Arquidiocese do Rio de Janeiro

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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Vai e faz a mesma coisa

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08/07/2016 11:31 - Atualizado em 08/07/2016 11:31

Vai e faz a mesma coisa 0

08/07/2016 11:31 - Atualizado em 08/07/2016 11:31

Neste domingo, dia do Senhor, a oração coleta afirma que Deus é aquela que “mostra a luz da verdade aos que erram para retomarem o bom caminho”. Deus nunca nos abandona à própria sorte. Mesmo quando seguimos por caminhos que só nos distanciam d’Ele, Ele, na sua infinita misericórdia, qual bom samaritano, nos toma de novo em seu colo, cuida de nós, e nos mostra a luz da verdade para que possamos retornar ao “caminho da vida”.

A primeira leitura de hoje é um convite a retornar ao bom caminho pela escuta da palavra de Deus. Neste trecho do livro do Deuteronômio aparece repetidamente o verbo shama’, “ouvir” (vv. 10, 12 e 13). Nos vv. 12 e 13 ele foi traduzido no lecionário como “ensinar”, porque no original hebraico está na forma que chamamos de hiphil, que é uma forma “causativa”. Seria como se traduzíssemos em português: “quem nos fará ouvir”.

Além do verbo “ouvir”, também se destaca no v.11 o verbo shûb, que significa “voltar”, e indica no Antigo Testamento muitas vezes o “voltar para Deus”, o “converter-se”.

Essa perícope começa, então, no v. 10, com o binômio “ouvir / converter-se”. O povo é convocado a “ouvir” e, não somente “ouvir”, mas também observar os mandamentos em vista de uma “conversão”, de um “voltar-se” para Deus com as profundezas do seu ser “todo o teu coração / toda a tua alma”.

Nos vv. 11-13 Moisés vai mostrar que o mandamento de Deus não é pesado demais e que não existe desculpa para não se pôr em prática a Palavra. Ela não está longe. A Palavra não está nos céus e nem do outro lado do mar. Onde está, então, a Palavra divina? Ela está “muito próxima”, ou como o lecionário traduz “bem ao teu alcance”. Está na boca e no coração e assim todos podem conhecê-la e colocá-la em prática.

Esse “ouve” com o qual se inicia a primeira leitura constitui um chamado para cada cristão que hoje “ouve” a Palavra de Deus na Igreja. Somos chamados à ouvi-la, pô-la em prática e, enfim, nos convertermos para o Senhor. Não é o Senhor que deve se acomodar às nossas vontades, desejos e inclinações. Somos nós que devemos aprender a submeter todo o nosso ser ao Senhor e a seguir, na vida, a sua Palavra.

Ela é a “Lei Perfeita” conforme canta o Salmo 18B, uma das opções de Salmo de Resposta para hoje. Se formos “humildes”, como diz o Salvo 68, também uma das opções de Salmo de Resposta para hoje, e “buscarmos a Deus”, o nosso coração reviverá, porque a Palavra de Deus é fonte de vida para nós.

Ela, a Palavra, o “Dabar divino”, está próxima de nós e nos é dada hoje no evangelho.

Ouvimos hoje na Igreja a parábola do bom samaritano. Um “Mestre da Lei” se aproxima de Jesus e o interroga: O que devo fazer de bom para receber, em herança, a vida eterna? Jesus responde com uma outra pergunta, interrogando ao mestre da Lei sobre a mesma Lei lhe diz. Ele prontamente responde, pois sendo uma mestre da Lei, era alguém claramente versado nas Escrituras: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo. Jesus reconhece que ele respondeu bem e, por isso, assevera: Faze isto e viverás! Contudo, o mestre da Lei quer agora saber quem é o seu próximo. Essa é a pergunta que motiva a parábola.

A parábola costuma ser lida em dois níveis. A primeira leitura é a que a compreende em seu sentido literal, ou seja, como a resposta de Jesus para a pergunta do mestre da Lei. Com essa imagem do homem que cai nas mãos do assaltante e que é socorrido justamente por um samaritano, povo que não era bem quisto pelos judeus por motivos históricos, Jesus quer mostrar ao mestre da Lei que o nosso próximo é qualquer um; nosso próximo é toda pessoa que o Senhor colocar em nosso caminho e não somente os irmãos na fé ou aqueles por quem nutrimos afeição ou com os quais temos vínculos de sangue. O sacerdote e o levita da parábola, homens piedosos, são uma imagem daqueles que não compreendem essa mensagem de Jesus. Eles passam ao largo, sem se comprometer. O samaritano, todavia, homem de fé duvidosa, pelo menos do ponto de vista de um judeu, sente “compaixão” e se aproxima do homem ferido. E não somente cuida dele, como colocando-o em seu próprio animal de montaria o conduz até uma estalagem onde possam continuar os cuidados. Ele ainda se compromete a pagar tudo o mais que for necessário, até que o homem seja encontrado, outra vez, com saúde.

Um termo importante a se destacar é o termo usado por Lucas nesta parábola para falar da “compaixão” sentida pelo samaritano com relação ao homem caído nas mãos dos assaltantes. Lucas utiliza um verbo raro que, no seu evangelho, só aparece aqui e em 7,13 (a ressurreição da viúva de Naim) e 15,20 (o pai da parábola). Na ressurreição do filho da viúva Jesus é o sujeito desse verbo. É ele quem sente essa “compaixão”. Aqui na parábola de hoje é o samaritano quem a sente; em Lc 15,20, por sua vez, o sujeito da compaixão é o Pai. Jesus tem compaixão da viúva; o samaritano, do homem caído e machucado; e o Pai tem compaixão do filho perdido que agora foi reencontrado.

Esse verbo grego, o verbo splanknidzomai (σπλαγχνίζομαι) tem a ver com as vísceras. Ele indica uma compaixão visceral, algo que vem do mais profundo do ser de alguém. Foi assim com Jesus diante da morte do filho único da viúva de Naim; foi assim com o Pai da parábola que saiu ao encontro do filho e se lançou ao seu pescoço; foi assim com o samaritano que cuidou de modo sublime deste desconhecido.

A ordem de Jesus no final do evangelho ecoa em nossos ouvidos: Vai e faze a mesma coisa. Vemos que a palavra não está longe de nós. Ninguém mais pode se justificar de não saber o que fazer para alcançar a vida eterna. O caminho já nos foi apontado pelo Cristo: o amor a Deus e ao próximo; e esse próximo é todo aquele que o Senhor colocar em nosso caminho.

Dizíamos acima que existe um outro nível de leitura da parábola. Trata-se do sentido alegórico, muito presente nos Padres da Igreja e, também, na iconografia cristã. Em sentido alegórico se compreende esta parábola como um resumo da história da salvação. Encontramos um exemplo disso no período medieval. No famoso vitral do Bom Samaritano da Catedral de Saint-Ètienne da Arquidiocese de Sens, na França, catedral esta construída entre os séculos XII e XVI, a parábola aparece dividida em três partes. O viajante despojado aparece numa parte do vitral que mostra a criação e a queda, numa clara associação deste primeiro momento da parábola como uma alegoria do homem caído por causa do pecado; a segunda parte da parábola que fala sobre o levita e o sacerdote que passaram sem fazer nada, está cercada por imagens referentes à aliança no Sinai e ao dom da Lei, como que querendo ilustrar que ainda não estava ali a redenção do homem caído; a terceira parte do vitral, no entanto, apresenta o viajante machucado sobre a montaria do samaritano e este se achegando à hospedaria onde deveria deixar o homem ferido até que ele voltasse para encontra-lo restabelecido. No entorno dessa imagem, encontramos outras menores mostrando a redenção de Cristo – sua paixão e ressurreição. O autor do vitral percebe neste encerramento da parábola uma imagem alegórica da própria redenção, onde o Cristo, qual bom samaritano da humanidade, cuida do homem e toma sobre si toda a responsabilidade com relação ao seu restabelecimento: “Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais” (cf. Lc 10,35).

Este vitral ilustra bem o sentido alegórico da parábola que nos mostra como o Cristo se fez o “bom samaritano” da humanidade, vindo ao encontro do homem caído no pecado a fim de lhe dar os remédios que podem trazê-lo de volta à vida.

Estes “remédios” estão à nossa disposição, na grande casa que é a Igreja. Ali o Senhor cuida de nós com seus próprios recursos: a Palavra e os Sacramentos. E assim será o dia em que Ele voltar: seja para nos buscar individualmente, seja por ocasião da sua parusia, quando Ele elevar às alturas celestes a Igreja, sua esposa.

Possamos nós, que somos eternamente cuidados pelo “Bom Samaritano”, tornamo-nos, também, na vida dos irmãos, verdadeiros “bons samaritanos”, que vivem o amor a Deus e aos irmãos de modo concreto, fazendo da sua vida um constante gesto de doação.


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08/07/2016 11:31 - Atualizado em 08/07/2016 11:31

Neste domingo, dia do Senhor, a oração coleta afirma que Deus é aquela que “mostra a luz da verdade aos que erram para retomarem o bom caminho”. Deus nunca nos abandona à própria sorte. Mesmo quando seguimos por caminhos que só nos distanciam d’Ele, Ele, na sua infinita misericórdia, qual bom samaritano, nos toma de novo em seu colo, cuida de nós, e nos mostra a luz da verdade para que possamos retornar ao “caminho da vida”.

A primeira leitura de hoje é um convite a retornar ao bom caminho pela escuta da palavra de Deus. Neste trecho do livro do Deuteronômio aparece repetidamente o verbo shama’, “ouvir” (vv. 10, 12 e 13). Nos vv. 12 e 13 ele foi traduzido no lecionário como “ensinar”, porque no original hebraico está na forma que chamamos de hiphil, que é uma forma “causativa”. Seria como se traduzíssemos em português: “quem nos fará ouvir”.

Além do verbo “ouvir”, também se destaca no v.11 o verbo shûb, que significa “voltar”, e indica no Antigo Testamento muitas vezes o “voltar para Deus”, o “converter-se”.

Essa perícope começa, então, no v. 10, com o binômio “ouvir / converter-se”. O povo é convocado a “ouvir” e, não somente “ouvir”, mas também observar os mandamentos em vista de uma “conversão”, de um “voltar-se” para Deus com as profundezas do seu ser “todo o teu coração / toda a tua alma”.

Nos vv. 11-13 Moisés vai mostrar que o mandamento de Deus não é pesado demais e que não existe desculpa para não se pôr em prática a Palavra. Ela não está longe. A Palavra não está nos céus e nem do outro lado do mar. Onde está, então, a Palavra divina? Ela está “muito próxima”, ou como o lecionário traduz “bem ao teu alcance”. Está na boca e no coração e assim todos podem conhecê-la e colocá-la em prática.

Esse “ouve” com o qual se inicia a primeira leitura constitui um chamado para cada cristão que hoje “ouve” a Palavra de Deus na Igreja. Somos chamados à ouvi-la, pô-la em prática e, enfim, nos convertermos para o Senhor. Não é o Senhor que deve se acomodar às nossas vontades, desejos e inclinações. Somos nós que devemos aprender a submeter todo o nosso ser ao Senhor e a seguir, na vida, a sua Palavra.

Ela é a “Lei Perfeita” conforme canta o Salmo 18B, uma das opções de Salmo de Resposta para hoje. Se formos “humildes”, como diz o Salvo 68, também uma das opções de Salmo de Resposta para hoje, e “buscarmos a Deus”, o nosso coração reviverá, porque a Palavra de Deus é fonte de vida para nós.

Ela, a Palavra, o “Dabar divino”, está próxima de nós e nos é dada hoje no evangelho.

Ouvimos hoje na Igreja a parábola do bom samaritano. Um “Mestre da Lei” se aproxima de Jesus e o interroga: O que devo fazer de bom para receber, em herança, a vida eterna? Jesus responde com uma outra pergunta, interrogando ao mestre da Lei sobre a mesma Lei lhe diz. Ele prontamente responde, pois sendo uma mestre da Lei, era alguém claramente versado nas Escrituras: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo. Jesus reconhece que ele respondeu bem e, por isso, assevera: Faze isto e viverás! Contudo, o mestre da Lei quer agora saber quem é o seu próximo. Essa é a pergunta que motiva a parábola.

A parábola costuma ser lida em dois níveis. A primeira leitura é a que a compreende em seu sentido literal, ou seja, como a resposta de Jesus para a pergunta do mestre da Lei. Com essa imagem do homem que cai nas mãos do assaltante e que é socorrido justamente por um samaritano, povo que não era bem quisto pelos judeus por motivos históricos, Jesus quer mostrar ao mestre da Lei que o nosso próximo é qualquer um; nosso próximo é toda pessoa que o Senhor colocar em nosso caminho e não somente os irmãos na fé ou aqueles por quem nutrimos afeição ou com os quais temos vínculos de sangue. O sacerdote e o levita da parábola, homens piedosos, são uma imagem daqueles que não compreendem essa mensagem de Jesus. Eles passam ao largo, sem se comprometer. O samaritano, todavia, homem de fé duvidosa, pelo menos do ponto de vista de um judeu, sente “compaixão” e se aproxima do homem ferido. E não somente cuida dele, como colocando-o em seu próprio animal de montaria o conduz até uma estalagem onde possam continuar os cuidados. Ele ainda se compromete a pagar tudo o mais que for necessário, até que o homem seja encontrado, outra vez, com saúde.

Um termo importante a se destacar é o termo usado por Lucas nesta parábola para falar da “compaixão” sentida pelo samaritano com relação ao homem caído nas mãos dos assaltantes. Lucas utiliza um verbo raro que, no seu evangelho, só aparece aqui e em 7,13 (a ressurreição da viúva de Naim) e 15,20 (o pai da parábola). Na ressurreição do filho da viúva Jesus é o sujeito desse verbo. É ele quem sente essa “compaixão”. Aqui na parábola de hoje é o samaritano quem a sente; em Lc 15,20, por sua vez, o sujeito da compaixão é o Pai. Jesus tem compaixão da viúva; o samaritano, do homem caído e machucado; e o Pai tem compaixão do filho perdido que agora foi reencontrado.

Esse verbo grego, o verbo splanknidzomai (σπλαγχνίζομαι) tem a ver com as vísceras. Ele indica uma compaixão visceral, algo que vem do mais profundo do ser de alguém. Foi assim com Jesus diante da morte do filho único da viúva de Naim; foi assim com o Pai da parábola que saiu ao encontro do filho e se lançou ao seu pescoço; foi assim com o samaritano que cuidou de modo sublime deste desconhecido.

A ordem de Jesus no final do evangelho ecoa em nossos ouvidos: Vai e faze a mesma coisa. Vemos que a palavra não está longe de nós. Ninguém mais pode se justificar de não saber o que fazer para alcançar a vida eterna. O caminho já nos foi apontado pelo Cristo: o amor a Deus e ao próximo; e esse próximo é todo aquele que o Senhor colocar em nosso caminho.

Dizíamos acima que existe um outro nível de leitura da parábola. Trata-se do sentido alegórico, muito presente nos Padres da Igreja e, também, na iconografia cristã. Em sentido alegórico se compreende esta parábola como um resumo da história da salvação. Encontramos um exemplo disso no período medieval. No famoso vitral do Bom Samaritano da Catedral de Saint-Ètienne da Arquidiocese de Sens, na França, catedral esta construída entre os séculos XII e XVI, a parábola aparece dividida em três partes. O viajante despojado aparece numa parte do vitral que mostra a criação e a queda, numa clara associação deste primeiro momento da parábola como uma alegoria do homem caído por causa do pecado; a segunda parte da parábola que fala sobre o levita e o sacerdote que passaram sem fazer nada, está cercada por imagens referentes à aliança no Sinai e ao dom da Lei, como que querendo ilustrar que ainda não estava ali a redenção do homem caído; a terceira parte do vitral, no entanto, apresenta o viajante machucado sobre a montaria do samaritano e este se achegando à hospedaria onde deveria deixar o homem ferido até que ele voltasse para encontra-lo restabelecido. No entorno dessa imagem, encontramos outras menores mostrando a redenção de Cristo – sua paixão e ressurreição. O autor do vitral percebe neste encerramento da parábola uma imagem alegórica da própria redenção, onde o Cristo, qual bom samaritano da humanidade, cuida do homem e toma sobre si toda a responsabilidade com relação ao seu restabelecimento: “Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais” (cf. Lc 10,35).

Este vitral ilustra bem o sentido alegórico da parábola que nos mostra como o Cristo se fez o “bom samaritano” da humanidade, vindo ao encontro do homem caído no pecado a fim de lhe dar os remédios que podem trazê-lo de volta à vida.

Estes “remédios” estão à nossa disposição, na grande casa que é a Igreja. Ali o Senhor cuida de nós com seus próprios recursos: a Palavra e os Sacramentos. E assim será o dia em que Ele voltar: seja para nos buscar individualmente, seja por ocasião da sua parusia, quando Ele elevar às alturas celestes a Igreja, sua esposa.

Possamos nós, que somos eternamente cuidados pelo “Bom Samaritano”, tornamo-nos, também, na vida dos irmãos, verdadeiros “bons samaritanos”, que vivem o amor a Deus e aos irmãos de modo concreto, fazendo da sua vida um constante gesto de doação.


Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida