Arquidiocese do Rio de Janeiro

29º 22º

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 09/05/2024

09 de Maio de 2024

Alegrai-vos e Exultai – O chamado à Santidade

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Alegrai-vos e Exultai – O chamado à Santidade

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09/04/2018 07:59 - Atualizado em 09/04/2018 07:59

Alegrai-vos e Exultai – O chamado à Santidade 0

09/04/2018 07:59 - Atualizado em 09/04/2018 07:59

Com as iniciais latinas Gaudium et exultate (Alegrai-vos e exultai – Mt 5,12), o Santo Padre, o Papa Francisco, assinou, no dia 19 de março último, Solenidade de São José, com 177 parágrafos distribuídos em cinco capítulos, uma importante Exortação Apostólica, com sobre a chamada à santidade no mundo atual. Tema candente para os dias de hoje na vida de cada fiel chamado, pelo Batismo, a ser santo como o Pai celeste é santo (cf. Mt 5,48). Daí a importância de propor aqui um resumo comentado de tal Exortação, cuja leitura e meditação, na íntegra, muito recomendo.

Eis, nas palavras do Papa, a razão e a oportunidade do Documento que chama a todos à santidade, nunca à mediocridade, como se fosse possível ser um católico mais ou menos: nem santo, nem pecador. Não existe esse meio termo, nem no Antigo, nem no Novo Testamento. Fala, então, Francisco:“‘Alegrai-vos e exultai’ (Mt 5,12), diz Jesus aos que são perseguidos ou humilhados por causa dele. O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, a chamada à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abraão, o Senhor propô-la nestes termos: ‘anda na minha presença e sê íntegro’ (Gn 17,1)” (n. 1).

A seguir, o Papa faz como quê uma delimitação de tema da Exortação ao escrever: “Não se deve esperar aqui um tratado sobre a santidade, com muitas definições e distinções que poderiam enriquecer este tema importante ou com análises que se poderiam fazer acerca dos meios de santificação. O meu objetivo é humilde: fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós ‘para sermos santos e íntegros diante dele, no amor’ (Ef 1,4)” (n. 2).

O capítulo I apresenta a contextualização desse chamado universal à santidade a partir não só de conceitos, mas também de exemplos de quem já fez esse caminho, ou seja, os santos e santas. São eles uma “nuvem de testemunhas” que já venceram a batalha e, agora, na glória eterna, intercedem junto a Deus por nós (cf. Hb 11-12). São heróis, pois, de algum modo, deram a vida pela causa do Evangelho, conforme se comprova no processo de canonização (quando a Igreja declara alguém santo). “Nos processos de beatificação e canonização, tomam-se em consideração os sinais de heroicidade na prática das virtudes, o sacrifício da vida no martírio e também os casos em que se verificou um oferecimento da própria vida pelos outros, mantido até a morte. Esta doação manifesta uma imitação exemplar de Cristo, e é digna da admiração dos fiéis” (n. 5).

É preciso, no entanto, olhar também para pessoas que não foram canonizadas, mas são santas. Daí a importância do Dia de Todos os Santos celebrado na Liturgia da Igreja no início de novembro. São os santos e santas que estão, como fala o Papa, “ao pé da porta”, pois estão “nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade “ao pé da porta”, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’” (n. 7).

O Papa, após recordar São João Paulo II a dizer que a santidade é algo que também ortodoxos e alguns ramos reformados compartilham, exorta: “o que quero recordar com esta Exortação é sobretudo a chamada à santidade que o Senhor faz a cada um de nós, a chamada que dirige também a ti: ‘sede pois santos, porque eu sou santo’ (Lv 11,45; cf. 1Pd 1,16). O Concílio Vaticano II salientou vigorosamente: ‘munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho’” (n. 10).

Alguns poderiam acusar, de modo injusto, a Igreja de não valorizar, devidamente, as mulheres. Isso não é verdade, pois “o Espírito Santo suscitou santas, cujo fascínio provocou novos dinamismos espirituais e reformas importantes na Igreja. Podemos citar Santa Hildegarda de Bingen, Santa Brígida, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa de Ávila ou Santa Teresa de Lisieux; mas interessa-me sobretudo lembrar tantas mulheres desconhecidas ou esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo, famílias e comunidades com a força do seu testemunho” (n. 12).

Ressalte-se que a santidade é fruto do Batismo, portanto aberta a todos (e não a uns poucos clérigos ou consagrados(as)), e está presente nas pequenas, mas importantes coisas do dia a dia. Fala o Santo Padre: “Esta santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. Por exemplo, uma senhora vai ao mercado fazer as compras, encontra uma vizinha, começam a falar e surgem as críticas. Mas esta mulher diz para consigo: “Não! Não falarei mal de ninguém”. Isso é um passo rumo à santidade. Depois, em casa, o seu filho reclama a atenção dela para falar das suas fantasias e ela, embora cansada, senta-se ao seu lado e escuta com paciência e carinho. Trata-se de outra oferta que santifica. Ou então atravessa um momento de angústia, mas lembra-se do amor da Virgem Maria, pega no terço e reza com fé. Este é outro caminho de santidade. Em outra ocasião, segue pela estrada fora, encontra um pobre e detém-se a conversar carinhosamente com ele. É mais um passo” (n. 16). Veja, irmão e irmã, como a santidade está ao nosso alcance. Podemos e devemos abraçá-la com ardor tendo por referencial Cristo Ressuscitado, penhor de vitória.

Cada um veio ao mundo com uma missão a desenvolver no local em que vive, do modo como Deus o chama (cada chamado é único): “Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida. Deixa-te transformar, deixa-te renovar pelo Espírito para que isso seja possível, e assim a tua preciosa missão não fracassará. O Senhor levá-la-á a cumprimento mesmo no meio dos teus erros e momentos negativos, desde que não abandones o caminho do amor e permaneças sempre aberto à sua ação sobrenatural que purifica e ilumina” (n. 24).

Importa ter Cristo como modelo e segui-Lo, na humildade, contemplando e agindo, de um lado, e agindo e contemplando, de outro, em plena harmonia. Precisamos de um espírito de santidade que impregne tanto a solidão como o serviço, tanto a intimidade como a tarefa evangelizadora, para que cada instante seja expressão de amor doado sob o olhar do Senhor. Desta forma, todos os momentos serão degraus no nosso caminho de santificação” (n. 31).

No capítulo II, o Papa trata dos inimigos da santidade, com especial destaque para dois que a Congregação para a Doutrina da Fé denunciou no Documento Placuit Deo (Aprouve a Deus), de 16 de fevereiro de 2018, são o gnosticismo e o pelagianismo. “Nelas aparece expresso um imanentismo antropocêntrico, disfarçado de verdade católica”. São, ainda segundo o Papa, “duas formas de segurança doutrinária ou disciplinar, que dão origem a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem- se as energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente” (n. 35).

Escreve o Papa Francisco: “O gnosticismo é uma das piores ideologias, pois, ao mesmo tempo que exalta indevidamente o conhecimento ou uma determinada experiência, considera que a sua própria visão da realidade seja a perfeição. Assim, talvez sem se aperceber, esta ideologia autoalimenta-se e torna-se ainda mais cega. Por vezes, torna-se particularmente enganadora, quando se disfarça de espiritualidade desencarnada. Com efeito, o gnosticismo, “por sua natureza, quer domesticar o mistério”(Carta ao Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica Argentina no centenário da Faculdade de Teologia (3 de março de 2015): L’Osservatore Romano ed. portuguesade 12/03/2015), 11) (n. 40).

É certo que todo conhecimento, desde o estudo teológico, regado pela oração humilde, até outro saber acadêmico não se opõem a Deus, mas, ao contrário, podem ajudar a chegar a Ele com maior facilidade, desde que o estudante ou aquele que busca o grande conhecimento (gnose) de Deus não se sinta, como já alertara São João Paulo II, parte de uma elite ou casta, mais santa que os demais irmãos e irmãs não estudados (cf. n. 36-46). Ao lado dos gnósticos de nosso tempo, há os pelagianos.

Daí dizer o Papa: “com efeito, o poder que os gnósticos atribuíam à inteligência, alguns começaram a atribuí-lo à vontade humana, ao esforço pessoal. Surgiram, assim, os pelagianos e os semipelagianos. Já não era a inteligência que ocupava o lugar do mistério e da graça, mas a vontade. Esquecia-se que “a escolha de Deus não depende da vontade ou dos esforços do ser humano, mas somente de Deus que usa de misericórdia” (Rm 9,16) e que Ele “nos amou primeiro” (1Jo 4,19)” (n. 48). Falta ao pelagiano de hoje humildade e abertura à graça de Deus, ingredientes preciosos ou mesmo necessários à santidade. “A Igreja ensinou repetidamente que não somos justificados pelas nossas obras ou pelos nossos esforços, mas pela graça do Senhor que toma a iniciativa” (n. 52), conforme, nos ensina a fé constante da Igreja (cf. n. 52-56).

Apenas para deixar claro a algum leitor mais interessado, recorro à Filosofia a fim de oferecer uma base dos dois conceitos muito bem abordados pelo Papa. A gnose, portanto, “consiste em afirmar a possibilidade da salvação religiosa pelo conhecimento intelectual, sem o dom direto da graça divina”. O pelagianismo, por sua vez, nega o pecado original e considera o ser humano “capaz de obedecer à lei de Deus sem depender da graça” (H. Japiassú; D. Marcondes. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: JZE, 1999).

“Para evitar isso, é bom recordar frequentemente que existe uma hierarquia das virtudes, que nos convida a buscar o essencial. A primazia pertence às virtudes teologais, que têm Deus como objeto e motivo. E, no centro, está a caridade. São Paulo diz que o que conta verdadeiramente é “a fé agindo pelo amor” (Gl 5,6). Somos chamados a cuidar solicitamente da caridade: “quem ama o próximo cumpre plenamente a Lei (...) Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei” (Rm 13,8.10). “Amarás o teu próximo como a ti mesmo’” (Gl 5,14)”, reforça o Papa no n. 60.

O Santo Padre conclui sua reflexão-alerta, no capítulo II, com uma oração: “Que o Senhor liberte a Igreja das novas formas de gnosticismo e pelagianismo que a complicam e detêm no seu caminho para a santidade! Estes desvios manifestam-se de formas diferentes, segundo o temperamento e as caraterísticas próprias. Por isso, exorto cada um a questionar-se e a discernir diante de Deus a maneira como possam estar a manifestar-se na sua vida” (n. 62).

 

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Alegrai-vos e Exultai – O chamado à Santidade

09/04/2018 07:59 - Atualizado em 09/04/2018 07:59

Com as iniciais latinas Gaudium et exultate (Alegrai-vos e exultai – Mt 5,12), o Santo Padre, o Papa Francisco, assinou, no dia 19 de março último, Solenidade de São José, com 177 parágrafos distribuídos em cinco capítulos, uma importante Exortação Apostólica, com sobre a chamada à santidade no mundo atual. Tema candente para os dias de hoje na vida de cada fiel chamado, pelo Batismo, a ser santo como o Pai celeste é santo (cf. Mt 5,48). Daí a importância de propor aqui um resumo comentado de tal Exortação, cuja leitura e meditação, na íntegra, muito recomendo.

Eis, nas palavras do Papa, a razão e a oportunidade do Documento que chama a todos à santidade, nunca à mediocridade, como se fosse possível ser um católico mais ou menos: nem santo, nem pecador. Não existe esse meio termo, nem no Antigo, nem no Novo Testamento. Fala, então, Francisco:“‘Alegrai-vos e exultai’ (Mt 5,12), diz Jesus aos que são perseguidos ou humilhados por causa dele. O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, a chamada à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abraão, o Senhor propô-la nestes termos: ‘anda na minha presença e sê íntegro’ (Gn 17,1)” (n. 1).

A seguir, o Papa faz como quê uma delimitação de tema da Exortação ao escrever: “Não se deve esperar aqui um tratado sobre a santidade, com muitas definições e distinções que poderiam enriquecer este tema importante ou com análises que se poderiam fazer acerca dos meios de santificação. O meu objetivo é humilde: fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós ‘para sermos santos e íntegros diante dele, no amor’ (Ef 1,4)” (n. 2).

O capítulo I apresenta a contextualização desse chamado universal à santidade a partir não só de conceitos, mas também de exemplos de quem já fez esse caminho, ou seja, os santos e santas. São eles uma “nuvem de testemunhas” que já venceram a batalha e, agora, na glória eterna, intercedem junto a Deus por nós (cf. Hb 11-12). São heróis, pois, de algum modo, deram a vida pela causa do Evangelho, conforme se comprova no processo de canonização (quando a Igreja declara alguém santo). “Nos processos de beatificação e canonização, tomam-se em consideração os sinais de heroicidade na prática das virtudes, o sacrifício da vida no martírio e também os casos em que se verificou um oferecimento da própria vida pelos outros, mantido até a morte. Esta doação manifesta uma imitação exemplar de Cristo, e é digna da admiração dos fiéis” (n. 5).

É preciso, no entanto, olhar também para pessoas que não foram canonizadas, mas são santas. Daí a importância do Dia de Todos os Santos celebrado na Liturgia da Igreja no início de novembro. São os santos e santas que estão, como fala o Papa, “ao pé da porta”, pois estão “nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade “ao pé da porta”, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’” (n. 7).

O Papa, após recordar São João Paulo II a dizer que a santidade é algo que também ortodoxos e alguns ramos reformados compartilham, exorta: “o que quero recordar com esta Exortação é sobretudo a chamada à santidade que o Senhor faz a cada um de nós, a chamada que dirige também a ti: ‘sede pois santos, porque eu sou santo’ (Lv 11,45; cf. 1Pd 1,16). O Concílio Vaticano II salientou vigorosamente: ‘munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho’” (n. 10).

Alguns poderiam acusar, de modo injusto, a Igreja de não valorizar, devidamente, as mulheres. Isso não é verdade, pois “o Espírito Santo suscitou santas, cujo fascínio provocou novos dinamismos espirituais e reformas importantes na Igreja. Podemos citar Santa Hildegarda de Bingen, Santa Brígida, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa de Ávila ou Santa Teresa de Lisieux; mas interessa-me sobretudo lembrar tantas mulheres desconhecidas ou esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo, famílias e comunidades com a força do seu testemunho” (n. 12).

Ressalte-se que a santidade é fruto do Batismo, portanto aberta a todos (e não a uns poucos clérigos ou consagrados(as)), e está presente nas pequenas, mas importantes coisas do dia a dia. Fala o Santo Padre: “Esta santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. Por exemplo, uma senhora vai ao mercado fazer as compras, encontra uma vizinha, começam a falar e surgem as críticas. Mas esta mulher diz para consigo: “Não! Não falarei mal de ninguém”. Isso é um passo rumo à santidade. Depois, em casa, o seu filho reclama a atenção dela para falar das suas fantasias e ela, embora cansada, senta-se ao seu lado e escuta com paciência e carinho. Trata-se de outra oferta que santifica. Ou então atravessa um momento de angústia, mas lembra-se do amor da Virgem Maria, pega no terço e reza com fé. Este é outro caminho de santidade. Em outra ocasião, segue pela estrada fora, encontra um pobre e detém-se a conversar carinhosamente com ele. É mais um passo” (n. 16). Veja, irmão e irmã, como a santidade está ao nosso alcance. Podemos e devemos abraçá-la com ardor tendo por referencial Cristo Ressuscitado, penhor de vitória.

Cada um veio ao mundo com uma missão a desenvolver no local em que vive, do modo como Deus o chama (cada chamado é único): “Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida. Deixa-te transformar, deixa-te renovar pelo Espírito para que isso seja possível, e assim a tua preciosa missão não fracassará. O Senhor levá-la-á a cumprimento mesmo no meio dos teus erros e momentos negativos, desde que não abandones o caminho do amor e permaneças sempre aberto à sua ação sobrenatural que purifica e ilumina” (n. 24).

Importa ter Cristo como modelo e segui-Lo, na humildade, contemplando e agindo, de um lado, e agindo e contemplando, de outro, em plena harmonia. Precisamos de um espírito de santidade que impregne tanto a solidão como o serviço, tanto a intimidade como a tarefa evangelizadora, para que cada instante seja expressão de amor doado sob o olhar do Senhor. Desta forma, todos os momentos serão degraus no nosso caminho de santificação” (n. 31).

No capítulo II, o Papa trata dos inimigos da santidade, com especial destaque para dois que a Congregação para a Doutrina da Fé denunciou no Documento Placuit Deo (Aprouve a Deus), de 16 de fevereiro de 2018, são o gnosticismo e o pelagianismo. “Nelas aparece expresso um imanentismo antropocêntrico, disfarçado de verdade católica”. São, ainda segundo o Papa, “duas formas de segurança doutrinária ou disciplinar, que dão origem a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem- se as energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente” (n. 35).

Escreve o Papa Francisco: “O gnosticismo é uma das piores ideologias, pois, ao mesmo tempo que exalta indevidamente o conhecimento ou uma determinada experiência, considera que a sua própria visão da realidade seja a perfeição. Assim, talvez sem se aperceber, esta ideologia autoalimenta-se e torna-se ainda mais cega. Por vezes, torna-se particularmente enganadora, quando se disfarça de espiritualidade desencarnada. Com efeito, o gnosticismo, “por sua natureza, quer domesticar o mistério”(Carta ao Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica Argentina no centenário da Faculdade de Teologia (3 de março de 2015): L’Osservatore Romano ed. portuguesade 12/03/2015), 11) (n. 40).

É certo que todo conhecimento, desde o estudo teológico, regado pela oração humilde, até outro saber acadêmico não se opõem a Deus, mas, ao contrário, podem ajudar a chegar a Ele com maior facilidade, desde que o estudante ou aquele que busca o grande conhecimento (gnose) de Deus não se sinta, como já alertara São João Paulo II, parte de uma elite ou casta, mais santa que os demais irmãos e irmãs não estudados (cf. n. 36-46). Ao lado dos gnósticos de nosso tempo, há os pelagianos.

Daí dizer o Papa: “com efeito, o poder que os gnósticos atribuíam à inteligência, alguns começaram a atribuí-lo à vontade humana, ao esforço pessoal. Surgiram, assim, os pelagianos e os semipelagianos. Já não era a inteligência que ocupava o lugar do mistério e da graça, mas a vontade. Esquecia-se que “a escolha de Deus não depende da vontade ou dos esforços do ser humano, mas somente de Deus que usa de misericórdia” (Rm 9,16) e que Ele “nos amou primeiro” (1Jo 4,19)” (n. 48). Falta ao pelagiano de hoje humildade e abertura à graça de Deus, ingredientes preciosos ou mesmo necessários à santidade. “A Igreja ensinou repetidamente que não somos justificados pelas nossas obras ou pelos nossos esforços, mas pela graça do Senhor que toma a iniciativa” (n. 52), conforme, nos ensina a fé constante da Igreja (cf. n. 52-56).

Apenas para deixar claro a algum leitor mais interessado, recorro à Filosofia a fim de oferecer uma base dos dois conceitos muito bem abordados pelo Papa. A gnose, portanto, “consiste em afirmar a possibilidade da salvação religiosa pelo conhecimento intelectual, sem o dom direto da graça divina”. O pelagianismo, por sua vez, nega o pecado original e considera o ser humano “capaz de obedecer à lei de Deus sem depender da graça” (H. Japiassú; D. Marcondes. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: JZE, 1999).

“Para evitar isso, é bom recordar frequentemente que existe uma hierarquia das virtudes, que nos convida a buscar o essencial. A primazia pertence às virtudes teologais, que têm Deus como objeto e motivo. E, no centro, está a caridade. São Paulo diz que o que conta verdadeiramente é “a fé agindo pelo amor” (Gl 5,6). Somos chamados a cuidar solicitamente da caridade: “quem ama o próximo cumpre plenamente a Lei (...) Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei” (Rm 13,8.10). “Amarás o teu próximo como a ti mesmo’” (Gl 5,14)”, reforça o Papa no n. 60.

O Santo Padre conclui sua reflexão-alerta, no capítulo II, com uma oração: “Que o Senhor liberte a Igreja das novas formas de gnosticismo e pelagianismo que a complicam e detêm no seu caminho para a santidade! Estes desvios manifestam-se de formas diferentes, segundo o temperamento e as caraterísticas próprias. Por isso, exorto cada um a questionar-se e a discernir diante de Deus a maneira como possam estar a manifestar-se na sua vida” (n. 62).

 

Cardeal Orani João Tempesta
Autor

Cardeal Orani João Tempesta

Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro