Arquidiocese do Rio de Janeiro

29º 22º

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 19/05/2024

19 de Maio de 2024

Reflexão: Dia da Santificação do Clero

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19 de Maio de 2024

Reflexão: Dia da Santificação do Clero

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03/06/2016 16:01 - Atualizado em 03/06/2016 16:04

Reflexão: Dia da Santificação do Clero 0

03/06/2016 16:01 - Atualizado em 03/06/2016 16:04

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

Dia da santificação do clero (02/06/2016)

 

Pe. Leonardo Agostini

 

Vede: como é bom, como é agradável,

que os irmãos habitem juntos.

2É como óleo fino sobre a cabeça,

que escorre pela barba, a barba de Aarão,

que escorre sobre o colarinho de suas vestes.

3É como o orvalho do Hermon,

que escorre sobre os montes de Sião;

porque daí o Senhor manda a bênção,

a vida para sempre.

 

Irmãos, o Salmo 133 traz para nós uma provocação: Estamos diante de uma real constatação ou de uma sentença sapiencial utópica?

Em parte, a resposta depende da fé que professamos e, em parte, da firme disposição pela forma como o rezamos. Eu creio, pessoalmente, que por detrás desse Salmo está uma simples situação cotidiana: a vida familiar, acompanhada de afetos, amizade e amor, mas também com os seus altos e baixos. Por certo, não se deve negar as tensões, as discórdias e as dificuldades que podem surgir em família.

Contudo, mais certo ainda é perceber que este Salmo proclama a fraternidade como algo bom e agradável: que os irmãos habitem juntos. Hoje, aqui e agora, em particular, para a nossa família sacerdotal, este Salmo é um convite do nosso Deus e Pai de família, rico em misericórdia, que nos manda a sua bênção: nosso irmão Jesus Cristo, doador da vida abundante e eterna, que nos anima a viver inflamados de amor em seu Sagrado Coração.

Quando meditamos sobre a vida de Nosso Senhor com seus discípulos, encontramos a chave de leitura para esse Salmo. Não é difícil para nós percebermos que Jesus Cristo, nosso Sumo e Eterno Sacerdote, chamou os seus discípulos para uma experiência inédita: a descoberta da fraternidade sacerdotal pela plena convivência com Ele, o ungido do Pai por excelência no Espírito Santo. Nessa dinâmica, o Espírito Santo é o óleo derramado, o verdadeiro cosmético que embeleza, suaviza e refresca a nossa vida, é o balsamo eficaz que cicatriza todas as nossas feridas e é o orvalho que umedece e fecunda a nossa aridez, para que a vida brote, floresça e dê frutos de amor.

Sabemos que o ministério público de Jesus Cristo foi inaugurado no batismo, recebido de João no Jordão, que viu o Espírito Santo pousar sobre ele, bem como ouviu a voz do Pai que declarou: “Tu és o meu Filho amado; eu, hoje, te gerei” (Lc 3,22). Entre o relato das tentações e o início do seu ministério, está a visita a Nazaré, onde fora criado. Na sinagoga, Jesus Cristo fez uma solene proclamação, concretizando Is 61,1-2, que corresponde aos desígnios do Pai sobre ele:

“O Espírito do Senhor está sobre mim,

porque ele me ungiu

para evangelizar os pobres;

enviou-me para proclamar

a remissão aos presos

e a recuperação da vista aos cegos,

para pôr em liberdade os cativos

e para proclamar um ano da graça do Senhor.” (Lc 4,18-19)

(E Isaías acrescenta: “e o dia da recompensa para consolar todos os aflitos.”)

Da encarnação do Verbo Divino ao dom do Espírito Santo para a sua Igreja, no dia de Pentecostes, a misericórdia é a linguagem mais eloquente de Deus ao ser humano em Jesus Cristo. Movido pela presença e força dinâmica do Espírito Santo, Jesus Cristo assumiu e deixou bem claro que esse era o projeto messiânico para si e para a sua Igreja em todos os tempos, lugares e circunstâncias, ensinando o caminho: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).

Esse projeto messiânico de Jesus Cristo, manifestado pelo anúncio e pelos sinais do Reino de Deus, foi plenamente realizado no mistério da sua paixão, morte e ressurreição, e foi compreendido em chave sacerdotal, razão pela qual Hb 4,15-16 põe em evidência a sua obra salvífica, realizada pelo nosso Sumo e Eterno Sacerdote que sabe ter compaixão das fraquezas humanas:

14Visto que temos um exímio sumo sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus, aferremo-nos na profissão de fé. 15Não temos, pois, um sumo sacerdote que não seja capaz de se compadecer das nossas enfermidades, pois, como nós, foi provado em tudo, menos no pecado. 16Aproximemo-nos com confiança do trono da graça para obtermos misericórdia e encontrarmos graça para uma ajuda oportuna.

O sumo sacerdócio de Jesus Cristo misericordioso incentiva nossa perseverança no discipulado. À diferença do culto antigo, Jesus Cristo não atravessou o santo dos santos no dia anual das expiações com o sangue de animais sacrificados, mas o fez pela sua morte expiatória e, sendo Ele próprio o Santo dos Santos, atravessou os céus com o seu próprio sangue oferto em sacrifício expiatório pelo pecado. Essa graça justifica o dia de santificação que estamos celebrando.

Hoje, podemos experimentar que Jesus Cristo, por sua misericórdia infinita, se compadece de todo ser humano enfermo e isso foi feito por experiência própria. A graça oportuna evoca, por um lado, as fraquezas humanas aos quais os discípulos continuam expostos, mas, por outro lado, evoca a força que advém da certeza de que Jesus Cristo jamais sucumbiu às tentações e, com Santo Agostinho, reconhecemos que com Ele já somos vencedores. Pelo mistério pascal de Jesus Cristo, o trono de Deus juiz tornou-se o trono da graça do seu reinado misericordioso na vida de cada discípulo.

Para compreender isso, é preciso voltar para a última ceia, qual momento de grande e intensa intimidade de Jesus Cristo com os seus discípulos. Ele, como podemos ler em Jo 13–17, fez várias promessas, dentre estas disse:

“Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse.” (Jo 14,26).

Com Pentecostes, inaugurou-se a era do Espírito Santo e a sua missão, na Igreja, é gerar e formar Jesus Cristo em nós, isto é, configurar cada batizado à imagem e semelhança do novo Adão da nova humanidade. Nós sacerdotes, em particular, somos chamados a uma mais plena configuração. É o que o apóstolo Paulo nos diz em Fl 2,1-11:

1Portanto, pelo conforto que há em Cristo, pela consolação que há no Amor, pela comunhão no Espírito, por toda ternura e compaixão, 2levai à plenitude a minha alegria, pondo-vos concordes no mesmo sentimento, no mesmo amor, numa só alma, num só pensamento, 3nada fazendo por competição e vanglória, mas com humildade, julgando cada um os outros superiores a si mesmo, 4nem cuidando cada um só do que é seu, mas também do que é dos outros.

5Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus:

6Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. 7Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, 8humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! 9Por isso, Deus o exaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, 10para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, 11e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor.

Se, por um lado, este texto evoca as etapas da vida de Jesus Cristo; por outro lado, nos convida a experimentar e a viver a misericórdia como prova de nossa conversão, que nos leva para a mais sublime das vitórias nessa vida: a do amor misericordioso do Pai que tudo absolve e perdoa. Foi o que Ele ensinou e praticou: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos.” (Jo 15,13)

O Ano Santo da Misericórdia, que estamos vivendo, convida-nos a meditar e a viver em profundidade o que é central na vida cristã: a misericórdia; isto é, que Deus é amor misericordioso. E Jesus Cristo, rosto misericordioso do Pai, ensina-nos como realizar o Salmo 133 em plenitude na nossa vida sacerdotal:

36Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso. 37Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai, e vos será dado; uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, será derramada no vosso regaço, pois com a medida com que medirdes também sereis medidos.” (Lc 6,36-38).

Nessa ordem de Nosso Senhor, encontramos o grande vínculo com o seu projeto messiânico (Lc 4,18-19): “perdoai e sereis perdoados”.

O perdão é a máxima expressão da misericórdia de Deus em nossa vida, pois é no perdão que Ele manifesta o seu supremo poder. E nós somos objetos desse perdão, mas também fomos feitos ministros do perdão de Deus. Mas para que essa graça seja eficaz no nosso ministério, devemos voltar à última ceia e ouvir com mais atenção a Nosso Senhor:

“Vos dou um mandamento novo: amai-vos uns aos outros.

Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros.

Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos:

se tiverdes amor uns pelos outros.” (Jo 13,34-35)

Sabemos, por experiência própria, como é difícil concretizar esse novo mandamento na nossa vida. Na base dessa dificuldade está uma constatação muito simples: parece que o amor está deturpado e desgastado no mundo e nós estamos com medo de amar. Mas, se hoje ouvirmos a voz do Senhor nosso Deus e não fecharmos os ouvidos ou endurecermos o coração (cf. Sl 95), nós poderemos experimentar a eficácia da presença e da ação do Espírito Santo, Amor eterno do Pai e do Filho, em nossas vidas e, pelo dom do sacerdócio que nos foi confiado, receber, com renovador ardor, a graça da misericórdia e, com o apóstolo Paulo, bendizer a Deus Uno e Trino:

3Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação! 4Ele nos consola em todas as nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. 5Na verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são copiosos para nós, assim também por Cristo é copiosa a nossa consolação. (2Cor 1,3-5)

Desse modo, ao nos aproximarmos de Jesus Cristo, com amor e confiança, aprendemos não tanto a falar da misericórdia, mas a colocá-la em prática no dia a dia do exercício sacerdotal, pois, a experiência da misericórdia de Deus na nossa própria vida, nos leva: A sermos misericordiosos como o Pai, sobretudo no perdão... Então: perdoemo-nos e seremos perdoados.

Esta experiência da misericórdia de Deus no perdão irrestrito nos impulsionará, com renovado ardor a buscar a ovelha perdida (Lc 15,4-8), a curar as suas feridas, com o balsamo da graça, porque nos faz mais semelhantes a Jesus Cristo, Bom Pastor, que cuida do seu rebanho, olhando, com particular atenção, para os mais sofridos.

Assim, descobriremos que a misericórdia é a marca registrada da nossa espiritualidade sacerdotal e pelas obras de misericórdia corporal e espiritual, seremos o que o Senhor de nós espera: sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16). Por essas obras, manifestamos a misericórdia não como utopia, ou contraposta à justiça, mas como força evangélica que promove a justiça eclesial e social, em particular na defesa dos direitos dos mais fracos e dos menos favorecidos.

É o que afirma, com grande lucidez, o Papa Francisco: “A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia... A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo. A Igreja ‘vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia’... Chegou de novo, para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão. É o tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos. O perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança.” (Misericordiae Vultus, n. 10)

Meus irmãos, nesse dia consagrado à nossa santificação, nós podemos experimentar a unção do Salmo 133, provar para nós mesmos e mostrar para o mundo que viver como irmãos não é uma utopia, mas é a forma mais concreta de realizar a misericórdia de Deus em nossas vidas, porque, hoje, para nós é Pentecostes; hoje, Nosso Senhor Jesus Cristo, misericordioso como o Pai, sopra sobre nós, como na tarde daquele domingo glorioso, e nos diz: “recebei o Espírito Santo”... “amai-vos como eu vos amo”... “perdoai-vos mutuamente”...

Moisés, no deserto, transmitiu a vontade de Deus para todo o Israel: “Sede Santos, porque eu o Senhor, vosso Deus, sou Santo” (Lv 19,2). Jesus Cristo se fez nossa santificação (cf. 1Cor 1,30) e Ele está na base e na origem da nossa vocação batismal, pois “esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3). Esta vontade divina é para todo batizado; em particular, porém, diz respeito a nós sacerdotes, que não só acolhemos o chamado para estarmos hoje, aqui, para nos santificarmos, mas, principalmente, porque Deus nos tornou ministros de santificação, entre nós e para os nossos irmãos e irmãs. Uma coisa é certa: Não podemos nos santificar sem trabalhar pela santificação dos nossos irmãos, mas, também, não podemos santificar nossos irmãos e irmãs se não procurarmos a nossa santificação como irmãos em Jesus Cristo.

Aproximemo-nos do trono da graça, com toda a confiança. Experimentemos em nós a força do amor misericordioso do nosso Deus, que pelo Espírito Santo toca nosso coração, infunde alegria, muda nossa vida e nos ensina, em Jesus Cristo, “manso e humilde de coração”, a sermos misericordiosos como o Pai é misericordioso.

A eficácia dessa experiência comprovará o que o salmista nos disse: “como é bom, como é agradável, que os irmãos habitem juntos”. Juntos na fé, movidos pela esperança, solícitos na caridade e impulsionados a amar como Jesus Cristo nos ama e a obedecê-lo como Maria nos ensina: “Fazei tudo o que Ele vos disser.” (Jo 2,5). E, como dito acima, o que Ele nos diz: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros.” (Jo 13,34-35).

Que este amor misericordioso, vinho novo em odres novos (cf. Mt 9,17), nos renove e, também, nos ajude a renovar a fé, a esperança e a prática do amor em nossas comunidades, como incansável oferta à humanidade da misericórdia de Deus Uno e Trino, Amor Eterno que nos reuniu aqui e nos santifica para a sua maior honra e glória.

Sagrado Coração de Jesus, nós temos confiança em Vós!


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03/06/2016 16:01 - Atualizado em 03/06/2016 16:04

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

Dia da santificação do clero (02/06/2016)

 

Pe. Leonardo Agostini

 

Vede: como é bom, como é agradável,

que os irmãos habitem juntos.

2É como óleo fino sobre a cabeça,

que escorre pela barba, a barba de Aarão,

que escorre sobre o colarinho de suas vestes.

3É como o orvalho do Hermon,

que escorre sobre os montes de Sião;

porque daí o Senhor manda a bênção,

a vida para sempre.

 

Irmãos, o Salmo 133 traz para nós uma provocação: Estamos diante de uma real constatação ou de uma sentença sapiencial utópica?

Em parte, a resposta depende da fé que professamos e, em parte, da firme disposição pela forma como o rezamos. Eu creio, pessoalmente, que por detrás desse Salmo está uma simples situação cotidiana: a vida familiar, acompanhada de afetos, amizade e amor, mas também com os seus altos e baixos. Por certo, não se deve negar as tensões, as discórdias e as dificuldades que podem surgir em família.

Contudo, mais certo ainda é perceber que este Salmo proclama a fraternidade como algo bom e agradável: que os irmãos habitem juntos. Hoje, aqui e agora, em particular, para a nossa família sacerdotal, este Salmo é um convite do nosso Deus e Pai de família, rico em misericórdia, que nos manda a sua bênção: nosso irmão Jesus Cristo, doador da vida abundante e eterna, que nos anima a viver inflamados de amor em seu Sagrado Coração.

Quando meditamos sobre a vida de Nosso Senhor com seus discípulos, encontramos a chave de leitura para esse Salmo. Não é difícil para nós percebermos que Jesus Cristo, nosso Sumo e Eterno Sacerdote, chamou os seus discípulos para uma experiência inédita: a descoberta da fraternidade sacerdotal pela plena convivência com Ele, o ungido do Pai por excelência no Espírito Santo. Nessa dinâmica, o Espírito Santo é o óleo derramado, o verdadeiro cosmético que embeleza, suaviza e refresca a nossa vida, é o balsamo eficaz que cicatriza todas as nossas feridas e é o orvalho que umedece e fecunda a nossa aridez, para que a vida brote, floresça e dê frutos de amor.

Sabemos que o ministério público de Jesus Cristo foi inaugurado no batismo, recebido de João no Jordão, que viu o Espírito Santo pousar sobre ele, bem como ouviu a voz do Pai que declarou: “Tu és o meu Filho amado; eu, hoje, te gerei” (Lc 3,22). Entre o relato das tentações e o início do seu ministério, está a visita a Nazaré, onde fora criado. Na sinagoga, Jesus Cristo fez uma solene proclamação, concretizando Is 61,1-2, que corresponde aos desígnios do Pai sobre ele:

“O Espírito do Senhor está sobre mim,

porque ele me ungiu

para evangelizar os pobres;

enviou-me para proclamar

a remissão aos presos

e a recuperação da vista aos cegos,

para pôr em liberdade os cativos

e para proclamar um ano da graça do Senhor.” (Lc 4,18-19)

(E Isaías acrescenta: “e o dia da recompensa para consolar todos os aflitos.”)

Da encarnação do Verbo Divino ao dom do Espírito Santo para a sua Igreja, no dia de Pentecostes, a misericórdia é a linguagem mais eloquente de Deus ao ser humano em Jesus Cristo. Movido pela presença e força dinâmica do Espírito Santo, Jesus Cristo assumiu e deixou bem claro que esse era o projeto messiânico para si e para a sua Igreja em todos os tempos, lugares e circunstâncias, ensinando o caminho: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).

Esse projeto messiânico de Jesus Cristo, manifestado pelo anúncio e pelos sinais do Reino de Deus, foi plenamente realizado no mistério da sua paixão, morte e ressurreição, e foi compreendido em chave sacerdotal, razão pela qual Hb 4,15-16 põe em evidência a sua obra salvífica, realizada pelo nosso Sumo e Eterno Sacerdote que sabe ter compaixão das fraquezas humanas:

14Visto que temos um exímio sumo sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus, aferremo-nos na profissão de fé. 15Não temos, pois, um sumo sacerdote que não seja capaz de se compadecer das nossas enfermidades, pois, como nós, foi provado em tudo, menos no pecado. 16Aproximemo-nos com confiança do trono da graça para obtermos misericórdia e encontrarmos graça para uma ajuda oportuna.

O sumo sacerdócio de Jesus Cristo misericordioso incentiva nossa perseverança no discipulado. À diferença do culto antigo, Jesus Cristo não atravessou o santo dos santos no dia anual das expiações com o sangue de animais sacrificados, mas o fez pela sua morte expiatória e, sendo Ele próprio o Santo dos Santos, atravessou os céus com o seu próprio sangue oferto em sacrifício expiatório pelo pecado. Essa graça justifica o dia de santificação que estamos celebrando.

Hoje, podemos experimentar que Jesus Cristo, por sua misericórdia infinita, se compadece de todo ser humano enfermo e isso foi feito por experiência própria. A graça oportuna evoca, por um lado, as fraquezas humanas aos quais os discípulos continuam expostos, mas, por outro lado, evoca a força que advém da certeza de que Jesus Cristo jamais sucumbiu às tentações e, com Santo Agostinho, reconhecemos que com Ele já somos vencedores. Pelo mistério pascal de Jesus Cristo, o trono de Deus juiz tornou-se o trono da graça do seu reinado misericordioso na vida de cada discípulo.

Para compreender isso, é preciso voltar para a última ceia, qual momento de grande e intensa intimidade de Jesus Cristo com os seus discípulos. Ele, como podemos ler em Jo 13–17, fez várias promessas, dentre estas disse:

“Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse.” (Jo 14,26).

Com Pentecostes, inaugurou-se a era do Espírito Santo e a sua missão, na Igreja, é gerar e formar Jesus Cristo em nós, isto é, configurar cada batizado à imagem e semelhança do novo Adão da nova humanidade. Nós sacerdotes, em particular, somos chamados a uma mais plena configuração. É o que o apóstolo Paulo nos diz em Fl 2,1-11:

1Portanto, pelo conforto que há em Cristo, pela consolação que há no Amor, pela comunhão no Espírito, por toda ternura e compaixão, 2levai à plenitude a minha alegria, pondo-vos concordes no mesmo sentimento, no mesmo amor, numa só alma, num só pensamento, 3nada fazendo por competição e vanglória, mas com humildade, julgando cada um os outros superiores a si mesmo, 4nem cuidando cada um só do que é seu, mas também do que é dos outros.

5Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus:

6Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. 7Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, 8humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! 9Por isso, Deus o exaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, 10para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, 11e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor.

Se, por um lado, este texto evoca as etapas da vida de Jesus Cristo; por outro lado, nos convida a experimentar e a viver a misericórdia como prova de nossa conversão, que nos leva para a mais sublime das vitórias nessa vida: a do amor misericordioso do Pai que tudo absolve e perdoa. Foi o que Ele ensinou e praticou: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos.” (Jo 15,13)

O Ano Santo da Misericórdia, que estamos vivendo, convida-nos a meditar e a viver em profundidade o que é central na vida cristã: a misericórdia; isto é, que Deus é amor misericordioso. E Jesus Cristo, rosto misericordioso do Pai, ensina-nos como realizar o Salmo 133 em plenitude na nossa vida sacerdotal:

36Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso. 37Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai, e vos será dado; uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, será derramada no vosso regaço, pois com a medida com que medirdes também sereis medidos.” (Lc 6,36-38).

Nessa ordem de Nosso Senhor, encontramos o grande vínculo com o seu projeto messiânico (Lc 4,18-19): “perdoai e sereis perdoados”.

O perdão é a máxima expressão da misericórdia de Deus em nossa vida, pois é no perdão que Ele manifesta o seu supremo poder. E nós somos objetos desse perdão, mas também fomos feitos ministros do perdão de Deus. Mas para que essa graça seja eficaz no nosso ministério, devemos voltar à última ceia e ouvir com mais atenção a Nosso Senhor:

“Vos dou um mandamento novo: amai-vos uns aos outros.

Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros.

Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos:

se tiverdes amor uns pelos outros.” (Jo 13,34-35)

Sabemos, por experiência própria, como é difícil concretizar esse novo mandamento na nossa vida. Na base dessa dificuldade está uma constatação muito simples: parece que o amor está deturpado e desgastado no mundo e nós estamos com medo de amar. Mas, se hoje ouvirmos a voz do Senhor nosso Deus e não fecharmos os ouvidos ou endurecermos o coração (cf. Sl 95), nós poderemos experimentar a eficácia da presença e da ação do Espírito Santo, Amor eterno do Pai e do Filho, em nossas vidas e, pelo dom do sacerdócio que nos foi confiado, receber, com renovador ardor, a graça da misericórdia e, com o apóstolo Paulo, bendizer a Deus Uno e Trino:

3Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação! 4Ele nos consola em todas as nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. 5Na verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são copiosos para nós, assim também por Cristo é copiosa a nossa consolação. (2Cor 1,3-5)

Desse modo, ao nos aproximarmos de Jesus Cristo, com amor e confiança, aprendemos não tanto a falar da misericórdia, mas a colocá-la em prática no dia a dia do exercício sacerdotal, pois, a experiência da misericórdia de Deus na nossa própria vida, nos leva: A sermos misericordiosos como o Pai, sobretudo no perdão... Então: perdoemo-nos e seremos perdoados.

Esta experiência da misericórdia de Deus no perdão irrestrito nos impulsionará, com renovado ardor a buscar a ovelha perdida (Lc 15,4-8), a curar as suas feridas, com o balsamo da graça, porque nos faz mais semelhantes a Jesus Cristo, Bom Pastor, que cuida do seu rebanho, olhando, com particular atenção, para os mais sofridos.

Assim, descobriremos que a misericórdia é a marca registrada da nossa espiritualidade sacerdotal e pelas obras de misericórdia corporal e espiritual, seremos o que o Senhor de nós espera: sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16). Por essas obras, manifestamos a misericórdia não como utopia, ou contraposta à justiça, mas como força evangélica que promove a justiça eclesial e social, em particular na defesa dos direitos dos mais fracos e dos menos favorecidos.

É o que afirma, com grande lucidez, o Papa Francisco: “A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia... A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo. A Igreja ‘vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia’... Chegou de novo, para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão. É o tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos. O perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança.” (Misericordiae Vultus, n. 10)

Meus irmãos, nesse dia consagrado à nossa santificação, nós podemos experimentar a unção do Salmo 133, provar para nós mesmos e mostrar para o mundo que viver como irmãos não é uma utopia, mas é a forma mais concreta de realizar a misericórdia de Deus em nossas vidas, porque, hoje, para nós é Pentecostes; hoje, Nosso Senhor Jesus Cristo, misericordioso como o Pai, sopra sobre nós, como na tarde daquele domingo glorioso, e nos diz: “recebei o Espírito Santo”... “amai-vos como eu vos amo”... “perdoai-vos mutuamente”...

Moisés, no deserto, transmitiu a vontade de Deus para todo o Israel: “Sede Santos, porque eu o Senhor, vosso Deus, sou Santo” (Lv 19,2). Jesus Cristo se fez nossa santificação (cf. 1Cor 1,30) e Ele está na base e na origem da nossa vocação batismal, pois “esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3). Esta vontade divina é para todo batizado; em particular, porém, diz respeito a nós sacerdotes, que não só acolhemos o chamado para estarmos hoje, aqui, para nos santificarmos, mas, principalmente, porque Deus nos tornou ministros de santificação, entre nós e para os nossos irmãos e irmãs. Uma coisa é certa: Não podemos nos santificar sem trabalhar pela santificação dos nossos irmãos, mas, também, não podemos santificar nossos irmãos e irmãs se não procurarmos a nossa santificação como irmãos em Jesus Cristo.

Aproximemo-nos do trono da graça, com toda a confiança. Experimentemos em nós a força do amor misericordioso do nosso Deus, que pelo Espírito Santo toca nosso coração, infunde alegria, muda nossa vida e nos ensina, em Jesus Cristo, “manso e humilde de coração”, a sermos misericordiosos como o Pai é misericordioso.

A eficácia dessa experiência comprovará o que o salmista nos disse: “como é bom, como é agradável, que os irmãos habitem juntos”. Juntos na fé, movidos pela esperança, solícitos na caridade e impulsionados a amar como Jesus Cristo nos ama e a obedecê-lo como Maria nos ensina: “Fazei tudo o que Ele vos disser.” (Jo 2,5). E, como dito acima, o que Ele nos diz: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros.” (Jo 13,34-35).

Que este amor misericordioso, vinho novo em odres novos (cf. Mt 9,17), nos renove e, também, nos ajude a renovar a fé, a esperança e a prática do amor em nossas comunidades, como incansável oferta à humanidade da misericórdia de Deus Uno e Trino, Amor Eterno que nos reuniu aqui e nos santifica para a sua maior honra e glória.

Sagrado Coração de Jesus, nós temos confiança em Vós!


Padre Leonardo Agostini
Autor

Padre Leonardo Agostini

Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma