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Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, 17/05/2024

17 de Maio de 2024

Tempo forte de conversão

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12/02/2016 14:12 - Atualizado em 12/02/2016 14:12

Tempo forte de conversão 0

12/02/2016 14:12 - Atualizado em 12/02/2016 14:12

Imitando Cristo no seu deserto de quarenta dias que foi, por sua vez, a realização plena da imagem vétero-testamentária do povo que caminhou por quarenta anos no deserto até chegar à terra prometida, a Igreja realiza a sua Quaresma: quarenta dias nos quais ela se deixa, a exemplo de Jesus, conduzir para o deserto, lugar da tentação, mas, também, do encontro com Deus, para aí se preparar para a grande festa da Páscoa. A quaresma surgiu a partir de uma dupla necessidade: a prática da penitência para que os fiéis pudessem participar da Páscoa do Senhor; a necessidade da preparação mais intensa dos catecúmenos que recebiam, na Vigília Pascal, os sacramentos da iniciação cristã. Assim sendo, a quaresma possui uma dupla dimensão: a dimensão batismal e a dimensão penitencial.

A quaresma é vivida por muitos cristãos, na maioria das vezes, como um fardo demasiadamente pesado. Muitos vivem as práticas da quaresma como se elas significassem a satisfação do desejo descontrolado de Deus de ver-nos sobrecarregados de sacrifícios que servem para expiar os nossos muitos pecados. Essa é uma forma errada de ver a quaresma. A quaresma é um tempo de graça, de conversão e, por isso, também de alegria; e, o que nela começamos, devemos continuar no decorrer do ano litúrgico.

Na liturgia da Palavra nos são propostos três ciclos de leitura: ano A (quaresma batismal); ano B (quaresma cristocêntrica); ano C (quaresma penitencial). O ciclo A é mais antigo e propõe textos que possuem uma dimensão marcadamente batismal, tendo em vista que neste período, já na Igreja primitiva, dava-se início à iniciação cristã dos adultos. Nós nos encontramos no Ano C.

O 1º e o 2º domingos da Quaresma têm sempre a mesma temática: no primeiro domingo, a tentação no deserto; no segundo domingo, a transfiguração. O 2º, o 3º e o 5º domingos da Quaresma nos apresentam evangelhos diferentes, de acordo com cada ano litúrgico.

A Palavra de Deus nos proporciona um itinerário espiritual. É ela que deve orientar a nossa vida espiritual na quaresma e em qualquer tempo litúrgico.

A primeira leitura nos ajuda a perceber a Quaresma, como dizíamos acima, como um itinerário semelhante ao do povo de Israel que, outrora, fez sua experiência de sair do Egito em direção à Terra Prometida. Temos diante dos nossos olhos em Dt 26,4-10 o chamado “credo cultual”. Por ocasião da oferta dos primeiros frutos da terra o judeu piedoso devia recitar este “credo”, cujo centro é a posse da terra pelo poder de Deus, que os libertou do Egito com “mão poderosa e braço estendido”. A recitação deste “credo” em contexto litúrgico atualizava na vida do crente o que o texto diz. Para cada judeu piedoso a oferta das primícias tornava-se ocasião de entrar de novo na posse da terra e de se fazer mais uma vez a experiência do Deus libertador.

Para nós cristãos, a quaresma se torna a oportunidade de renovarmos espiritualmente cada ano nosso itinerário de conversão pessoal. Imitando o povo de Israel em seu êxodo e o Cristo em seu deserto, entramos na quaresma movidos pelo desejo de, acolhendo em nosso coração a Palavra de Deus, caminharmos em direção a uma verdadeira conversão.

Nessa caminhada de conversão não tememos as dificuldades que aparecerão. Como o salmista, devemos crer que “em nossas dores” o Senhor “permanecerá junto a nós”, pois “quem habita ao abrigo do Altíssimo e vive à sombra do Senhor onipotente” poderá sempre dizer: “Sois meu refúgio e proteção...”. O Senhor será nosso refúgio também em nossas fraquezas. Quando a dor da queda, do fracasso, do pecado, da inconstância, tomar conta de nosso coração, devemos repetir com o salmista “Em minhas dores o Senhor permanece junto a mim”. Assim, não esmoreceremos nem desistiremos diante das dificuldades, mas, a exemplo do povo da antiga aliança, caminhando, caindo e levantando, chegaremos à não somente ver, mas também a entrar e desfrutar da terra que o Senhor preparou para nós.

O evangelho deste primeiro domingo da Quaresma é Lc 4,1-13: a tentação no deserto. Jesus é levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. A quaresma é, como já dissemos acima, uma imitação desse deserto de Cristo. É no deserto, “lugar sem palavra[1], onde a vida parece impossível, que nós vamos aprender a viver da Palavra de Deus. Jesus vence as seduções do demônio pelo poder da Palavra de Deus, como nos fala o texto paralelo de Mateus, e inaugura para nós um método espiritual para vencermos o maligno e suas seduções.

São Bento, no prólogo da sua Regra, diz que habitará na tenda do Senhor “aquele que quando o maligno diabo tenta persuadi-lo de alguma coisa, repelindo-o das vistas do seu coração, a ele e suas sugestões, redu-lo a nada, agarra os seus pensamentos ainda ao nascer e quebra-os de encontro ao Cristo.”  Aqui São Bento está se apropriando da imagem do Sl 136 (137), 7-9 que diz: “Recordai-vos, ó Senhor, contra os filhos de Edom, quando caiu Jerusalém, quando gritavam: ‘Arrasai-a até os próprios alicerces!’ Ó Babel devastadora, é feliz quem te pagar pelo mal que nos fizeste! É feliz quem, contra as pedras, esmagar os teus filhinhos!” Aqui temos uma imagem sálmica bem forte. Trata-se de um salmo que possui versículos imprecatórios, que conjuram uma desgraça contra o inimigo pagão e infiel.

Nós, cristãos, lemos esse salmo como São Bento à luz do Novo Testamento e da Páscoa de Cristo. Para São Bento os “filhinhos da Babilônia” são os maus pensamentos, as sugestões diabólicas que devem ser quebradas, assim que nascem, de encontro a Cristo, que é a “rocha” evocada pelo salmo.

A quaresma é o tempo de seguirmos este evangelho do primeiro domingo. É o momento de entrarmos no deserto e vencermos o maligno utilizando-nos do método inaugurado pelo próprio Cristo: contrapor aos maus pensamentos a força da Palavra de Deus. O deserto é o lugar da provação, é a morada dos demônios, é o nosso campo de batalha, é onde vamos enfrentar as sugestões e seduções do mal alicerçados na Palavra de Deus.

Mas o deserto também é o lugar onde Deus se manifesta, onde os anjos nos servem e é o caminho para a Jerusalém verdadeira. É no deserto que o Cristo vence a sedução da vanglória, de abrir-se a uma glória desse mundo e de abandonar a glória de Deus. É no deserto que nós vamos sair vitoriosos, como Cristo, sobre o pensamento diabólico da vanglória, que é o mais sutil de todos os pensamentos diabólicos.

Nós poderíamos condensar as três tentações de Cristo numa única tentação: a tentação da vanglória. A vanglória consiste em buscar a glória deste mundo; o elogio dos homens. O diabo busca fazer com que Cristo ceda diante desta tentação: ou transformando as pedras em pães só para mostrar o seu poder; ou se atirando do precipício para mostrar que é Filho de Deus; ou cedendo à idolatria para conseguir uma grande riqueza. No deserto nós nos confrontamos com os pensamentos diabólicos e os vamos desmascarando. No deserto aprendemos a lutar, sobretudo, com o pensamento da vanglória; aprendemos no deserto a buscar a verdadeira glória, a glória que Deus tem reservada para nós, mas isso nos será revelado no próximo domingo.

Entremos no deserto com Cristo armados com a sua Palavra para vencermos as sugestões e as tentações do maligno. Como nos diz a segunda leitura, a Palavra está perto de nós (cf. Rm 10,8). Abramos o nosso coração à Palavra neste tempo forte de conversão e deixemos que o Cristo realize em nós uma obra de conversão, a fim de chegarmos às festas pascais depois de termos “progredido no conhecimento de Jesus Cristo” a fim de podermos “corresponder a seu amor por uma vida santa” (cf. Oração Coleta).



[1] A palavra hebraica para deserto é midbar, um termo composto por um prefixo mi (que aqui indica privação, mas que forma substantivos na língua hebraica ao ser anteposto a verbos ou outros substantivos) e pelo termo dabar, que significa “palavra”.

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12/02/2016 14:12 - Atualizado em 12/02/2016 14:12

Imitando Cristo no seu deserto de quarenta dias que foi, por sua vez, a realização plena da imagem vétero-testamentária do povo que caminhou por quarenta anos no deserto até chegar à terra prometida, a Igreja realiza a sua Quaresma: quarenta dias nos quais ela se deixa, a exemplo de Jesus, conduzir para o deserto, lugar da tentação, mas, também, do encontro com Deus, para aí se preparar para a grande festa da Páscoa. A quaresma surgiu a partir de uma dupla necessidade: a prática da penitência para que os fiéis pudessem participar da Páscoa do Senhor; a necessidade da preparação mais intensa dos catecúmenos que recebiam, na Vigília Pascal, os sacramentos da iniciação cristã. Assim sendo, a quaresma possui uma dupla dimensão: a dimensão batismal e a dimensão penitencial.

A quaresma é vivida por muitos cristãos, na maioria das vezes, como um fardo demasiadamente pesado. Muitos vivem as práticas da quaresma como se elas significassem a satisfação do desejo descontrolado de Deus de ver-nos sobrecarregados de sacrifícios que servem para expiar os nossos muitos pecados. Essa é uma forma errada de ver a quaresma. A quaresma é um tempo de graça, de conversão e, por isso, também de alegria; e, o que nela começamos, devemos continuar no decorrer do ano litúrgico.

Na liturgia da Palavra nos são propostos três ciclos de leitura: ano A (quaresma batismal); ano B (quaresma cristocêntrica); ano C (quaresma penitencial). O ciclo A é mais antigo e propõe textos que possuem uma dimensão marcadamente batismal, tendo em vista que neste período, já na Igreja primitiva, dava-se início à iniciação cristã dos adultos. Nós nos encontramos no Ano C.

O 1º e o 2º domingos da Quaresma têm sempre a mesma temática: no primeiro domingo, a tentação no deserto; no segundo domingo, a transfiguração. O 2º, o 3º e o 5º domingos da Quaresma nos apresentam evangelhos diferentes, de acordo com cada ano litúrgico.

A Palavra de Deus nos proporciona um itinerário espiritual. É ela que deve orientar a nossa vida espiritual na quaresma e em qualquer tempo litúrgico.

A primeira leitura nos ajuda a perceber a Quaresma, como dizíamos acima, como um itinerário semelhante ao do povo de Israel que, outrora, fez sua experiência de sair do Egito em direção à Terra Prometida. Temos diante dos nossos olhos em Dt 26,4-10 o chamado “credo cultual”. Por ocasião da oferta dos primeiros frutos da terra o judeu piedoso devia recitar este “credo”, cujo centro é a posse da terra pelo poder de Deus, que os libertou do Egito com “mão poderosa e braço estendido”. A recitação deste “credo” em contexto litúrgico atualizava na vida do crente o que o texto diz. Para cada judeu piedoso a oferta das primícias tornava-se ocasião de entrar de novo na posse da terra e de se fazer mais uma vez a experiência do Deus libertador.

Para nós cristãos, a quaresma se torna a oportunidade de renovarmos espiritualmente cada ano nosso itinerário de conversão pessoal. Imitando o povo de Israel em seu êxodo e o Cristo em seu deserto, entramos na quaresma movidos pelo desejo de, acolhendo em nosso coração a Palavra de Deus, caminharmos em direção a uma verdadeira conversão.

Nessa caminhada de conversão não tememos as dificuldades que aparecerão. Como o salmista, devemos crer que “em nossas dores” o Senhor “permanecerá junto a nós”, pois “quem habita ao abrigo do Altíssimo e vive à sombra do Senhor onipotente” poderá sempre dizer: “Sois meu refúgio e proteção...”. O Senhor será nosso refúgio também em nossas fraquezas. Quando a dor da queda, do fracasso, do pecado, da inconstância, tomar conta de nosso coração, devemos repetir com o salmista “Em minhas dores o Senhor permanece junto a mim”. Assim, não esmoreceremos nem desistiremos diante das dificuldades, mas, a exemplo do povo da antiga aliança, caminhando, caindo e levantando, chegaremos à não somente ver, mas também a entrar e desfrutar da terra que o Senhor preparou para nós.

O evangelho deste primeiro domingo da Quaresma é Lc 4,1-13: a tentação no deserto. Jesus é levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. A quaresma é, como já dissemos acima, uma imitação desse deserto de Cristo. É no deserto, “lugar sem palavra[1], onde a vida parece impossível, que nós vamos aprender a viver da Palavra de Deus. Jesus vence as seduções do demônio pelo poder da Palavra de Deus, como nos fala o texto paralelo de Mateus, e inaugura para nós um método espiritual para vencermos o maligno e suas seduções.

São Bento, no prólogo da sua Regra, diz que habitará na tenda do Senhor “aquele que quando o maligno diabo tenta persuadi-lo de alguma coisa, repelindo-o das vistas do seu coração, a ele e suas sugestões, redu-lo a nada, agarra os seus pensamentos ainda ao nascer e quebra-os de encontro ao Cristo.”  Aqui São Bento está se apropriando da imagem do Sl 136 (137), 7-9 que diz: “Recordai-vos, ó Senhor, contra os filhos de Edom, quando caiu Jerusalém, quando gritavam: ‘Arrasai-a até os próprios alicerces!’ Ó Babel devastadora, é feliz quem te pagar pelo mal que nos fizeste! É feliz quem, contra as pedras, esmagar os teus filhinhos!” Aqui temos uma imagem sálmica bem forte. Trata-se de um salmo que possui versículos imprecatórios, que conjuram uma desgraça contra o inimigo pagão e infiel.

Nós, cristãos, lemos esse salmo como São Bento à luz do Novo Testamento e da Páscoa de Cristo. Para São Bento os “filhinhos da Babilônia” são os maus pensamentos, as sugestões diabólicas que devem ser quebradas, assim que nascem, de encontro a Cristo, que é a “rocha” evocada pelo salmo.

A quaresma é o tempo de seguirmos este evangelho do primeiro domingo. É o momento de entrarmos no deserto e vencermos o maligno utilizando-nos do método inaugurado pelo próprio Cristo: contrapor aos maus pensamentos a força da Palavra de Deus. O deserto é o lugar da provação, é a morada dos demônios, é o nosso campo de batalha, é onde vamos enfrentar as sugestões e seduções do mal alicerçados na Palavra de Deus.

Mas o deserto também é o lugar onde Deus se manifesta, onde os anjos nos servem e é o caminho para a Jerusalém verdadeira. É no deserto que o Cristo vence a sedução da vanglória, de abrir-se a uma glória desse mundo e de abandonar a glória de Deus. É no deserto que nós vamos sair vitoriosos, como Cristo, sobre o pensamento diabólico da vanglória, que é o mais sutil de todos os pensamentos diabólicos.

Nós poderíamos condensar as três tentações de Cristo numa única tentação: a tentação da vanglória. A vanglória consiste em buscar a glória deste mundo; o elogio dos homens. O diabo busca fazer com que Cristo ceda diante desta tentação: ou transformando as pedras em pães só para mostrar o seu poder; ou se atirando do precipício para mostrar que é Filho de Deus; ou cedendo à idolatria para conseguir uma grande riqueza. No deserto nós nos confrontamos com os pensamentos diabólicos e os vamos desmascarando. No deserto aprendemos a lutar, sobretudo, com o pensamento da vanglória; aprendemos no deserto a buscar a verdadeira glória, a glória que Deus tem reservada para nós, mas isso nos será revelado no próximo domingo.

Entremos no deserto com Cristo armados com a sua Palavra para vencermos as sugestões e as tentações do maligno. Como nos diz a segunda leitura, a Palavra está perto de nós (cf. Rm 10,8). Abramos o nosso coração à Palavra neste tempo forte de conversão e deixemos que o Cristo realize em nós uma obra de conversão, a fim de chegarmos às festas pascais depois de termos “progredido no conhecimento de Jesus Cristo” a fim de podermos “corresponder a seu amor por uma vida santa” (cf. Oração Coleta).



[1] A palavra hebraica para deserto é midbar, um termo composto por um prefixo mi (que aqui indica privação, mas que forma substantivos na língua hebraica ao ser anteposto a verbos ou outros substantivos) e pelo termo dabar, que significa “palavra”.

Padre Fábio Siqueira
Autor

Padre Fábio Siqueira

Vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida