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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 26/04/2024

26 de Abril de 2024

Vestir os nus

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06/06/2016 18:40 - Atualizado em 06/06/2016 18:40

Vestir os nus 0

06/06/2016 18:40 - Atualizado em 06/06/2016 18:40

Vestir os nus / Arqrio

A celebração do Ano Santo convida a todos os homens ao exercício efetivo da caridade. Neste sentido, o Papa Francisco indicou as obras de misericórdia corporais e espirituais como caminho privilegiado para a reflexão e a atuação dos cristãos diante dos sofrimentos do mundo. Através delas, podemos penetrar no coração do Evangelho e despertar nossa consciência do sono da indiferença, da omissão e do egoísmo (cf. MV 15). Neste mês de junho, a Igreja do Rio de Janeiro escolheu meditar sobre a quarta obra corporal: “vestir os nus”.

A nudez na Primeira Aliança

O tema da nudez se encontra na narrativa da criação do ser humano. Antes do pecado, Adão e Eva não tinham vergonha do que eram porque se reconheciam como um dom divino em sua corporeidade e sabiam visualizar a beleza da criação (cf. Gn 2,25). O casal primitivo, após comer o fruto proibido, percebendo-se despido, teceu roupas para si (cf. Gn 3,7). Na verdade, o texto mostra, mais à frente, que a percepção de estar nu relaciona-se com o sentimento de medo diante da presença de Deus (cf. Gn 3,10). Todavia, o Criador reveste os dois com as túnicas de pele, a fim de que conheçam a compaixão divina (cf. Gn 3,21). A ideia da nudez continua se desenvolvendo na Bíblia, ligada à condição dos pecadores, penitentes, tristes, castigados, escravos, prisioneiros e doentes (cf. Gn 9,20-24; 37,23; Jó 1,28; Is 20,4; 47,3; Jl 2,12-13). Ao lado dessa concepção negativa, vai surgindo uma outra de misericórdia em relação aos despidos: “Dá as tuas roupas aqueles que estão nus” (Tb 4,16; Is 58,7; Ez 18,16).

A roupa branca de Cristo

A nudez do Senhor, já presente no Mistério da Encarnação (cf. Fl 2,6-7), se acentua em grau máximo no Mistério da Cruz: primeiro, no escárnio dos algozes – “Em seguida, vestiram-no de púrpura e tecendo uma coroa de espinhos, lha impuseram” (Mc 15,17) – depois, desnudando-o de suas roupas – “Então o crucificaram. E repartiram suas vestes, lançando sorte sobre elas, para saber com que cada um ficaria” (Mc 15,24) – e, por fim, com a situação radical da morte – “informado pelo centurião, cedeu o cadáver a José, o qual, tendo comprado um lençol, desceu-o, enrolou-o no lençol e o pôs num túmulo que fora talhado na rocha”(Mc 15,44-45). Embora, tenha vivenciado a força mortal das consequências do pecado dos homens, o Cristo saiu vitorioso com a sua ressurreição e passou a trajar aquela indumentária branca, a qual nenhuma lavadeira da terra poderia alvejar: “Alguém semelhante a um Filho de Homem, vestido com uma túnica longa e cingido à altura do peito com um cinto de ouro” (Ap 1,13).

Estive nu

Os evangelhos abrem uma perspectiva ética muito profunda em relação ao tema da nudez. Jesus associa o perdão com a imagem do vestir – “Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandália nos pés” (Lc 15,22), pediu que seus discípulos evitassem os trajes da soberba e da prepotência – “Guardai-vos dos escribas que gostam de circular com togas” (Mc 12,41), ordenou a dar a túnica aqueles que dela precisam – “a quem te arrebatar o manto, não recuses a túnica” (Lc 6,28) e, por fim, de forma muito radical se identificou com aqueles que estão desnudos: “Estive nu e me vestistes” (Mt 25,36). Desta forma, temos não só a utilização das ações despir-vestir para indicar as realidades espirituais, mas também como o olhar atento às necessidades matérias das pessoas.

Vestir-se de Cristo e vestir os irmãos

Em sua atuação pastoral, ao longo desses vinte séculos, a Igreja procura entrajar seja os necessitados da túnica espiritual, seja, ainda, os da roupa material. Na multiforme ação do Espírito Santo, os fiéis foram aprofundando o significado do preceito de “cobrir os despidos”. Num contexto batismal, São Paulo, por exemplo, fala de se revestir de Cristo, isto é, de trocar as vestimentas do pecado pelas da santidade – “revesti-vos do homem novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4,24 e, ainda, Rm 13,14; 2Cor 5,4; Gl 3,27; Cl 3,10) – e São João, aprofundando o tema, revela a condição dos cristãos santos e martirizados – “Estes são os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestes e alvejaram-nas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14; 19,8; 22,14).

Toda esta visão sobre o vestir como comunhão de vida com Jesus levou os cristãos à vivência da obra de misericórdia. As condições básicas para o desenvolvimento da vida humana reclamam, minimamente, a alimentação, a moradia e a vestimenta.  Assim, os santos nos testemunham várias ações em prol daqueles que estão descobertos materialmente. Não é difícil encontrar, na obra hagiográfica, os que se desnudaram para ofertar sua roupa aos que passavam frio. São Martinho de Tours entregou a sua capa a um homem que tremia de frio na porta da cidade. Na noite seguinte, o Senhor Jesus apareceu-lhe vestindo a mesma peça doada. Tal episódio, ocorrido no inverno de 337, ilustra bem a grandeza dos santos e a confirmação do serviço ao Cristo nos necessitados.

Reprodução: Bartolomé Esteban Murillo

 

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Vestir os nus / Arqrio

Vestir os nus

06/06/2016 18:40 - Atualizado em 06/06/2016 18:40

A celebração do Ano Santo convida a todos os homens ao exercício efetivo da caridade. Neste sentido, o Papa Francisco indicou as obras de misericórdia corporais e espirituais como caminho privilegiado para a reflexão e a atuação dos cristãos diante dos sofrimentos do mundo. Através delas, podemos penetrar no coração do Evangelho e despertar nossa consciência do sono da indiferença, da omissão e do egoísmo (cf. MV 15). Neste mês de junho, a Igreja do Rio de Janeiro escolheu meditar sobre a quarta obra corporal: “vestir os nus”.

A nudez na Primeira Aliança

O tema da nudez se encontra na narrativa da criação do ser humano. Antes do pecado, Adão e Eva não tinham vergonha do que eram porque se reconheciam como um dom divino em sua corporeidade e sabiam visualizar a beleza da criação (cf. Gn 2,25). O casal primitivo, após comer o fruto proibido, percebendo-se despido, teceu roupas para si (cf. Gn 3,7). Na verdade, o texto mostra, mais à frente, que a percepção de estar nu relaciona-se com o sentimento de medo diante da presença de Deus (cf. Gn 3,10). Todavia, o Criador reveste os dois com as túnicas de pele, a fim de que conheçam a compaixão divina (cf. Gn 3,21). A ideia da nudez continua se desenvolvendo na Bíblia, ligada à condição dos pecadores, penitentes, tristes, castigados, escravos, prisioneiros e doentes (cf. Gn 9,20-24; 37,23; Jó 1,28; Is 20,4; 47,3; Jl 2,12-13). Ao lado dessa concepção negativa, vai surgindo uma outra de misericórdia em relação aos despidos: “Dá as tuas roupas aqueles que estão nus” (Tb 4,16; Is 58,7; Ez 18,16).

A roupa branca de Cristo

A nudez do Senhor, já presente no Mistério da Encarnação (cf. Fl 2,6-7), se acentua em grau máximo no Mistério da Cruz: primeiro, no escárnio dos algozes – “Em seguida, vestiram-no de púrpura e tecendo uma coroa de espinhos, lha impuseram” (Mc 15,17) – depois, desnudando-o de suas roupas – “Então o crucificaram. E repartiram suas vestes, lançando sorte sobre elas, para saber com que cada um ficaria” (Mc 15,24) – e, por fim, com a situação radical da morte – “informado pelo centurião, cedeu o cadáver a José, o qual, tendo comprado um lençol, desceu-o, enrolou-o no lençol e o pôs num túmulo que fora talhado na rocha”(Mc 15,44-45). Embora, tenha vivenciado a força mortal das consequências do pecado dos homens, o Cristo saiu vitorioso com a sua ressurreição e passou a trajar aquela indumentária branca, a qual nenhuma lavadeira da terra poderia alvejar: “Alguém semelhante a um Filho de Homem, vestido com uma túnica longa e cingido à altura do peito com um cinto de ouro” (Ap 1,13).

Estive nu

Os evangelhos abrem uma perspectiva ética muito profunda em relação ao tema da nudez. Jesus associa o perdão com a imagem do vestir – “Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandália nos pés” (Lc 15,22), pediu que seus discípulos evitassem os trajes da soberba e da prepotência – “Guardai-vos dos escribas que gostam de circular com togas” (Mc 12,41), ordenou a dar a túnica aqueles que dela precisam – “a quem te arrebatar o manto, não recuses a túnica” (Lc 6,28) e, por fim, de forma muito radical se identificou com aqueles que estão desnudos: “Estive nu e me vestistes” (Mt 25,36). Desta forma, temos não só a utilização das ações despir-vestir para indicar as realidades espirituais, mas também como o olhar atento às necessidades matérias das pessoas.

Vestir-se de Cristo e vestir os irmãos

Em sua atuação pastoral, ao longo desses vinte séculos, a Igreja procura entrajar seja os necessitados da túnica espiritual, seja, ainda, os da roupa material. Na multiforme ação do Espírito Santo, os fiéis foram aprofundando o significado do preceito de “cobrir os despidos”. Num contexto batismal, São Paulo, por exemplo, fala de se revestir de Cristo, isto é, de trocar as vestimentas do pecado pelas da santidade – “revesti-vos do homem novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4,24 e, ainda, Rm 13,14; 2Cor 5,4; Gl 3,27; Cl 3,10) – e São João, aprofundando o tema, revela a condição dos cristãos santos e martirizados – “Estes são os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestes e alvejaram-nas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14; 19,8; 22,14).

Toda esta visão sobre o vestir como comunhão de vida com Jesus levou os cristãos à vivência da obra de misericórdia. As condições básicas para o desenvolvimento da vida humana reclamam, minimamente, a alimentação, a moradia e a vestimenta.  Assim, os santos nos testemunham várias ações em prol daqueles que estão descobertos materialmente. Não é difícil encontrar, na obra hagiográfica, os que se desnudaram para ofertar sua roupa aos que passavam frio. São Martinho de Tours entregou a sua capa a um homem que tremia de frio na porta da cidade. Na noite seguinte, o Senhor Jesus apareceu-lhe vestindo a mesma peça doada. Tal episódio, ocorrido no inverno de 337, ilustra bem a grandeza dos santos e a confirmação do serviço ao Cristo nos necessitados.

Reprodução: Bartolomé Esteban Murillo

 

Padre Vitor Gino Finelon
Autor

Padre Vitor Gino Finelon

Professor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida