19 de Abril de 2024
Livros do Antigo Testamento (10)
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07/07/2017 15:11 - Atualizado em 07/07/2017 15:15
Livros do Antigo Testamento (10) 0
07/07/2017 15:11 - Atualizado em 07/07/2017 15:15
Neste artigo damos continuidade às reflexões sobre o Capítulo 6, a narrativa do Dilúvio e de Noé. Uma seção de difícil interpretação dada às utilizações de fontes narrativas arcaicas, com forte sabor fabulístico. A exegese moderna fadiga ao analisar e interpretar estes textos.
O mito dos gigantes (Gn 6, 4):
Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram, às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que existiram na antiguidade, os homens de fama.
O versículo 4 parece referir-se às uniões sexuais descritas nos versos 1-2, mas sua relação continua a ser problemática; segundo Westermann o verso é o resíduo de uma tradição independente (Westermann, Genesis 1-11, p. 378.)1. Este é o texto que precisa ser explicado, e na redação final o versículo apresenta-se como a continuação do que foi narrado em vv. 1-3.
O objeto do verso são os ‘gigantes’ Nephilim; a única outra referência está registrada em Nm 13,332. Os espiões israelitas, depois de terem averiguado a terra que ‘mana leite e mel’, apresentam a alegação de terem visto “os gigantes” (Nephilim), os descendentes de Enaque, da ‘raça dos gigantes’, diante dos quais os israelitas se sentiram pequenos. A etimologia da palavra é relacionada ao verbo nāfal, ‘cair/fazer cair’, de modo que o sentido pode ser ‘aqueles que caem de cima’ ou ‘aqueles que fazem cair/ destroem’.
Este significado pode ser confirmado por Ez 32,20-28, que parece ser uma alusão ao Gênesis 6,1-4. Na passagem de Ezequiel, na verdade, ele é chamado de “heróis” “Gibborim”, como em Gênesis 6.4, que são os caídos no campo de batalha e encontram-se agora no mundo inferior da sepultura. Mesmo na mitologia grega, é a memória de gigantes caídos e derrotados que permanecem presos debaixo da terra.
Tornar-se um “herói do mundo” é mais uma tentativa de superar os limites intransponíveis da existência humana e, talvez, na escolha do termo ‘gigantes’ Nephilim, pode-se vislumbrar uma sutil ironia: esta tentativa de ascender ao céu e minar Deus que só terminará em uma queda desastrosa.
A partir destes versos, a pós-tradição bíblica desenvolveu o mito da ‘Queda dos Anjos’. Assim, encontrava-se a solução para outro problema exposto na breve narração: de que maneira, após o ocorrido, somente os homens são punidos e não os deuses (filhos de Deus ou anjos) os verdadeiros culpados?
No entanto, em Gênesis 6,1-4, não há nenhuma alusão à rebelião dos deuses (ou anjos) e a sua subsequente queda, temas que serão desenvolvidos em vez pela literatura apocalíptica.
A função de versos em Gn 1-11 é aquela de apresentar como a ordem de criação que foi baseada no princípio de separação (Gn 1) está totalmente comprometida com a tentativa repetida e sistemática do homem para fazer-se deus na criação, expandindo-se para além de suas fronteiras e limites humanos. Do ponto de vista da função narrativa, a breve estória nos encaminha diretamente à narração do “dilúvio”.
Com este cenário catastrófico podemos entender a escolha de Noé e a decisão do dilúvio que ocupará os próximos capítulos.
Dilúvio. A Escolha de Nóe e a construção da Arca: Gen 6,9-22
Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus (Gn 6, 8s).
Imediatamente o narrador apresenta as qualidades de Noé: “Ele era homem justo e perfeito em suas gerações, e andava com Deus” (v 9b.). No texto hebraico são dez palavras que formulam três declarações sobre Noé:
1) Ele é justo; 2) integridade entre os seus contemporâneos; 3) anda com Deus.
Na genealogia do Capítulo 5, Noah apareceu em décimo lugar; era então o décimo descendente de criação. Estes jogos numéricos são amados pela tradição sacerdotal e destacam links ocultos: Noé será o ponto a partir do qual se reiniciará a criação, após o dilúvio.
A Unidade 6, 11-22 refere-se aos seguintes temas:
a) A motivação divina acerca do dilúvio
Esta unidade apresenta a total corrupção da Humanidade como motivação para a ‘ira’ purificadora de Deus; o mal não passa indiferente aos olhos divinos, como lemos nos vv. 11-13:
A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra. Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra.
b) As Coordenadas de Construção da “Arca”
Como veículo de preservação da descendência de Noé (citada no v. 9: “Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus.”) ocupam os vers. 14-21:
Faze para ti uma arca da madeira de gofer; farás compartimentos na arca e a betumarás por dentro e por fora com betume. E desta maneira a farás: De 300 côvados o comprimento da arca, e de cinquenta côvados a sua largura, e de 30 côvados a sua altura. Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porá ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro. Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará. Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo. E de tudo o que vive de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para conservá-los vivos contigo; macho e fêmea serão. Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti, para conservá-los em vida. E leva contigo de toda a comida que se come e ajunta-a para ti; e te será para mantimento, a ti e a eles.
Referências:
1 Genesis 1-11: A Continental Commentary Hardcover, 1994.
2 “Também vimos ali gigantes, filhos de Anaque, descendentes dos gigantes; e éramos aos nossos olhos como gafanhotos, e assim também éramos aos seus olhos”.
Livros do Antigo Testamento (10)
07/07/2017 15:11 - Atualizado em 07/07/2017 15:15
Neste artigo damos continuidade às reflexões sobre o Capítulo 6, a narrativa do Dilúvio e de Noé. Uma seção de difícil interpretação dada às utilizações de fontes narrativas arcaicas, com forte sabor fabulístico. A exegese moderna fadiga ao analisar e interpretar estes textos.
O mito dos gigantes (Gn 6, 4):
Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram, às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que existiram na antiguidade, os homens de fama.
O versículo 4 parece referir-se às uniões sexuais descritas nos versos 1-2, mas sua relação continua a ser problemática; segundo Westermann o verso é o resíduo de uma tradição independente (Westermann, Genesis 1-11, p. 378.)1. Este é o texto que precisa ser explicado, e na redação final o versículo apresenta-se como a continuação do que foi narrado em vv. 1-3.
O objeto do verso são os ‘gigantes’ Nephilim; a única outra referência está registrada em Nm 13,332. Os espiões israelitas, depois de terem averiguado a terra que ‘mana leite e mel’, apresentam a alegação de terem visto “os gigantes” (Nephilim), os descendentes de Enaque, da ‘raça dos gigantes’, diante dos quais os israelitas se sentiram pequenos. A etimologia da palavra é relacionada ao verbo nāfal, ‘cair/fazer cair’, de modo que o sentido pode ser ‘aqueles que caem de cima’ ou ‘aqueles que fazem cair/ destroem’.
Este significado pode ser confirmado por Ez 32,20-28, que parece ser uma alusão ao Gênesis 6,1-4. Na passagem de Ezequiel, na verdade, ele é chamado de “heróis” “Gibborim”, como em Gênesis 6.4, que são os caídos no campo de batalha e encontram-se agora no mundo inferior da sepultura. Mesmo na mitologia grega, é a memória de gigantes caídos e derrotados que permanecem presos debaixo da terra.
Tornar-se um “herói do mundo” é mais uma tentativa de superar os limites intransponíveis da existência humana e, talvez, na escolha do termo ‘gigantes’ Nephilim, pode-se vislumbrar uma sutil ironia: esta tentativa de ascender ao céu e minar Deus que só terminará em uma queda desastrosa.
A partir destes versos, a pós-tradição bíblica desenvolveu o mito da ‘Queda dos Anjos’. Assim, encontrava-se a solução para outro problema exposto na breve narração: de que maneira, após o ocorrido, somente os homens são punidos e não os deuses (filhos de Deus ou anjos) os verdadeiros culpados?
No entanto, em Gênesis 6,1-4, não há nenhuma alusão à rebelião dos deuses (ou anjos) e a sua subsequente queda, temas que serão desenvolvidos em vez pela literatura apocalíptica.
A função de versos em Gn 1-11 é aquela de apresentar como a ordem de criação que foi baseada no princípio de separação (Gn 1) está totalmente comprometida com a tentativa repetida e sistemática do homem para fazer-se deus na criação, expandindo-se para além de suas fronteiras e limites humanos. Do ponto de vista da função narrativa, a breve estória nos encaminha diretamente à narração do “dilúvio”.
Com este cenário catastrófico podemos entender a escolha de Noé e a decisão do dilúvio que ocupará os próximos capítulos.
Dilúvio. A Escolha de Nóe e a construção da Arca: Gen 6,9-22
Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus (Gn 6, 8s).
Imediatamente o narrador apresenta as qualidades de Noé: “Ele era homem justo e perfeito em suas gerações, e andava com Deus” (v 9b.). No texto hebraico são dez palavras que formulam três declarações sobre Noé:
1) Ele é justo; 2) integridade entre os seus contemporâneos; 3) anda com Deus.
Na genealogia do Capítulo 5, Noah apareceu em décimo lugar; era então o décimo descendente de criação. Estes jogos numéricos são amados pela tradição sacerdotal e destacam links ocultos: Noé será o ponto a partir do qual se reiniciará a criação, após o dilúvio.
A Unidade 6, 11-22 refere-se aos seguintes temas:
a) A motivação divina acerca do dilúvio
Esta unidade apresenta a total corrupção da Humanidade como motivação para a ‘ira’ purificadora de Deus; o mal não passa indiferente aos olhos divinos, como lemos nos vv. 11-13:
A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra. Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra.
b) As Coordenadas de Construção da “Arca”
Como veículo de preservação da descendência de Noé (citada no v. 9: “Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus.”) ocupam os vers. 14-21:
Faze para ti uma arca da madeira de gofer; farás compartimentos na arca e a betumarás por dentro e por fora com betume. E desta maneira a farás: De 300 côvados o comprimento da arca, e de cinquenta côvados a sua largura, e de 30 côvados a sua altura. Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porá ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro. Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará. Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo. E de tudo o que vive de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para conservá-los vivos contigo; macho e fêmea serão. Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti, para conservá-los em vida. E leva contigo de toda a comida que se come e ajunta-a para ti; e te será para mantimento, a ti e a eles.
Referências:
1 Genesis 1-11: A Continental Commentary Hardcover, 1994.
2 “Também vimos ali gigantes, filhos de Anaque, descendentes dos gigantes; e éramos aos nossos olhos como gafanhotos, e assim também éramos aos seus olhos”.
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