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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Deus cuida de nós

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24/02/2017 00:00

Deus cuida de nós 0

24/02/2017 00:00

O evangelho que hoje ouvimos começa com uma advertência: “Ninguém pode servir a dois senhores: pois, ou adiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” Não podemos dividir o espaço do nosso coração com dois senhores. Precisamos fazer uma escolha radical: ou servimos a Deus ou servimos ao dinheiro. Diante de tal radicalidade, que foi vivida por muitos cristãos de maneira intensa no decorrer dos séculos, nos sentimos abalados e nos questionamos sobre a possibilidade de a vivermos realmente.

Vejamos que não se trata aqui exclusivamente de abandonar completamente o uso do dinheiro ou dos bens deste mundo, até mesmo porque sabemos que não podemos viver completamente sem posses. Precisamos possuir ao menos o alimento que comemos e a roupa que vestimos. Jesus não está condenando a posse dos bens. Em outras passagens do Evangelho Jesus vai alertar sobre o perigo das riquezas. Mas aqui o assunto é outro. Trata-se de escolher a quem nós queremos servir. O problema aqui é a nossa atitude espiritual diante dos bens; a avareza não está nos bens, mas está na nossa atitude diante dos bens. Nós “servimos” somente a Deus; com relação aos bens nós podemos “nos servir” deles, mas sem deixar que eles nos dominem.

Aqui Jesus quer nos libertar de uma doença espiritual chamada “avareza”. Os Santos monges condensaram na sua sabedoria todos os males humanos em “oito pensamentos malvados”. Esses oito pensamentos seriam como que as raízes de todos os outros pecados que nós percebemos em nós mesmos. É a raiz mais primitiva daquilo o que posteriormente vai se chamar na tradição cristã de os “sete pecados capitais”. A doença espiritual da avareza[1] faz com que o homem coloque a sua confiança não em Deus e na sua providência, mas nos bens deste mundo. Um monge chamado Evágrio Pôntico nos diz o seguinte: A avareza sugere (ao monge) uma longa velhice, a incapacidade das mãos para o trabalho, a fome que pode padecer, as enfermidades que sobrevirão e as penalidades da pobreza, assim como o vergonhoso ter que receber dos outros o necessário para ele mesmo.[2] A caridade de Cristo com a qual nós comungamos não pode coexistir com a avareza: Assim como é inadmissível que a vida e a morte aconteçam ao mesmo tempo no mesmo homem, do mesmo modo é impossível que a caridade coexista com a riqueza.[3]

Nós talvez nos perguntemos o porquê da avareza. Nos perguntamos porque nos deixamos dominar pela preocupação com a nossa vida a ponto de, ao invés de nos utilizar dos bens deste mundo, acabamos por deixar que eles nos dominem. São Máximo Confessor nos diz que são três as causas da avareza: São três as causas do amor às riquezas: o amor ao prazer, a vanglória e a falta de fé. Mais grave, porém, que as outras duas, é a falta de fé.[4] Falando sobre a falta de fé São Máximo diz: O amante do prazer ama o dinheiro para deleitar-se mediante ele; (...) o que não tem fé para escondê-lo e custodiá-lo tendo medo da fome, da velhice, da doença ou do exílio e espera mais nele (no dinheiro) do que em Deus, autor e providência da criação toda, até dos últimos e menores seres vivos.[5]

Vemos, assim, o quanto é grave essa doença espiritual da avareza. Nós acabamos por esperar mais do dinheiro do que do próprio Deus que nos amou e nos ama e que nos conserva na existência. Não se trata, aqui, de viver uma vida despreocupada no sentido laxo do termo. Não se trata de ficar sentado esperando que tudo caia do céu. Aqui a insinuação diabólica é bem sutil. Deus não quer que fiquemos esperando tudo cair do céu. Devemos estudar, trabalhar, economizar se queremos ter as coisas. Todavia, precisamos, como costumam dizer os autores espirituais, trabalhar como se tudo dependesse de nós, e confiar como se tudo dependesse de Deus, porque, de fato, depende. De nada adianta o nosso trabalho se Deus não fizer cair o sol e a chuva sobre a terra. Trata-se de trabalhar sim, mas sem perder de vista que Deus é o doador de todos os bens. Importante é saber se utilizar dos bens sem se deixar escravizar por eles e sem colocar a nossa confiança mais nos bens do que em Deus mesmo.

O grande remédio para nos curar desta terrível doença nos é apresentado pelo próprio evangelho que acabamos de ouvir e pela primeira leitura. Cristo nos revela no Evangelho com a imagem das aves do céu e dos lírios do campo que o Pai de amor cuida de nós. Deus não nos criou e nos abandonou a própria sorte. Deus cuida de nós e vela sobre nós. Na primeira leitura o profeta Isaías nos revela que Deus é como uma mãe que não pode esquecer o filho que está no seu ventre. Deus é ainda maior e melhor que essa mãe, porque ainda que a mãe esquecesse do seu filho, Deus jamais se esqueceria de nós. Nós estamos para sempre gravados na memória de Deus.

Se Deus cuida de nós, porque nos inquietar pelo dia de amanhã? Devemos buscar o Reino de Deus e a sua justiça, conforme nos diz o evangelho (cf. Mt 6,33). Todas as outras coisas nos serão dadas por acréscimo. A cada dia basta o seu cuidado. Jesus quer nos alertar aqui sobre o perigo de vivermos sempre fora do momento presente. Muitas vezes perdemos a vida por causa disso. Vivemos sempre em função de um amanhã que não sabemos se chegará. Aqui estamos diante de uma outra tentação sutil. Não estamos proibidos de fazer planos ou de sonhar. Mas devemos cuidar para que o amanhã, que ainda virá e que ainda é projeto, não se torne mais real e concreto para nós do que o hoje que estamos vivendo, do que esse agora específico, que é o que há de verdadeiro, concreto e real nas nossas vidas.

Podemos concluir nossa reflexão olhando para o Salmo dessa liturgia da Palavra. O salmo de hoje retoma de maneira extraordinária esse desejo de Cristo, de que confiemos plenamente no Pai que cuida de nós. O salmo repete insistentemente: “Só em Deus a minha alma tem repouso, porque dele é que me vem a salvação! Só em Deus a minha alma tem repouso, porque dele é que me vem a esperança! A minha glória e salvação estão em Deus; o meu refúgio e rocha firme é o Senhor!” Só em Deus temos repouso. Nos cansamos nos nossos trabalhos; mas podemos repousar n’Ele. Nos fadigamos nas nossas expectativas; mas podemos esperar n’Ele. N’Ele está nosso repouso, nossa esperança e nossa salvação. Não coloquemos a nossa esperança, a nossa salvação e a nossa glória nos bens deste mundo. Eles passam, mas o Senhor permanece. Ele é nossa Salvação; n’Ele está nossa esperança e Ele é a nossa glória. Amém!



[1] Em grego, tal doença aparece com o nome de filargíria, literalmente “amor do/ao dinheiro”.

[2] Cf. Evágrio Pôntico, Tratado Prático, 9

[3] Cf. Evágrio Pôntico, Tratado Prático, 18

[4] Cf. São Máximo Confessor – Terceira Centúria sobre a caridade, 17

[5] Cf. São Máximo Confessor – Centúrias sobre a caridade

 

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24/02/2017 00:00

O evangelho que hoje ouvimos começa com uma advertência: “Ninguém pode servir a dois senhores: pois, ou adiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” Não podemos dividir o espaço do nosso coração com dois senhores. Precisamos fazer uma escolha radical: ou servimos a Deus ou servimos ao dinheiro. Diante de tal radicalidade, que foi vivida por muitos cristãos de maneira intensa no decorrer dos séculos, nos sentimos abalados e nos questionamos sobre a possibilidade de a vivermos realmente.

Vejamos que não se trata aqui exclusivamente de abandonar completamente o uso do dinheiro ou dos bens deste mundo, até mesmo porque sabemos que não podemos viver completamente sem posses. Precisamos possuir ao menos o alimento que comemos e a roupa que vestimos. Jesus não está condenando a posse dos bens. Em outras passagens do Evangelho Jesus vai alertar sobre o perigo das riquezas. Mas aqui o assunto é outro. Trata-se de escolher a quem nós queremos servir. O problema aqui é a nossa atitude espiritual diante dos bens; a avareza não está nos bens, mas está na nossa atitude diante dos bens. Nós “servimos” somente a Deus; com relação aos bens nós podemos “nos servir” deles, mas sem deixar que eles nos dominem.

Aqui Jesus quer nos libertar de uma doença espiritual chamada “avareza”. Os Santos monges condensaram na sua sabedoria todos os males humanos em “oito pensamentos malvados”. Esses oito pensamentos seriam como que as raízes de todos os outros pecados que nós percebemos em nós mesmos. É a raiz mais primitiva daquilo o que posteriormente vai se chamar na tradição cristã de os “sete pecados capitais”. A doença espiritual da avareza[1] faz com que o homem coloque a sua confiança não em Deus e na sua providência, mas nos bens deste mundo. Um monge chamado Evágrio Pôntico nos diz o seguinte: A avareza sugere (ao monge) uma longa velhice, a incapacidade das mãos para o trabalho, a fome que pode padecer, as enfermidades que sobrevirão e as penalidades da pobreza, assim como o vergonhoso ter que receber dos outros o necessário para ele mesmo.[2] A caridade de Cristo com a qual nós comungamos não pode coexistir com a avareza: Assim como é inadmissível que a vida e a morte aconteçam ao mesmo tempo no mesmo homem, do mesmo modo é impossível que a caridade coexista com a riqueza.[3]

Nós talvez nos perguntemos o porquê da avareza. Nos perguntamos porque nos deixamos dominar pela preocupação com a nossa vida a ponto de, ao invés de nos utilizar dos bens deste mundo, acabamos por deixar que eles nos dominem. São Máximo Confessor nos diz que são três as causas da avareza: São três as causas do amor às riquezas: o amor ao prazer, a vanglória e a falta de fé. Mais grave, porém, que as outras duas, é a falta de fé.[4] Falando sobre a falta de fé São Máximo diz: O amante do prazer ama o dinheiro para deleitar-se mediante ele; (...) o que não tem fé para escondê-lo e custodiá-lo tendo medo da fome, da velhice, da doença ou do exílio e espera mais nele (no dinheiro) do que em Deus, autor e providência da criação toda, até dos últimos e menores seres vivos.[5]

Vemos, assim, o quanto é grave essa doença espiritual da avareza. Nós acabamos por esperar mais do dinheiro do que do próprio Deus que nos amou e nos ama e que nos conserva na existência. Não se trata, aqui, de viver uma vida despreocupada no sentido laxo do termo. Não se trata de ficar sentado esperando que tudo caia do céu. Aqui a insinuação diabólica é bem sutil. Deus não quer que fiquemos esperando tudo cair do céu. Devemos estudar, trabalhar, economizar se queremos ter as coisas. Todavia, precisamos, como costumam dizer os autores espirituais, trabalhar como se tudo dependesse de nós, e confiar como se tudo dependesse de Deus, porque, de fato, depende. De nada adianta o nosso trabalho se Deus não fizer cair o sol e a chuva sobre a terra. Trata-se de trabalhar sim, mas sem perder de vista que Deus é o doador de todos os bens. Importante é saber se utilizar dos bens sem se deixar escravizar por eles e sem colocar a nossa confiança mais nos bens do que em Deus mesmo.

O grande remédio para nos curar desta terrível doença nos é apresentado pelo próprio evangelho que acabamos de ouvir e pela primeira leitura. Cristo nos revela no Evangelho com a imagem das aves do céu e dos lírios do campo que o Pai de amor cuida de nós. Deus não nos criou e nos abandonou a própria sorte. Deus cuida de nós e vela sobre nós. Na primeira leitura o profeta Isaías nos revela que Deus é como uma mãe que não pode esquecer o filho que está no seu ventre. Deus é ainda maior e melhor que essa mãe, porque ainda que a mãe esquecesse do seu filho, Deus jamais se esqueceria de nós. Nós estamos para sempre gravados na memória de Deus.

Se Deus cuida de nós, porque nos inquietar pelo dia de amanhã? Devemos buscar o Reino de Deus e a sua justiça, conforme nos diz o evangelho (cf. Mt 6,33). Todas as outras coisas nos serão dadas por acréscimo. A cada dia basta o seu cuidado. Jesus quer nos alertar aqui sobre o perigo de vivermos sempre fora do momento presente. Muitas vezes perdemos a vida por causa disso. Vivemos sempre em função de um amanhã que não sabemos se chegará. Aqui estamos diante de uma outra tentação sutil. Não estamos proibidos de fazer planos ou de sonhar. Mas devemos cuidar para que o amanhã, que ainda virá e que ainda é projeto, não se torne mais real e concreto para nós do que o hoje que estamos vivendo, do que esse agora específico, que é o que há de verdadeiro, concreto e real nas nossas vidas.

Podemos concluir nossa reflexão olhando para o Salmo dessa liturgia da Palavra. O salmo de hoje retoma de maneira extraordinária esse desejo de Cristo, de que confiemos plenamente no Pai que cuida de nós. O salmo repete insistentemente: “Só em Deus a minha alma tem repouso, porque dele é que me vem a salvação! Só em Deus a minha alma tem repouso, porque dele é que me vem a esperança! A minha glória e salvação estão em Deus; o meu refúgio e rocha firme é o Senhor!” Só em Deus temos repouso. Nos cansamos nos nossos trabalhos; mas podemos repousar n’Ele. Nos fadigamos nas nossas expectativas; mas podemos esperar n’Ele. N’Ele está nosso repouso, nossa esperança e nossa salvação. Não coloquemos a nossa esperança, a nossa salvação e a nossa glória nos bens deste mundo. Eles passam, mas o Senhor permanece. Ele é nossa Salvação; n’Ele está nossa esperança e Ele é a nossa glória. Amém!



[1] Em grego, tal doença aparece com o nome de filargíria, literalmente “amor do/ao dinheiro”.

[2] Cf. Evágrio Pôntico, Tratado Prático, 9

[3] Cf. Evágrio Pôntico, Tratado Prático, 18

[4] Cf. São Máximo Confessor – Terceira Centúria sobre a caridade, 17

[5] Cf. São Máximo Confessor – Centúrias sobre a caridade

 

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida