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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 10/05/2024

10 de Maio de 2024

O Documento sobre a Família

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O Documento sobre a Família

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06/01/2017 13:48 - Atualizado em 06/01/2017 13:48

O Documento sobre a Família 0

06/01/2017 13:48 - Atualizado em 06/01/2017 13:48

Em nossa Arquidiocese, junto com o Ano Mariano Nacional (que comemora os 300 anos do encontro da imagem de N. Sra. Aparecida nas águas do Rio Paraíba), também vivenciamos o Ano da Família, com viés vocacional. Assim, Maria nos ajuda a aprofundarmos a Exortação Apostólica Amoris Laetitia (A Alegria do amor) publicada pelo Santo Padre, o Papa Francisco, no dia 8 de abril de 2016, como fruto dos Sínodos Extraordinário e Ordinário da Família, ocorridos, respectivamente, em 2014 e 2015.

Estamos em uma época em que as dúvidas tomam proporções midiáticas e tendem a despertar a atenção sobre algum aspecto particular desse Documento. Desde o começo, muitas perguntas foram levantadas a partir do capítulo VIII da Exortação. A pergunta seria sobre o acesso ou não à recepção da comunhão eucarística a casais divorciados e recasados.

Tive a oportunidade de apresentar, assim que foi lançada a Exortação, uma chave de leitura da mesma, e esse artigo foi amplamente divulgado. Ela reafirma, em continuidade com a moral católica, o valor do matrimônio de acordo com as Escrituras (Mc 10,1-12; Lc 16,18; Mt 19,1-9; 5,32; 1Cor 7,10s) e a Tradição, que traz muitos textos dos Padres da Igreja especialmente, valorizando a união natural e sacramental entre um homem e uma mulher até que a morte os separe.

Aliás, se houver impasse entre uma lei humana que permita a dissolução de um matrimônio verdadeiramente contraído e consumado e a Lei de Deus, é preciso obedecer a esta última. (Cf. Atos 5,29). Isso o afirma São João Crisóstomo: “Não apeles para as leis promulgadas pelos que estão fora... Naquele dia, Deus não te julgará por essas leis, mas por aquelas que Ele mesmo promulgou”. (Comentário sobre 1Cor 7,39s). A lei humana para ser acatada, em consciência, deve fazer eco à Lei natural moral.

O povo de Deus, de acordo com Rocco Buttiglione, professor na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, acolheu e seguiu o ensinamento papal da Exortação, pois é o ensinamento da Igreja. São suas palavras: “O sensus fidei [sentido da fé – nota minha] do povo cristão reconheceu-o imediatamente e seguiu-o”. Alguns grupos parecem desconcertados pelo fato de não ler nesse texto a confirmação das suas teorias, e tem “dificuldade para ouvir a novidade surpreendente da sua mensagem. O Evangelho é sempre novo e sempre antigo. Precisamente por isso, nunca é velho”. (Cfr. L’Osservatore Romano, 21/07/16, p. 8).

Existe no texto a diferenciação feita pelo Santo Padre, na linha de grandes teólogos, entre os aspectos objetivo e subjetivo de uma situação de pecado. É bom lembrar que para existir um pecado grave é preciso que a pessoa saiba o que faz, queira fazer e faça. No Catecismo da Igreja Católica, se lê: “Para que um pecado seja mortal, requerem-se, em simultâneo, três condições: ‘É pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de propósito deliberado’. (Reconciliatio et Penitentia n. 17)” (§ 1857).

Logo abaixo, porém, sem obscurecer o que acima está dito, entra o aspecto subjetivo da questão: “A ignorância involuntária pode diminuir, ou mesmo desculpar, a imputabilidade duma falta grave. Mas parte-se do princípio de que ninguém ignora os princípios da lei moral, inscritos na consciência de todo homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões podem também diminuir o caráter voluntário e livre da falta. O mesmo se diga de pressões externas e de perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave”. (§ 1860)

Fica claro, como bem colocou o Prof. Rodrigo Guerra Lopez, do CISA, de Querétaro, México, no L’Osservatore Romano, 28/07/16, p. 6/7, que “o reconhecimento objetivo da subjetividade não é subjetivismo”. Que significa isso? – Significa que há uma Verdade imutável no Deposito de Fé da Igreja e este é inalterável, portanto, algo objetivo. Desse modo, o adultério é e será sempre pecado. Todavia, o questionamento colocado é: será que todos os divorciados recasados estão (subjetivamente) em pecado mortal?

Ora, fazer essa pergunta não é cair na “moral de situação” nem no subjetivismo – dar a cada um a decisão de seus atos morais como se o ser humano fosse plenamente autônomo (dependesse só de si como fonte da moral) e não teônomo (ter Deus como referencial certo da moral) –, mas é, sim, entender o ser humano em sua realidade concreta. Existe o questionamento se se pode levar em conta apenas a lei fria e rigorista sem considerar a pessoa humana em si.

Continuando a reflexão do Prof. Rocco Buttiglione: na Exortação papal há “o clássico equilíbrio tomista que distingue entre o juízo sobre o fato do juízo sobre quem o realiza no qual devem ser avaliadas as circunstâncias atenuantes ou liberatórias”. (L’Osservatore Romano, 21/07/16, p. 8).

Portanto, o Documento exorta a buscar o Sacramento da Confissão e – como em todo estado de pecado –, a partir daí, sob a luz de Deus nas orientações do sacerdote fiel à doutrina da Igreja, ver qual caminho percorrer: deveria entrar com processo de nulidade (a Igreja declara nulo um casamento que, apesar das aparências, nunca existiu, mas não anula um matrimônio validamente contraído e consumado)? Deveria abster-se de comungar enquanto a situação não for clara quanto ao primeiro casamento? Poderia receber a absolvição sacramental e, por conseguinte, comungar? São, como propõe o Documento, casos e casos com agravantes e/ou atenuantes diversas a serem resolvidas no Tribunal da Misericórdia de Deus, que é o confessionário. Há aí, portanto, uma gradualidade pastoral, não, porém, doutrinal: o pecado é e sempre será pecado.

Por que, então, essa novidade na Amoris Laetitia? – Exatamente por que nem todos os que, hoje, contraem as núpcias têm, realmente, plena noção do que seja o Matrimônio. São pessoas que depois do Batismo tiveram uma formação de fé superficial (quando e se tiveram) – aliás, a catequese bem dada é uma necessidade urgente de nossos dias – e não conseguem, humanamente falando, ter consciência do ônus do que realmente assumiram diante de Deus e da Igreja. A eles, a Igreja, Mãe carinhosa, quer abrir e abre o caminho da acolhida e da misericórdia como fez o Pai misericordioso do Evangelho. (Lc 15,11-32)

Daí, a palavra do Prof. Rodrigo Guerra Lopez: “O Papa Francisco não muda a doutrina essencial da Igreja. Não o faz porque sabe bem que o depósito da fé não é uma invenção arbitrária que se pode transformar com ideias mais ou menos felizes”. (L’Osservatore Romano, 28/07/16, p. 6/7)

Desse modo, nestes tempos de tantas perguntas e tantas necessidades, estejamos unidos ao sucessor de Pedro, a quem o Senhor Jesus confiou o poder das chaves (cf. Mt 16,16-19), de confirmar a nós, os irmãos, na fé (cf. Lc 22,31-32) e de ser Pastor do rebanho, que é a Igreja (cf. Jo 21,15-17). Nisso eu creio, e porque creio estou sempre, como humilde colaborador, ao lado do Santo Padre na comunhão eclesial que nos une.

 

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06/01/2017 13:48 - Atualizado em 06/01/2017 13:48

Em nossa Arquidiocese, junto com o Ano Mariano Nacional (que comemora os 300 anos do encontro da imagem de N. Sra. Aparecida nas águas do Rio Paraíba), também vivenciamos o Ano da Família, com viés vocacional. Assim, Maria nos ajuda a aprofundarmos a Exortação Apostólica Amoris Laetitia (A Alegria do amor) publicada pelo Santo Padre, o Papa Francisco, no dia 8 de abril de 2016, como fruto dos Sínodos Extraordinário e Ordinário da Família, ocorridos, respectivamente, em 2014 e 2015.

Estamos em uma época em que as dúvidas tomam proporções midiáticas e tendem a despertar a atenção sobre algum aspecto particular desse Documento. Desde o começo, muitas perguntas foram levantadas a partir do capítulo VIII da Exortação. A pergunta seria sobre o acesso ou não à recepção da comunhão eucarística a casais divorciados e recasados.

Tive a oportunidade de apresentar, assim que foi lançada a Exortação, uma chave de leitura da mesma, e esse artigo foi amplamente divulgado. Ela reafirma, em continuidade com a moral católica, o valor do matrimônio de acordo com as Escrituras (Mc 10,1-12; Lc 16,18; Mt 19,1-9; 5,32; 1Cor 7,10s) e a Tradição, que traz muitos textos dos Padres da Igreja especialmente, valorizando a união natural e sacramental entre um homem e uma mulher até que a morte os separe.

Aliás, se houver impasse entre uma lei humana que permita a dissolução de um matrimônio verdadeiramente contraído e consumado e a Lei de Deus, é preciso obedecer a esta última. (Cf. Atos 5,29). Isso o afirma São João Crisóstomo: “Não apeles para as leis promulgadas pelos que estão fora... Naquele dia, Deus não te julgará por essas leis, mas por aquelas que Ele mesmo promulgou”. (Comentário sobre 1Cor 7,39s). A lei humana para ser acatada, em consciência, deve fazer eco à Lei natural moral.

O povo de Deus, de acordo com Rocco Buttiglione, professor na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, acolheu e seguiu o ensinamento papal da Exortação, pois é o ensinamento da Igreja. São suas palavras: “O sensus fidei [sentido da fé – nota minha] do povo cristão reconheceu-o imediatamente e seguiu-o”. Alguns grupos parecem desconcertados pelo fato de não ler nesse texto a confirmação das suas teorias, e tem “dificuldade para ouvir a novidade surpreendente da sua mensagem. O Evangelho é sempre novo e sempre antigo. Precisamente por isso, nunca é velho”. (Cfr. L’Osservatore Romano, 21/07/16, p. 8).

Existe no texto a diferenciação feita pelo Santo Padre, na linha de grandes teólogos, entre os aspectos objetivo e subjetivo de uma situação de pecado. É bom lembrar que para existir um pecado grave é preciso que a pessoa saiba o que faz, queira fazer e faça. No Catecismo da Igreja Católica, se lê: “Para que um pecado seja mortal, requerem-se, em simultâneo, três condições: ‘É pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de propósito deliberado’. (Reconciliatio et Penitentia n. 17)” (§ 1857).

Logo abaixo, porém, sem obscurecer o que acima está dito, entra o aspecto subjetivo da questão: “A ignorância involuntária pode diminuir, ou mesmo desculpar, a imputabilidade duma falta grave. Mas parte-se do princípio de que ninguém ignora os princípios da lei moral, inscritos na consciência de todo homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões podem também diminuir o caráter voluntário e livre da falta. O mesmo se diga de pressões externas e de perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave”. (§ 1860)

Fica claro, como bem colocou o Prof. Rodrigo Guerra Lopez, do CISA, de Querétaro, México, no L’Osservatore Romano, 28/07/16, p. 6/7, que “o reconhecimento objetivo da subjetividade não é subjetivismo”. Que significa isso? – Significa que há uma Verdade imutável no Deposito de Fé da Igreja e este é inalterável, portanto, algo objetivo. Desse modo, o adultério é e será sempre pecado. Todavia, o questionamento colocado é: será que todos os divorciados recasados estão (subjetivamente) em pecado mortal?

Ora, fazer essa pergunta não é cair na “moral de situação” nem no subjetivismo – dar a cada um a decisão de seus atos morais como se o ser humano fosse plenamente autônomo (dependesse só de si como fonte da moral) e não teônomo (ter Deus como referencial certo da moral) –, mas é, sim, entender o ser humano em sua realidade concreta. Existe o questionamento se se pode levar em conta apenas a lei fria e rigorista sem considerar a pessoa humana em si.

Continuando a reflexão do Prof. Rocco Buttiglione: na Exortação papal há “o clássico equilíbrio tomista que distingue entre o juízo sobre o fato do juízo sobre quem o realiza no qual devem ser avaliadas as circunstâncias atenuantes ou liberatórias”. (L’Osservatore Romano, 21/07/16, p. 8).

Portanto, o Documento exorta a buscar o Sacramento da Confissão e – como em todo estado de pecado –, a partir daí, sob a luz de Deus nas orientações do sacerdote fiel à doutrina da Igreja, ver qual caminho percorrer: deveria entrar com processo de nulidade (a Igreja declara nulo um casamento que, apesar das aparências, nunca existiu, mas não anula um matrimônio validamente contraído e consumado)? Deveria abster-se de comungar enquanto a situação não for clara quanto ao primeiro casamento? Poderia receber a absolvição sacramental e, por conseguinte, comungar? São, como propõe o Documento, casos e casos com agravantes e/ou atenuantes diversas a serem resolvidas no Tribunal da Misericórdia de Deus, que é o confessionário. Há aí, portanto, uma gradualidade pastoral, não, porém, doutrinal: o pecado é e sempre será pecado.

Por que, então, essa novidade na Amoris Laetitia? – Exatamente por que nem todos os que, hoje, contraem as núpcias têm, realmente, plena noção do que seja o Matrimônio. São pessoas que depois do Batismo tiveram uma formação de fé superficial (quando e se tiveram) – aliás, a catequese bem dada é uma necessidade urgente de nossos dias – e não conseguem, humanamente falando, ter consciência do ônus do que realmente assumiram diante de Deus e da Igreja. A eles, a Igreja, Mãe carinhosa, quer abrir e abre o caminho da acolhida e da misericórdia como fez o Pai misericordioso do Evangelho. (Lc 15,11-32)

Daí, a palavra do Prof. Rodrigo Guerra Lopez: “O Papa Francisco não muda a doutrina essencial da Igreja. Não o faz porque sabe bem que o depósito da fé não é uma invenção arbitrária que se pode transformar com ideias mais ou menos felizes”. (L’Osservatore Romano, 28/07/16, p. 6/7)

Desse modo, nestes tempos de tantas perguntas e tantas necessidades, estejamos unidos ao sucessor de Pedro, a quem o Senhor Jesus confiou o poder das chaves (cf. Mt 16,16-19), de confirmar a nós, os irmãos, na fé (cf. Lc 22,31-32) e de ser Pastor do rebanho, que é a Igreja (cf. Jo 21,15-17). Nisso eu creio, e porque creio estou sempre, como humilde colaborador, ao lado do Santo Padre na comunhão eclesial que nos une.

 

Cardeal Orani João Tempesta
Autor

Cardeal Orani João Tempesta

Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro