Arquidiocese do Rio de Janeiro

34º 22º

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Dai a Deus o que é de Deus (Mt 22,21)

Enviando...
Por favor, preencha os campos adequadamente.
Ocorreu um erro no envio do e-mail.
E-mail enviado com sucesso.

17 de Maio de 2024

Dai a Deus o que é de Deus (Mt 22,21)

Se você encontrou erro neste texto ou nesta página, por favor preencha os campos abaixo. O link da página será enviado automaticamente a ArqRio.

Enviando...
Por favor, preencha os campos adequadamente.
Ocorreu um erro no envio do erro.
Erro relatado com sucesso, obrigado.

20/10/2017 13:18 - Atualizado em 20/10/2017 13:18

Dai a Deus o que é de Deus (Mt 22,21) 0

20/10/2017 13:18 - Atualizado em 20/10/2017 13:18

O Evangelho de hoje nos coloca diante de uma sentença basilar de Jesus: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (cf. Mt 22,21). Os fariseus desejam armar uma “cilada” para Jesus. Mateus utiliza o verbo grego “pagideuo” que aparece duas vezes no AT: em 1Sm 28,9, quando a necromante de Endor pergunta sobre o porquê de Saul lhe “armar uma cilada” fazendo-a invocar o espírito de Samuel; e em Ecl 9,12, traduzido algumas vezes como “enredar-se”, aqui com o sentido de que os homens, no tempo da desgraça, se enredam, caem como “pássaros numa armadilha”. Assim os fariseus desejam enredar Jesus, fazê-lo cair numa cilada.

A armadilha já está claramente manifesta no tipo de embaixada que os fariseus enviam a Jesus: alguns discípulos dos próprios fariseus e alguns partidários de Herodes. Como vamos ver a seguir, diante da pergunta colocada, qualquer resposta de Jesus suscitaria agitação, diante destes dois grupos bem distintos: uns nacionalistas e outros favoráveis ao poder estrangeiro.

Os interlocutores de Jesus começam sua fala com palavras doces. Comentando esse texto, um autor italiano chamado Enzo Bianchi, afirma que a esses interlocutores de Jesus bem se aplicam as palavras do Sl 55[54],22[1]. O salmista, referindo-se aos seus inimigos, afirma: “Sua boca é mais lisa que o creme, mas no seu coração está a guerra; são suaves como óleo suas palavras, porém são espadas fora da bainha.”

Depois de algumas palavras doces, eles lançam, por fim, a pergunta: “É lícito ou não pagar imposto a César?” Como dizíamos acima, qualquer resposta de Jesus geraria uma situação de crise. Se Jesus se dissesse favorável ao imposto, os fariseus o apresentariam como um inimigo do povo, e como um apoiador do dominador estrangeiro. Se, por outro lado, Jesus se colocasse diametralmente contrário ao pagamento do tributo, os herodianos o apresentariam como um agitador, inimigo do poder constituído, ainda que este fosse um poder opressor. A questão era muito séria. Prova disso é que em Lc 23,2 o Sinédrio acusará Jesus de ser um agitador do povo, impedindo este mesmo povo de pagar os impostos a César. Acusação claramente falsa, quando observamos as duas passagens em paralelo.

Jesus lhes reconhece a hipocrisia e desmonta a armadilha pedindo que lhe mostrem a moeda do tributo. E aqui entramos no ponto alto de toda a perícope, os vv. 20-21. Ao contemplar a moeda do tributo Jesus pergunta: De quem é a figura e a inscrição desta moeda? Eles responderam: “De César. Jesus então lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”

Assim respondendo “Jesus não dá receitas sobre comportamento político, mas o transcende: não convida a rebelar-se contra os romanos, nem bendiz a estrutura existente, como se César fosse um ministro de Deus. Não! Afirma simplesmente que se deve dar a César o que ele tem direito de exigir: o imposto. Depois Jesus acrescenta, sem que a pergunta colocada o exigisse: ‘Dai a Deus o que é de Deus!’ Ou seja, acima de César existe uma ordem mais elevada, aquela de Deus, a quem é necessário dar aquilo o que lhe pertence, isto é, tudo, sendo ‘sua a terra e tudo o que contém’ (cf. Sl 24,1): a Deus é necessário oferecer a própria pessoa (cf. Rm 12,1)! É a luz deste primado que se torna relativo aquilo o que compete a César: se o poder político pretende receber a adoração que compete a Deus – como fazia o imperador – o cristão não lha deve dar; se à autoridade estatal se deve dar o respeito (cf. Rm 13,7), o temor é reservado somente a Deus (cf. 1Pd 2,17).”[2]

Assim, Jesus nos mostra que há uma distinção, embora não uma necessária oposição, entre religião e política. O cristão é chamado a viver de acordo com as regras da sociedade em que se encontra e a obedecer às leis que lhe são impostas. Isto é afirmado pelo Catecismo da Igreja Católica nos nn. 2238-2240. Contudo, o mesmo Catecismo, reconhecendo que acima da obediência ao Estado está a obediência a Deus, como Jesus preceitua no Evangelho, afirma no n. 2242: “O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições forem contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências forem contrárias às da reta consciência, tem a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. ‘Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’ (Mt 22, 21). ‘Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens’ (At 5, 29).”

Israel conheceu na sua história momentos em que o poder político lhe era favorável e não lhes contrariava a prática da fé. Assim é que vemos, na primeira leitura, Ciro, um imperador pagão, ser chamado de “ungido”, “mashiah”, donde “Messias”, título muito caro ao povo de Israel e, mais tarde, empregado para se referir ao salvador que Deus deveria enviar para redimir o seu povo. Contudo, em outros momentos, Israel experimentou momentos de dura opressão e de ataques à sua fé por parte dos dominadores estrangeiros. Podemos ver bem claro isso nos livros dos Macabeus. Nesses momentos Israel não obedecia aos homens contrariando a vontade de Deus, mas justamente se rebelava contra aqueles que disseminavam a injustiça e lhes impediam de viver retamente a sua fé. A mesma regra se aplica a nós, cristãos, como vimos acima.

Poderíamos concluir nossa reflexão, aprofundando um pouco o sentido da segunda parte da sentença de Jesus: Dai a Deus, o que é de Deus. Se a moeda do tributo trazia a imagem de César e, por isso, deveria ser dada a César, porque trazendo a sua marca a ele pertencia, nós, por outro lado, possuímos uma imagem, uma marca, uma inscrição. Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Se trazemos em nós a imagem d’Ele é porque lhe pertencemos e, como bem dizia pouco acima, no texto citado, Enzo Bianchi, é necessário dar a Deus a própria pessoa. Nós precisamos nos oferecer a Deus, como “sacrifício vivo”, este é o nosso culto espiritual (cf. Rm 21,1).

Em cada Eucaristia Cristo se dá a nós. Dele nos alimentamos quer na Palavra, que nas espécies consagradas. Nós nos nutrimos d’Ele. Ele se dá todo inteiro a nós. Nos entreguemos a Ele para que a nossa Comunhão com a sua entrega seja real. Que nossa vida seja uma oferta a Deus e aos irmãos no amor. Assim estaremos dando a Deus o que é de Deus...

 



[1] BIANCHI, Enzo. Gesú, Dio-com-noi, compimento dele Scritture. Milano: San Paolo, 2010, p. 172.

[2] BIANCHI, Enzo. Gesú, Dio-com-noi, compimento dele Scritture. Milano: San Paolo, 2010, p. 173-174.

Leia os comentários

Deixe seu comentário

Resposta ao comentário de:

Enviando...
Por favor, preencha os campos adequadamente.
Ocorreu um erro no envio do comentário.
Comentário enviado para aprovação.

Dai a Deus o que é de Deus (Mt 22,21)

20/10/2017 13:18 - Atualizado em 20/10/2017 13:18

O Evangelho de hoje nos coloca diante de uma sentença basilar de Jesus: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (cf. Mt 22,21). Os fariseus desejam armar uma “cilada” para Jesus. Mateus utiliza o verbo grego “pagideuo” que aparece duas vezes no AT: em 1Sm 28,9, quando a necromante de Endor pergunta sobre o porquê de Saul lhe “armar uma cilada” fazendo-a invocar o espírito de Samuel; e em Ecl 9,12, traduzido algumas vezes como “enredar-se”, aqui com o sentido de que os homens, no tempo da desgraça, se enredam, caem como “pássaros numa armadilha”. Assim os fariseus desejam enredar Jesus, fazê-lo cair numa cilada.

A armadilha já está claramente manifesta no tipo de embaixada que os fariseus enviam a Jesus: alguns discípulos dos próprios fariseus e alguns partidários de Herodes. Como vamos ver a seguir, diante da pergunta colocada, qualquer resposta de Jesus suscitaria agitação, diante destes dois grupos bem distintos: uns nacionalistas e outros favoráveis ao poder estrangeiro.

Os interlocutores de Jesus começam sua fala com palavras doces. Comentando esse texto, um autor italiano chamado Enzo Bianchi, afirma que a esses interlocutores de Jesus bem se aplicam as palavras do Sl 55[54],22[1]. O salmista, referindo-se aos seus inimigos, afirma: “Sua boca é mais lisa que o creme, mas no seu coração está a guerra; são suaves como óleo suas palavras, porém são espadas fora da bainha.”

Depois de algumas palavras doces, eles lançam, por fim, a pergunta: “É lícito ou não pagar imposto a César?” Como dizíamos acima, qualquer resposta de Jesus geraria uma situação de crise. Se Jesus se dissesse favorável ao imposto, os fariseus o apresentariam como um inimigo do povo, e como um apoiador do dominador estrangeiro. Se, por outro lado, Jesus se colocasse diametralmente contrário ao pagamento do tributo, os herodianos o apresentariam como um agitador, inimigo do poder constituído, ainda que este fosse um poder opressor. A questão era muito séria. Prova disso é que em Lc 23,2 o Sinédrio acusará Jesus de ser um agitador do povo, impedindo este mesmo povo de pagar os impostos a César. Acusação claramente falsa, quando observamos as duas passagens em paralelo.

Jesus lhes reconhece a hipocrisia e desmonta a armadilha pedindo que lhe mostrem a moeda do tributo. E aqui entramos no ponto alto de toda a perícope, os vv. 20-21. Ao contemplar a moeda do tributo Jesus pergunta: De quem é a figura e a inscrição desta moeda? Eles responderam: “De César. Jesus então lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”

Assim respondendo “Jesus não dá receitas sobre comportamento político, mas o transcende: não convida a rebelar-se contra os romanos, nem bendiz a estrutura existente, como se César fosse um ministro de Deus. Não! Afirma simplesmente que se deve dar a César o que ele tem direito de exigir: o imposto. Depois Jesus acrescenta, sem que a pergunta colocada o exigisse: ‘Dai a Deus o que é de Deus!’ Ou seja, acima de César existe uma ordem mais elevada, aquela de Deus, a quem é necessário dar aquilo o que lhe pertence, isto é, tudo, sendo ‘sua a terra e tudo o que contém’ (cf. Sl 24,1): a Deus é necessário oferecer a própria pessoa (cf. Rm 12,1)! É a luz deste primado que se torna relativo aquilo o que compete a César: se o poder político pretende receber a adoração que compete a Deus – como fazia o imperador – o cristão não lha deve dar; se à autoridade estatal se deve dar o respeito (cf. Rm 13,7), o temor é reservado somente a Deus (cf. 1Pd 2,17).”[2]

Assim, Jesus nos mostra que há uma distinção, embora não uma necessária oposição, entre religião e política. O cristão é chamado a viver de acordo com as regras da sociedade em que se encontra e a obedecer às leis que lhe são impostas. Isto é afirmado pelo Catecismo da Igreja Católica nos nn. 2238-2240. Contudo, o mesmo Catecismo, reconhecendo que acima da obediência ao Estado está a obediência a Deus, como Jesus preceitua no Evangelho, afirma no n. 2242: “O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições forem contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências forem contrárias às da reta consciência, tem a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. ‘Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’ (Mt 22, 21). ‘Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens’ (At 5, 29).”

Israel conheceu na sua história momentos em que o poder político lhe era favorável e não lhes contrariava a prática da fé. Assim é que vemos, na primeira leitura, Ciro, um imperador pagão, ser chamado de “ungido”, “mashiah”, donde “Messias”, título muito caro ao povo de Israel e, mais tarde, empregado para se referir ao salvador que Deus deveria enviar para redimir o seu povo. Contudo, em outros momentos, Israel experimentou momentos de dura opressão e de ataques à sua fé por parte dos dominadores estrangeiros. Podemos ver bem claro isso nos livros dos Macabeus. Nesses momentos Israel não obedecia aos homens contrariando a vontade de Deus, mas justamente se rebelava contra aqueles que disseminavam a injustiça e lhes impediam de viver retamente a sua fé. A mesma regra se aplica a nós, cristãos, como vimos acima.

Poderíamos concluir nossa reflexão, aprofundando um pouco o sentido da segunda parte da sentença de Jesus: Dai a Deus, o que é de Deus. Se a moeda do tributo trazia a imagem de César e, por isso, deveria ser dada a César, porque trazendo a sua marca a ele pertencia, nós, por outro lado, possuímos uma imagem, uma marca, uma inscrição. Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Se trazemos em nós a imagem d’Ele é porque lhe pertencemos e, como bem dizia pouco acima, no texto citado, Enzo Bianchi, é necessário dar a Deus a própria pessoa. Nós precisamos nos oferecer a Deus, como “sacrifício vivo”, este é o nosso culto espiritual (cf. Rm 21,1).

Em cada Eucaristia Cristo se dá a nós. Dele nos alimentamos quer na Palavra, que nas espécies consagradas. Nós nos nutrimos d’Ele. Ele se dá todo inteiro a nós. Nos entreguemos a Ele para que a nossa Comunhão com a sua entrega seja real. Que nossa vida seja uma oferta a Deus e aos irmãos no amor. Assim estaremos dando a Deus o que é de Deus...

 



[1] BIANCHI, Enzo. Gesú, Dio-com-noi, compimento dele Scritture. Milano: San Paolo, 2010, p. 172.

[2] BIANCHI, Enzo. Gesú, Dio-com-noi, compimento dele Scritture. Milano: San Paolo, 2010, p. 173-174.

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida