Arquidiocese do Rio de Janeiro

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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Permanecer firmes

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13/11/2016 14:08 - Atualizado em 13/11/2016 14:08

Permanecer firmes 0

13/11/2016 14:08 - Atualizado em 13/11/2016 14:08

“O Senhor virá julgar a terra inteira; com justiça julgará.” Sl 97

O Domingo cristão, no qual como filhos nos reunimos em torno da dupla mesa que o nosso Pai Celeste nos prepara, a mesa abundante da sua Palavra e a mesa do Corpo e Sangue do seu Unigênito, é símbolo daquele dia eterno e sem fim anunciado pelos profetas e que nós aguardamos na esperança.

Os cristãos, desde as origens, entenderam que o “dia do Senhor” anunciado pelos profetas será o dia glorioso da manifestação de Cristo, no qual seremos transfigurados e entraremos na posse da verdadeira vida.

Cada Domingo se tornou, então, para os cristãos, dia de fazer memória da Páscoa do Salvador, mistério que inclui em si não somente a sua morte e ressurreição, mas também a consumação da sua obra na Parusia.

Essa expectativa escatológica do domingo nos é recordada pelo Papa João Paulo II na sua Encíclica “Dies Domini” dada à Igreja no Solene Pentecostes de 1998. Nesta venerável Encíclica que versa sobre a santificação do Domingo, o Papa dedica um capítulo inteiro, o quinto capítulo, para falar justamente sobre o sentido escatológico do Domingo cristão. Esse capítulo é intitulado “Dies Dierum”, ou seja, “Dia dos Dias”.

O Domingo é o “Dia dos Dias”, é o dia “revelador do sentido do tempo” como afirma o Sumo Pontífice. Sim, o Domingo é revelador do sentido do tempo! E por quê? Porque o Domingo cristão nos recorda que nós não vivemos num tempo fechado em si mesmo, mas que vivemos numa expectativa crescente. Nós cristãos sabemos que o tempo caminha para a sua consumação. Cada Ano Litúrgico que nós celebramos não é meramente uma repetição de festas e solenidades. No círculo do ano litúrgico que nós celebramos nós fazemos memória da Páscoa do Senhor nos diversos tempos, solenidades, festas e memórias dos santos, na expectativa da sua segunda vinda. Cada novo ano litúrgico que se abre e se encerra é como um grande “Maranathá”, um sonoro “Vem, Senhor Jesus”, cantado pela Igreja-Esposa ao seu Celeste Esposo, ao qual ela deseja se unir.

Falamos do ano litúrgico porque estamos às portas de encerrá-lo. Hoje celebramos o 33º Domingo do Tempo Comum. No próximo domingo, com a Solenidade de Cristo Rei e a última semana deste Tempo Comum, encerraremos o nosso ciclo anual que será novamente aberto no Advento, este tempo de profunda expectativa pela vinda gloriosa do Messias.

Nas últimas semanas do Tempo Comum nos é revelado esse sentido escatológico do tempo, ou seja, que o tempo no qual celebramos a Páscoa do Senhor não é um tempo fechado em si mesmo, mas é um tempo aberto, à espera de consumação. Essa consumação que nós aguardamos chama-se Parusia, a Segunda Vinda de Cristo.

Sabemos que Ele veio uma primeira vez na pobreza da nossa humanidade a fim de realizar a nossa salvação. Essa salvação nós já a experimentamos pela fé nos sacramentos da Igreja, mas esperamos ansiosamente que ela seja levada à perfeição, naquele dia no qual o Senhor voltará como Ele mesmo prometeu aos seus apóstolos, e voltará glorioso, virá julgar a terra como diz o salmista.

No Salmo 97, que a liturgia hoje nos apresenta, a criação rejubila de alegria pela vinda gloriosa do Messias: o mar o “aplaude”; também as montanhas e os rios fazem o mesmo; a criação inteira exulta de alegria pela expectativa da vinda do Messias. Se a criação rejubila assim, qual também não deve ser a nossa alegria? Se os rios e as montanhas, se os seres irracionais e até mesmo inanimados, rejubilam assim pela volta do Filho do Homem, quanto mais nós que recebemos a “salvação” que Ele nos trouxe?

Ouvimos na primeira leitura do profeta Malaquias que no último dia o Senhor enviará o seu fogo que queimará a soberba e a impiedade, mas que para nós que tememos o Seu Nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas. Nós somos felizes porque o sol da justiça já nasceu para nós; nós já somos portadores da salvação que Ele trouxe para nós em suas asas. Todavia, essa alegria deve ser e, de fato, será levada à plenitude, porque agora nós vemos como em espelho, como diz São Paulo. Nós enxergamos essas realidades pela luz da fé. Mas, chegará o dia, dia glorioso, dia do qual esse domingo é prenúncio, o dia no qual nós veremos com os nossos próprios olhos a salvação que o Senhor nos trouxe e aí sim nós entenderemos tudo e todas as nossas perguntas serão respondidas.

Essa certeza da manifestação gloriosa de Cristo no final dos tempos também nos é garantida pela Sua própria palavra no evangelho que nós hoje ouvimos. Jesus está em Jerusalém, prestes à consumar sua vida oferecendo-se na cruz por nós. Ele está no Templo e acaba de ver a viúva que lança humildemente suas duas pequenas moedas no tesouro do Templo e vê que as pessoas estão admiradas com a grandiosidade e a beleza do Templo de Jerusalém. É um risco que também nós corremos. Aquele Templo era belo e devia mesmo ser belo, mas aquela beleza era sacramento das realidades futuras. Não era a beleza pela beleza. Também nós temos e devemos ter um Templo belo e digno; uma liturgia bela, elegante e digna; todavia, devemos nos lembrar que o nosso Templo e a nossa liturgia são sacramentos, ou seja, são sinais de realidades misteriosas e divinas. Nós nos vestimos com dignidade quando entramos no Templo, não para que as pessoas nos vejam, mas porque estamos na presença dos anjos e do próprio Senhor da Terra. Se não agirmos assim, correremos o risco de reverenciarmos a beleza pela beleza, de ficarmos na exterioridade das coisas e o nosso culto será vazio e Deus o desprezará.

Jesus se aproveita dessa ocasião para dizer uma palavra que deixa as pessoas atônitas: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficaram pedra sobre pedra. Tudo será destruído.” Para nós podem parecer palavras simples, mas Jesus estava falando do Templo de Jerusalém. O Templo era o motivo da glória da santa cidade; o Templo era exaltado com louvores nas Sagradas Escrituras como lugar de morada daquele que é o Santo; a beleza do Templo atraiu até mesmo reis e rainhas de terras longínquas. Mas, Jesus mostra que não ficará pedra sobre pedra, porque o Messias virá, e na cidade que Ele estabelecer não haverá templo como diz o Apocalipse, porque o Cordeiro estará no centro da cidade, Ele é o Templo, nós somos o Seu Templo. E Jesus se aproveita da pergunta das pessoas a respeito de quando o Templo será destruído para fazer o seu discurso escatológico.

As palavras de Jesus são bem genéricas e nós podemos ver que elas se realizam em todas as etapas da história da Igreja. Sempre se levantaram homens e mulheres em tempos de crise afirmando ser o Messias, ou exaltados que dizem que o Messias virá logo e que sabem disso por uma revelação que receberam. Mas, o próprio Cristo já nos previne destas coisas e nos diz que tudo isso vai acontecer: guerras, perseguições, falsos messias, falsas profecias apocalípticas, revoltas familiares, mas que nós não devemos nos abalar, pois tudo isso deve acontecer antes da sua volta. Nós não devemos temer, não devemos planejar defesas, não devemos nos preocupar com nada, porque não perderemos nem um só fio de cabelo da nossa cabeça. Devemos permanecer firmes, estáveis, porque é “permanecendo firmes” que ganharemos a vida.

A palavra utilizada no original grego do evangelho é hypomoné, formada pelo prefixo hypo que significa “estar por baixo” e pelo verbo meno que significa “permanecer”. Hypomoné significa então “estar por baixo” no sentido de sustentar algo, por isso ela é muitas vezes traduzida como “paciência”. O paciente é aquele que sustenta alguma coisa ou alguém, que está firme sob o seu jugo. Aqui a palavra hypomoné é traduzida por “permanecer firmes”, em outras traduções por “ser constantes”, porque somente aquele que é paciente, que sustenta com firmeza uma situação, pode realmente “permanecer”.

Cristo nos chama, a nós que esperamos a sua vinda gloriosa, à “permanência firme” a fim de “ganharmos a vida”. Os mártires dos primeiros séculos se apoiaram nesta Palavra e, considerando que a sua vida estava “escondida com Cristo em Deus” e que quando “Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então vós também com ele sereis manifestados em glória” (cf. Cl 3,1-4) como diz o apóstolo “permaneciam firmes” diante daqueles que deveriam martirizá-los por causa da sua profissão de fé no Senhor.

Quando cessou o martírio a “virgindade cristã” e a “permanência neste estado” passou a ser vista como uma substituição ao martírio por causa de Cristo e do seu Reino. É assim que nós vamos ver São Cipriano escrever na sua regra para as virgens, orientado-as à stabilitas, palavra latina que significa “permanência”, “estabilidade”.

Também os monges seguirão esse ideal da estabilidade. São Bento fala da estabilidade na sua Regra e diz aos seus monges: “Devemos, pois, constituir uma escola de serviço do Senhor. Nesta instituição esperamos nada estabelecer de áspero ou de pesado. Mas se aparecer alguma coisa um pouco mais rigorosa, ditada por motivo de equidade, para emenda dos vícios ou conservação da caridade, não fujas logo, tomado de pavor, do caminho da salvação, que nunca se abre senão por estreito início. Mas, com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração e com inenarrável doçura de amor corre-se no caminho dos mandamentos de Deus. De modo que não nos separando jamais do seu magistério e perseverando no mosteiro, sob a sua doutrina, até a morte, participemos, pela paciência, dos sofrimentos de Cristo a fim de também merecermos ser co-herdeiros de seu reino. Amém.” (cf. RB, prólogo, 45-50)

São Bento via a estabilidade, o permanecer firme no mosteiro até o fim da vida, como um remédio para o seu tempo. Bento vive num mundo em constante transformação. É a época das invasões bárbaras e a estabilidade do mundo parece cair. Cada mosteiro deve ser então esse espaço onde o monge, como uma árvore plantada à beira da torrente, pode crescer e dar frutos pela perseverança.

Não seria também a estabilidade um remédio para nós hoje? Também vivemos num mundo agitado e tomado por muitas e repentinas transformações. Nossa vida corrida e agitada, nosso ritmo frenético e o acúmulo de informações; a quantidade excessiva de diversões, faz com que sejamos pessoas dispersas, e na dispersão nada pode crescer, nada em nós pode amadurecer e não crescemos para Deus. Se não crescemos não permaneceremos firmes no Senhor e ficaremos caminhando para lá e para cá sem encontrar uma torrente onde possamos aprofundar nossas raízes.

Também os monges anteriores a São Bento falavam da importância da estabilidade e elogiavam a permanência na cela, mesmo quando a tentação de sair dela era para fazer algo “aparentemente bom”: “Alguém disse a Pai Arsênio: ‘Meus pensamentos me afligem, dizendo-me: Não podes jejuar nem trabalhar, visita ao menos os enfermos, pois também isso é caridade.’ O ancião, porém, que conhecia as sementes do demônio, lhe disse: ‘Vai e come, bebe e dorme e não trabalhes, simplesmente não abandones a tua cela!’ Pois ele sabia que o perseverar na cela conduz o monge para a sua reta ordem.”

Vejam que não se trata aqui de não amar os irmãos e de não fazer nada por eles, trata-se aqui de vencer a tentação de sair da cela simplesmente com a justificativa de que se precisa “fazer algo concreto” como se a permanência na cela não fosse, em si, algo concretíssimo e sumamente proveitoso ao monge, a raiz de toda e qualquer possível ação caritativa.

Vemos que estes santos monges estão fazendo nada mais do que seguir a palavra do evangelho que hoje ouvimos “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” Nós somos chamados à estabilidade, à permanência no Senhor. Não temos talvez um mosteiro e nem sejamos talvez chamados a isso. Não temos uma cela, talvez até mesmo compartilhemos o nosso quarto com alguém, mas eu sou o “mosteiro”, eu sou a “cela”. Cada um de nós é uma cela e precisamos, onde quer que estejamos, não nos deixar levar pela dispersão, mas sim permanecer em nós mesmos. Somente assim podemos nos conhecer e conhecer a Deus. Somente assim, entrando e permanecendo na cela do próprio coração é que podemos nos despojar das nossas falsas imagens de Deus e conhecermos a Deus como Ele é; somente assim podemos permitir que Deus nos ilumine a fim de que percebamos quem realmente somos n’Ele.

É duro permanecer em si mesmo. Quantas vezes não suportamos a nossa própria companhia e é por isso que cada vez se multiplicam as chances de diversão e também se multiplica a solidão vivida no meio da multidão, porque as pessoas, as diversões, não são capazes de preencher o lugar que Deus deve ocupar em nós e quando não sabemos permanecer em nós a companhia dos outros nunca nos satisfará.

Precisamos permanecer firmes, entrarmos na cela do nosso coração e aí descobrirmos a Deus. Esse é o chamado do Senhor para nós nessa liturgia. Muitas vezes iremos querer fugir; algumas vezes por causa do pecado, dizendo que não somos dignos; outras vezes iremos querer fugir da oração e desse encontro pessoal com Deus afirmando que precisamos fazer algo de concreto pelos outros. Mas, o amor só pode brotar em nós se permanecermos em nós mesmo. Aquele que não entra na cela do seu coração e não permanece nela não pode encontrar o amor, porque o amor está lá, dentro de nós, esperando para ser olhado e descoberto, esse amor nos será revelado pelo Espírito do Senhor que mora em nós como num Templo.

Sofremos também o risco de não perseverarmos na vida cristã com a desculpa de que não nos encaixamos, de que não rezamos o suficiente, de que somos pecadores, de que temos tentações e tentações! Precisamos permanecer firmes, ainda que como o monge do apoftegma não estejamos nem rezando, nem jejuando e nem realizando bem algum, precisamos permanecer firmes, no Senhor e na sua Igreja, porque essa é a condição para que venha em nosso auxílio o Divino Espírito, Mestre da vida interior, que nos conduzirá até Deus e fará as nossas raízes se aprofundarem na torrente de vida que é a Palavra de Deus comunicada a nós na Igreja e pela Igreja, a fim de produzirmos frutos para Deus.

É difícil permanecer firmes, mas se torna fácil se temos o olhar no prêmio que nos é oferecido: ganharemos a vida! Nós morremos, diz São Paulo, e a nossa vida está escondida com Cristo em Deus. Queremos permanecer firmes n’Ele a fim de ganharmos a vida, a fim de quando Cristo, nossa vida, se manifestar, nós também sejamos manifestados em glória. Tendo o olhar fixo nessa esperança, permaneçamos firmes no Senhor, e aguardemos a manifestação da sua justiça, porque Ele virá e realizará a Palavra que hoje cantamos: “O Senhor virá julgar a terra inteira; com justiça julgará.” (cf. Sl 97).

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13/11/2016 14:08 - Atualizado em 13/11/2016 14:08

“O Senhor virá julgar a terra inteira; com justiça julgará.” Sl 97

O Domingo cristão, no qual como filhos nos reunimos em torno da dupla mesa que o nosso Pai Celeste nos prepara, a mesa abundante da sua Palavra e a mesa do Corpo e Sangue do seu Unigênito, é símbolo daquele dia eterno e sem fim anunciado pelos profetas e que nós aguardamos na esperança.

Os cristãos, desde as origens, entenderam que o “dia do Senhor” anunciado pelos profetas será o dia glorioso da manifestação de Cristo, no qual seremos transfigurados e entraremos na posse da verdadeira vida.

Cada Domingo se tornou, então, para os cristãos, dia de fazer memória da Páscoa do Salvador, mistério que inclui em si não somente a sua morte e ressurreição, mas também a consumação da sua obra na Parusia.

Essa expectativa escatológica do domingo nos é recordada pelo Papa João Paulo II na sua Encíclica “Dies Domini” dada à Igreja no Solene Pentecostes de 1998. Nesta venerável Encíclica que versa sobre a santificação do Domingo, o Papa dedica um capítulo inteiro, o quinto capítulo, para falar justamente sobre o sentido escatológico do Domingo cristão. Esse capítulo é intitulado “Dies Dierum”, ou seja, “Dia dos Dias”.

O Domingo é o “Dia dos Dias”, é o dia “revelador do sentido do tempo” como afirma o Sumo Pontífice. Sim, o Domingo é revelador do sentido do tempo! E por quê? Porque o Domingo cristão nos recorda que nós não vivemos num tempo fechado em si mesmo, mas que vivemos numa expectativa crescente. Nós cristãos sabemos que o tempo caminha para a sua consumação. Cada Ano Litúrgico que nós celebramos não é meramente uma repetição de festas e solenidades. No círculo do ano litúrgico que nós celebramos nós fazemos memória da Páscoa do Senhor nos diversos tempos, solenidades, festas e memórias dos santos, na expectativa da sua segunda vinda. Cada novo ano litúrgico que se abre e se encerra é como um grande “Maranathá”, um sonoro “Vem, Senhor Jesus”, cantado pela Igreja-Esposa ao seu Celeste Esposo, ao qual ela deseja se unir.

Falamos do ano litúrgico porque estamos às portas de encerrá-lo. Hoje celebramos o 33º Domingo do Tempo Comum. No próximo domingo, com a Solenidade de Cristo Rei e a última semana deste Tempo Comum, encerraremos o nosso ciclo anual que será novamente aberto no Advento, este tempo de profunda expectativa pela vinda gloriosa do Messias.

Nas últimas semanas do Tempo Comum nos é revelado esse sentido escatológico do tempo, ou seja, que o tempo no qual celebramos a Páscoa do Senhor não é um tempo fechado em si mesmo, mas é um tempo aberto, à espera de consumação. Essa consumação que nós aguardamos chama-se Parusia, a Segunda Vinda de Cristo.

Sabemos que Ele veio uma primeira vez na pobreza da nossa humanidade a fim de realizar a nossa salvação. Essa salvação nós já a experimentamos pela fé nos sacramentos da Igreja, mas esperamos ansiosamente que ela seja levada à perfeição, naquele dia no qual o Senhor voltará como Ele mesmo prometeu aos seus apóstolos, e voltará glorioso, virá julgar a terra como diz o salmista.

No Salmo 97, que a liturgia hoje nos apresenta, a criação rejubila de alegria pela vinda gloriosa do Messias: o mar o “aplaude”; também as montanhas e os rios fazem o mesmo; a criação inteira exulta de alegria pela expectativa da vinda do Messias. Se a criação rejubila assim, qual também não deve ser a nossa alegria? Se os rios e as montanhas, se os seres irracionais e até mesmo inanimados, rejubilam assim pela volta do Filho do Homem, quanto mais nós que recebemos a “salvação” que Ele nos trouxe?

Ouvimos na primeira leitura do profeta Malaquias que no último dia o Senhor enviará o seu fogo que queimará a soberba e a impiedade, mas que para nós que tememos o Seu Nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas. Nós somos felizes porque o sol da justiça já nasceu para nós; nós já somos portadores da salvação que Ele trouxe para nós em suas asas. Todavia, essa alegria deve ser e, de fato, será levada à plenitude, porque agora nós vemos como em espelho, como diz São Paulo. Nós enxergamos essas realidades pela luz da fé. Mas, chegará o dia, dia glorioso, dia do qual esse domingo é prenúncio, o dia no qual nós veremos com os nossos próprios olhos a salvação que o Senhor nos trouxe e aí sim nós entenderemos tudo e todas as nossas perguntas serão respondidas.

Essa certeza da manifestação gloriosa de Cristo no final dos tempos também nos é garantida pela Sua própria palavra no evangelho que nós hoje ouvimos. Jesus está em Jerusalém, prestes à consumar sua vida oferecendo-se na cruz por nós. Ele está no Templo e acaba de ver a viúva que lança humildemente suas duas pequenas moedas no tesouro do Templo e vê que as pessoas estão admiradas com a grandiosidade e a beleza do Templo de Jerusalém. É um risco que também nós corremos. Aquele Templo era belo e devia mesmo ser belo, mas aquela beleza era sacramento das realidades futuras. Não era a beleza pela beleza. Também nós temos e devemos ter um Templo belo e digno; uma liturgia bela, elegante e digna; todavia, devemos nos lembrar que o nosso Templo e a nossa liturgia são sacramentos, ou seja, são sinais de realidades misteriosas e divinas. Nós nos vestimos com dignidade quando entramos no Templo, não para que as pessoas nos vejam, mas porque estamos na presença dos anjos e do próprio Senhor da Terra. Se não agirmos assim, correremos o risco de reverenciarmos a beleza pela beleza, de ficarmos na exterioridade das coisas e o nosso culto será vazio e Deus o desprezará.

Jesus se aproveita dessa ocasião para dizer uma palavra que deixa as pessoas atônitas: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficaram pedra sobre pedra. Tudo será destruído.” Para nós podem parecer palavras simples, mas Jesus estava falando do Templo de Jerusalém. O Templo era o motivo da glória da santa cidade; o Templo era exaltado com louvores nas Sagradas Escrituras como lugar de morada daquele que é o Santo; a beleza do Templo atraiu até mesmo reis e rainhas de terras longínquas. Mas, Jesus mostra que não ficará pedra sobre pedra, porque o Messias virá, e na cidade que Ele estabelecer não haverá templo como diz o Apocalipse, porque o Cordeiro estará no centro da cidade, Ele é o Templo, nós somos o Seu Templo. E Jesus se aproveita da pergunta das pessoas a respeito de quando o Templo será destruído para fazer o seu discurso escatológico.

As palavras de Jesus são bem genéricas e nós podemos ver que elas se realizam em todas as etapas da história da Igreja. Sempre se levantaram homens e mulheres em tempos de crise afirmando ser o Messias, ou exaltados que dizem que o Messias virá logo e que sabem disso por uma revelação que receberam. Mas, o próprio Cristo já nos previne destas coisas e nos diz que tudo isso vai acontecer: guerras, perseguições, falsos messias, falsas profecias apocalípticas, revoltas familiares, mas que nós não devemos nos abalar, pois tudo isso deve acontecer antes da sua volta. Nós não devemos temer, não devemos planejar defesas, não devemos nos preocupar com nada, porque não perderemos nem um só fio de cabelo da nossa cabeça. Devemos permanecer firmes, estáveis, porque é “permanecendo firmes” que ganharemos a vida.

A palavra utilizada no original grego do evangelho é hypomoné, formada pelo prefixo hypo que significa “estar por baixo” e pelo verbo meno que significa “permanecer”. Hypomoné significa então “estar por baixo” no sentido de sustentar algo, por isso ela é muitas vezes traduzida como “paciência”. O paciente é aquele que sustenta alguma coisa ou alguém, que está firme sob o seu jugo. Aqui a palavra hypomoné é traduzida por “permanecer firmes”, em outras traduções por “ser constantes”, porque somente aquele que é paciente, que sustenta com firmeza uma situação, pode realmente “permanecer”.

Cristo nos chama, a nós que esperamos a sua vinda gloriosa, à “permanência firme” a fim de “ganharmos a vida”. Os mártires dos primeiros séculos se apoiaram nesta Palavra e, considerando que a sua vida estava “escondida com Cristo em Deus” e que quando “Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então vós também com ele sereis manifestados em glória” (cf. Cl 3,1-4) como diz o apóstolo “permaneciam firmes” diante daqueles que deveriam martirizá-los por causa da sua profissão de fé no Senhor.

Quando cessou o martírio a “virgindade cristã” e a “permanência neste estado” passou a ser vista como uma substituição ao martírio por causa de Cristo e do seu Reino. É assim que nós vamos ver São Cipriano escrever na sua regra para as virgens, orientado-as à stabilitas, palavra latina que significa “permanência”, “estabilidade”.

Também os monges seguirão esse ideal da estabilidade. São Bento fala da estabilidade na sua Regra e diz aos seus monges: “Devemos, pois, constituir uma escola de serviço do Senhor. Nesta instituição esperamos nada estabelecer de áspero ou de pesado. Mas se aparecer alguma coisa um pouco mais rigorosa, ditada por motivo de equidade, para emenda dos vícios ou conservação da caridade, não fujas logo, tomado de pavor, do caminho da salvação, que nunca se abre senão por estreito início. Mas, com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração e com inenarrável doçura de amor corre-se no caminho dos mandamentos de Deus. De modo que não nos separando jamais do seu magistério e perseverando no mosteiro, sob a sua doutrina, até a morte, participemos, pela paciência, dos sofrimentos de Cristo a fim de também merecermos ser co-herdeiros de seu reino. Amém.” (cf. RB, prólogo, 45-50)

São Bento via a estabilidade, o permanecer firme no mosteiro até o fim da vida, como um remédio para o seu tempo. Bento vive num mundo em constante transformação. É a época das invasões bárbaras e a estabilidade do mundo parece cair. Cada mosteiro deve ser então esse espaço onde o monge, como uma árvore plantada à beira da torrente, pode crescer e dar frutos pela perseverança.

Não seria também a estabilidade um remédio para nós hoje? Também vivemos num mundo agitado e tomado por muitas e repentinas transformações. Nossa vida corrida e agitada, nosso ritmo frenético e o acúmulo de informações; a quantidade excessiva de diversões, faz com que sejamos pessoas dispersas, e na dispersão nada pode crescer, nada em nós pode amadurecer e não crescemos para Deus. Se não crescemos não permaneceremos firmes no Senhor e ficaremos caminhando para lá e para cá sem encontrar uma torrente onde possamos aprofundar nossas raízes.

Também os monges anteriores a São Bento falavam da importância da estabilidade e elogiavam a permanência na cela, mesmo quando a tentação de sair dela era para fazer algo “aparentemente bom”: “Alguém disse a Pai Arsênio: ‘Meus pensamentos me afligem, dizendo-me: Não podes jejuar nem trabalhar, visita ao menos os enfermos, pois também isso é caridade.’ O ancião, porém, que conhecia as sementes do demônio, lhe disse: ‘Vai e come, bebe e dorme e não trabalhes, simplesmente não abandones a tua cela!’ Pois ele sabia que o perseverar na cela conduz o monge para a sua reta ordem.”

Vejam que não se trata aqui de não amar os irmãos e de não fazer nada por eles, trata-se aqui de vencer a tentação de sair da cela simplesmente com a justificativa de que se precisa “fazer algo concreto” como se a permanência na cela não fosse, em si, algo concretíssimo e sumamente proveitoso ao monge, a raiz de toda e qualquer possível ação caritativa.

Vemos que estes santos monges estão fazendo nada mais do que seguir a palavra do evangelho que hoje ouvimos “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” Nós somos chamados à estabilidade, à permanência no Senhor. Não temos talvez um mosteiro e nem sejamos talvez chamados a isso. Não temos uma cela, talvez até mesmo compartilhemos o nosso quarto com alguém, mas eu sou o “mosteiro”, eu sou a “cela”. Cada um de nós é uma cela e precisamos, onde quer que estejamos, não nos deixar levar pela dispersão, mas sim permanecer em nós mesmos. Somente assim podemos nos conhecer e conhecer a Deus. Somente assim, entrando e permanecendo na cela do próprio coração é que podemos nos despojar das nossas falsas imagens de Deus e conhecermos a Deus como Ele é; somente assim podemos permitir que Deus nos ilumine a fim de que percebamos quem realmente somos n’Ele.

É duro permanecer em si mesmo. Quantas vezes não suportamos a nossa própria companhia e é por isso que cada vez se multiplicam as chances de diversão e também se multiplica a solidão vivida no meio da multidão, porque as pessoas, as diversões, não são capazes de preencher o lugar que Deus deve ocupar em nós e quando não sabemos permanecer em nós a companhia dos outros nunca nos satisfará.

Precisamos permanecer firmes, entrarmos na cela do nosso coração e aí descobrirmos a Deus. Esse é o chamado do Senhor para nós nessa liturgia. Muitas vezes iremos querer fugir; algumas vezes por causa do pecado, dizendo que não somos dignos; outras vezes iremos querer fugir da oração e desse encontro pessoal com Deus afirmando que precisamos fazer algo de concreto pelos outros. Mas, o amor só pode brotar em nós se permanecermos em nós mesmo. Aquele que não entra na cela do seu coração e não permanece nela não pode encontrar o amor, porque o amor está lá, dentro de nós, esperando para ser olhado e descoberto, esse amor nos será revelado pelo Espírito do Senhor que mora em nós como num Templo.

Sofremos também o risco de não perseverarmos na vida cristã com a desculpa de que não nos encaixamos, de que não rezamos o suficiente, de que somos pecadores, de que temos tentações e tentações! Precisamos permanecer firmes, ainda que como o monge do apoftegma não estejamos nem rezando, nem jejuando e nem realizando bem algum, precisamos permanecer firmes, no Senhor e na sua Igreja, porque essa é a condição para que venha em nosso auxílio o Divino Espírito, Mestre da vida interior, que nos conduzirá até Deus e fará as nossas raízes se aprofundarem na torrente de vida que é a Palavra de Deus comunicada a nós na Igreja e pela Igreja, a fim de produzirmos frutos para Deus.

É difícil permanecer firmes, mas se torna fácil se temos o olhar no prêmio que nos é oferecido: ganharemos a vida! Nós morremos, diz São Paulo, e a nossa vida está escondida com Cristo em Deus. Queremos permanecer firmes n’Ele a fim de ganharmos a vida, a fim de quando Cristo, nossa vida, se manifestar, nós também sejamos manifestados em glória. Tendo o olhar fixo nessa esperança, permaneçamos firmes no Senhor, e aguardemos a manifestação da sua justiça, porque Ele virá e realizará a Palavra que hoje cantamos: “O Senhor virá julgar a terra inteira; com justiça julgará.” (cf. Sl 97).

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida