, que mora em nós desde o nosso Batismo, nos leve a crescer no conhecimento e na contemplação da beleza que é a nossa fé.

 

1 Também chamado “Quicumque”.

2 Aparecem aqui os verbos da’at (conhecer/reconhecer) e o verbo shuv (voltar). Na forma em que se apresenta no texto, o verbo shuv pode se entendido como “colocar de novo alguma coisa sobre”, por isso o sentido das traduções “medita/grava” em teu coração.

3 Koheler & Baumgartner. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Vol I, p. 100.

4 Santo Agostinho. Comentário aos Salmos. Salmo 32,5. In: Santo Agostinho. Comentário aos Salmos. Vol. 9/1 [Coleção Patrística]. São Paulo, Paulus, 20052, pp. 399-400.

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida